terça-feira, 31 de outubro de 2023
domingo, 29 de outubro de 2023
O Holocausto ''invisível''
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Sob domínio Nazi, todos aqueles que pudessem constituir uma ameaça à ordem do Estado alemão viram então o seu destino reservado a um fim de extermínio, numa ''maquinaria'' estatal excepcionalmente oleada e organizada para esta finalidade, retirando o máximo de eficácia e de rendimento do trabalho, das posses e da vida das pessoas, antes da sua morte. Se, para a ''questão judaica'', o nazismo tinha um plano concreto, para a ''questão cigana'', não havia algum em específico, mas apenas a ''necessidade'' ideológica de os eliminar. Foram visados somente no enquadramento das Leis de Nuremberga, em 1935, que englobavam as Leis para a Protecção do Sangue e Honra Alemães e a Lei da Cidadania do Reich, onde, entre outros decretos racistas, tornaram ofensa-crime o casamento e a união sexual entre pessoas ciganas e não-ciganas.
Tratou-se, nesta medida, de um genocídio tão organizado quanto desorganizado. Decorreu em diferentes intensidades e velocidades de acordo com as decisões das regiões e dos países ocupados. Por exemplo, algumas regiões dependiam da sobre-exploração da mão de obra cigana para a produção agrícola e não estavam dispostas a abrir mão da sua ''mais-valia''. Para além disto, inicialmente, não havia uma distinção racial concreta ou coerente dos vários grupos ciganos, pois, apesar de alguns já serem oficialmente considerados alemães arianos por parte do Estado, por já se encontrarem no país já há alguns séculos e não casarem com grupos exteriores, estes acabavam por sofrer o mesmo destino do que os restantes grupos, já que se encontravam à mercê das decisões das chefias locais das várias polícias que os capturavam. Ainda assim, apesar desta aparente desorganização, havia campos de concentração reservados apenas aos ciganos ou campos que incluíam secções dentre dos mesmos para as famílias, como o caso do ''Campo Cigano'' do campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau II. Após ordem de Heinrich Himmler, a partir de 16 de Dezembro de 1942, foi para este campo que todos os ciganos capturados ou detidos nos vários campos de concentração dos países ocupados, passaram a ser deportados para serem exterminados.
A escala e a dimensão dos campos de concentração eram grotescamente impressionantes e constituíam autênticas fábricas de morte. A título de ilustração desta magnitude -- a dado momento, para os Nazis, o problema não residia na forma em como poderiam exterminar milhões de pessoas em pouco tempo, mas em como lidar com os seus corpos. Apesar dos fuzilamentos ou dos assassinatos em massa por envenenamento com o fumo de tubos de escape para veículos (muitas vezes ainda antes de serem deportados para os campos) e do contínuo funcionamento das câmeras de gás e dos crematórios, as mortes mais comuns nos campos ciganos deviam-se à subnutrição e às doenças. Eram miseráveis as condições das pessoas nas barracas ou casernas onde se acumulavam centenas, dormindo nuas ou com um tecido apenas, sujeitas ao frio e à chuva. A este tratamento bárbaro, acrescenta-se a esterilização em massa de dezenas de milhares de mulheres e homens, assim como a realização de experiências com crianças gémeas e testes de estirilização através da ingestão forçada de água salgada ou da redução da sua temperatura corporal.
Mas ao longo de todo este massacre houve sempre uma forte resistência e resiliência por parte dos ciganos. Muitos daqueles que se encontravam em países ocupados, fugiram e migraram em massa para outros países e muitos outros juntaram-se a movimentos de resistência. O dia 16 de Maio de 1944 é o maior exemplo da sua resiliência. Conhecido como ''O Dia da Resistência Roma'', este dia ficou marcado pelo esforço heróico das famílias que se encontravam no ''Campo Cigano'' em Auschwitz-Birkenau II, ao obrigarem as SS a suspenderem a operação de desmantelamento e de liquidação do campo. Uns dias antes, alguns teriam ouvido rumores acerca da data da operação das SS e da sua finalidade e espalharam a notícia entre si. Assim, os seis mil que se encontravam no campo preveniram-se, ignorando as ordens para saírem das casernas e barricando-se nelas, munidos de todo o tipo de ferramentas, enxadas, talheres, pregos e instrumentos para se defenderem dos agentes armados com metralhadoras. A resistência foi tão forte que as SS foram forçadas a recuar e a abandonar o ''Campo Cigano'' durante três meses. Durante este período, no entanto, foi-lhes negado qualquer tipo de alimento.
Assim, durante a noite de 2 de Agosto do mesmo ano, conhecida como ''A Noite dos Ciganos'' ou como Samudaripen, genocídio em romanô, a operação foi restabelecida e o campo foi desmantelado com o esmagamento total da resistência. Nessa mesma noite, um total de 2986 pessoas foram enviadas para as câmeras de gás e incineradas num dos crematórios e numa vala junto ao seu exterior, devido ao seu elevado número. Apenas poucas centenas foram poupadas por ainda se encontrarem aptas para o trabalho.
Durante todo este período do Holocausto, dos quarenta mil ciganos registados na Alemanha e na Áustria, vinte cinco mil foram assassinados. Não é certo o número total de ciganos executados ao longo destes anos, pois muitos nunca chegaram a ser identificados ou registados aquando da sua entrada nos campos de concentração e a maioria foi executada ainda antes de chegar aos campos. No entanto, estima-se que o número se encontre entre meio milhão e um milhão de pessoas.
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página 28 - 32
em «Conhece-me antes de me odiares, Notas sobre a História e Cultura Cigana»
de Bruno Gonçalves
edição Ribaltambição -- Associação para a Igualdade de Género nas Comunidades Ciganas, Junho de 2023
sexta-feira, 27 de outubro de 2023
Livros, laranjas e copos de água
Há dias no Asa de Mosca, o meu amigo Oliveira e um colega dele falavam de colecções inteiras de livros que são vendidas quase ao desbarato pelos herdeiros de alguém a alfarrábios, que pouco dão pelos livros e depois, alguns desses livros aparecem no mercado ao preço inatingível de um copo de água em Gaza.
Eu meti a colher e disse: -- O Krauss na VS custa 22 euros mas tem oitocentas páginas, já um livro da Barco Bêbado custa quase 20 e às vezes nem 100 páginas tem. Por muito que os autores e o conteúdo seja bom, quem é que pode? É como um Anti-Édipo ou um Stirner a 30 euros. Quem é que pode? Mas olha, comprei este Corso a quinze euros à pouco na Livraria Utopia há meia hora, estava a um preço aceitável.
Eu já não sei o que eles disseram mas eu continuei, agora num lamento que vem sendo aprimorado à medida que envelheço: -- É como os meus livros... quando morrer vai tudo para o contentor, os meus sobrinhos não lêem!
Responde o Oliveira de rajada: -- Olha!, faz um filho!
Eu surpreendido acordo do sonho onde vivo e a sorrir aparvalhado digo como o Marques Pentes do Portugalex «aqui chegados» apenas duas palavras: -- Olha, fazer um filho para ter quem leia os meus livros?!
Eu sei que foram mais de duas palavras o que disse mas foram as únicas que verbalizei, fiquei a pensar em muitas razões: ter dinheiro para cuidar do filho, comida, vestuário, calçado, escola, tempos livres, dinheiro; encontrar a nossa cara-metade certa, etc. Não disse nada. O Oliveira acabou por se virar para o colega e dizer: -- Olha, o meu filho já vai comigo para as feiras e até gostou de andar lá no meio dos livros.
Eu fico contente por ele mas também observo que a ex-mulher lhe está a foder a cabeça. Quem tem razão não faço ideia, mas fico contente por ele ter um filho que gosta do pai. Eu só muito tarde aprendi a gostar do meu, e quando foi a altura de ter filhos pensei: -- Vou fazer um filho que não vai gostar de mim?, olha os filhos do Toninho que não querem saber dele...
Entretanto, os dias vão passando e hoje, ao almoço, descobri que há uma conspiração na minha cozinha perpretada pela minha mãe e pelo meu pai, uma conspiração para eu comer fruta, hoje uma laranja, ontem uma banana ou uma ameixa ou uma pera Conferência, hoje disse-me minha mãe:
-- A laranja faz bem ao teu catarro...
O meu pai acrescentou: -- Sim, tem Vitamina C...
Eu ri-me, pensei cinco laranjas custam 3 euros, agora vou ser obrigado a comer uma laranja, tou tramado, virei-me para eles e disse: -- Tenho 50 anos mas para vocês hei-de ser sempre bebé, agora até me enganam, só falta voltar à fala do antigamente: olha o peixinho, olha o aviãozinho...
O meu pai sorri, não diz nada e descasca uma maçã Starking. A minha mãe que ainda não terminou o conduto, mexe com o garfo no prato, olha sem compreender a guerra na tv, e pensativa acaba a dizer:
-- Eu lembro-me de uma vez teres dito, olha mãe agora tenho uma namorada logo vou estar com ela...
-- Quem, que namorada era essa, como se chamava?
-- Lembras-te da Sheila?
-- Ah, a Sheila... ela não chegou a ser minha namorada, eu pedi-lhe namoro mas ela não aceitou, foi no quinto ou sexto ano, os recreios eram separados, rapazes para um lado e raparigas para o outro, com uma cancela a dvidir os recreios, nós encontramo-nos na cancela, eu fiz o pedido, ela sorriu, disse que ia pensar, mas depois disse-me que não...
-- Olha, disse o meu pai, devias ter pedido namoro à Maria João, ela gostava de ti, os avós dela também...
-- E eu gostava dela, mas aí o problema era que quem gostava de mim era a colega de carteira da Maria João, era uma espécie de telenovela Morangos...
O meu pai ri-se. É bom ver o meu pai rir-se e por isso eu continuo na palhaçada:
-- É eheheh, era eu e o António na carteira da frente, o António era um míudo gordinho de S. Gemil para onde eu fui uma vez à tarde jogar computador e não fui mais vezes porque eu não tinha jeito para jogar, lembras-te pai de ouvir falar dos Spectrum?, os jogos entravam por cassete, ainda não havia sequer disquetes, era preciso ter paciência de chinês, porque é que pensas que os maiores programadores do mundo são quase todos asiáticos, indianos, paquistaneses, chineses e quem mais for...?, é porque têm paciência de chinês para aturar a máquina. O António era um paz de alma, ninguém se metia com ele, e na carteira atrás da nossa estava a Maria João e a colega, já nem sei o nome dela, e ela metia-se comigo e eu dizia está qu'eta!, ora ia lá pedir namoro à Maria João ao lado dela...
-- Ela gostava de ti...
-- Olha então gostavam as duas de mim... é!, daqui a pouco vão dizer que eu era um playboy... tá bem... nunca gostei de telenovelas.
Para terminar o almoço, comi uma laranja do Allgharb.
quinta-feira, 26 de outubro de 2023
segunda-feira, 23 de outubro de 2023
quinta-feira, 19 de outubro de 2023
Ontem morreram dois. O jornalista chamou-lhe «alvos». Balas contra pedras. É essa a moral dos israelitas.
O meu pai diz que os jornalistas mentem e repetem as notícias e, na altura do almoço ou jantar, sempre que a tv passa uma reportagem sobre a Palestina ele diz que é falso, é de ontem, já deu, é invenção e muda de canal. Dias há em que não me importo, afinal moro em sua casa. Mas noutros dias, como ontem, disse:
-- É, dizes que já deu e não queres ver e mudas de canal, mas eu que só vejo tv e as notícias quando estou aqui na cozinha acabo por não conseguir ver. Ora, tu dizes que já deu e não queres ver mais, mas a verdade é que já viste, ainda há duas horas às seis da tarde estavas a ver as notícias da guerra...
E mudei para o canal 1 e vi.
Vi um grupo de palestinianos na Cisjordania a atirar pedras numa estrada longa onde ao fundo estava o que parecia ser uma espécie de chaimite militar israelita. As pedras nem a metade do caminho chegavam, quanto mais aleijar algum soldado israelita. A reportagem continuava, o locutor dizia e eu via uma mulher palestiniana vestida de negro a trazer pedras que pareciam bocados de brita do alcatrão de estradas, via-se um carro pertos deles a arder, e lá longe a chaimite israelita. Os seis ou sete palestinianos continuavama atirar pedras e depois, antes de terminar a reportagem, o locutor disse mais ou menos isto «os jovens atiram pedras, os serviços médicos estão a postos, dois tiros acertam no alvo.» A reportagem termina com a porta de uma ambulância a fechar-se.
Relato duro e seco.
Hoje, ao almoço, vi um jovem adulto israelita dizer qualquer coisa assim: «Ah, o hospital... não fomos nós, nós temos moral, nós não atacamos hospitais.»
Virei-me para o meu pai e disse:
-- Grande moral, ontem deu os palestinianos a atirar pedras e a receberem balas. É essa a moral dos israelitas. Um palestiniano atira uma pedra a um carro blindado e o israelita faz pontaria à cabeça e mata um palestiniano. Ontem morreram dois. O jornalista chamou-lhe «alvos». Balas contra pedras. É essa a moral dos israelitas. É a lei arbitrária do mais forte.
Na II Guerra Mundial, o judeu escritor Bruno Schulz foi morto a tiro numa rua do Gueto de Varsóvia, por um nazi que teve cíumes doutro nazi que protegia de algum modo o Bruno Schulz.
Vejo muitas semelhanças nos métodos nazis e nos métodos israelitas. Os israelitas deviam deixar de invocar o Holocausto e o anti-semitismo, porque estão a provocar um genocídio semelhante ao nazi.
Diz na Bíblia: Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti.
Os israelitas esqueceram-se disso. São os senhores do mundo. E os cristãos defendem os judeus mesmo sabendo que foram os judeus que entregaram Cristo para este ser enforcado pelos Romanos. É esta a cegueira dos Cristãos. Além disso, há muito palestiniano que é cristão e nós chamamos-lhe de terrorista na mesma.
Quanto ao Islão, a única coisa que se aproveita é a música, a poesia sufi e o haxixe. O resto é ditadura.
Não há nada como ser ateu.
terça-feira, 17 de outubro de 2023
Sobre Israel e o Hamas
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Os métodos do Hamas são fascistas e terroristas
os métodos de Israel são fascistas e terroristas
domingo, 15 de outubro de 2023
Um poema de Roger Wolfe
AS AUTORIDADES LITERÁRIAS AVISAM:
SER FELIZ PREJUDICA SERIAMENTE A SAÚDE
Cheguei a acreditar que a felicidade
não é assunto para os seres humanos
Félix Grande
Alguns -- por incrível que pareça nestes tempos --
ainda se iniciam nos copos
por influência dos poetas simbolistas.
Outros -- de modo igualmente incrível --
acabam a chutar heroína
porque múmias como William Burroughs
bradavam aos quatro ventos que o faziam.
Por motivos semelhantes
negaste sempre a felicidade,
que como se sabe
é um assunto muito mal visto
entre as mentes pensantes deste curral [de moinas, padrecos rabis e moinantes].
Até que a felicidade te caíu em cima
como um prato de sopa
que alguém te entornasse no colo.
Que diabos era isto?
Não estava programado.
Era um novo contratempo;
uma autêntica vergonha.
Como, em menino, mijar a cama
ou fazê-lo nas cuecas.
Tremendo embaraço.
Quem poderia livrar-te desta?
Mas a felicidade insistiu em agitar-se dentro de ti;
percorria-te de alto a baixo
como um fluxo de seiva electrizante.
E ocorreram-te ideias deveras bizarras:
abandonar tudo,
[bombardear Gaza e os dois milhões que as mentes pensantes chamam terroristas]
desatar a correr saltando gritos de alegria,
pintar a manta [e deitar cimento para dentro dos poços de água na Cisjordânia]
e mergulhar de cabeça na vida.
[e alegrar-me de por cada judeu morto morrerem cem palestinianos.]
Ficaste sem pinga de sangue.
Os filhos-da-puta [dos apoiantes da causa palestiniana] tinham esvaziado a piscina.
Roger Wolfe em «Fazer o trabalho sujo», edição Língua Morta
com [] de ZMB
sábado, 14 de outubro de 2023
sexta-feira, 13 de outubro de 2023
quarta-feira, 11 de outubro de 2023
O local de nascença
6. O local de nascença
a)
Quando se é pequeno vai-se à escola.
Quando se é pequeno brinca-se com os colegas.
Quando se é pequeno vemos televisão e vamos para a cama aterrorizados com a escuridão de um corredor lembrando-nos das gigantes formigas vermelhas do filme «Them».
Quando se é pequeno vamos ao jardim zoológico ver os leões, as aves e tiramos fotografias com olhar ambíguo de sofrimento e força, o cabelo desgarrado e calções de bombazine.
b)
Foi há oito anos a primeira vez. Uma eternidade. Estava num elevador parado no segundo piso abaixo da terra de uma torre verde perto do rio com dez andares acima do solo e mais quatro subterrâneos. Os toques de campainha que efectuei das seis da tarde em diante foram estranhas e não me recordo bem delas, não me recordo da dicção que empreguei saindo de um corpo sem gravata. Não vendi nada. O ar, o sorriso daquele casal de meia-idade, holandeses loiros, deixou-me a pensar: estou eu com um sorriso tripante? Não compraram nada. Recordo às oito entrar na carrinha e alguém, que sabia do esquema, vira-se para o banco de trás e comenta alguma coisa em código e eu respondo gritando porque não ouvia bem: correu tudo bem. Como que a dizer: não me bateu nada.
c)
Enquanto estudo matemática e, em especial, os diracs, acordo na manhã seguinte sonhando com um jacto de energia infinita projectando-se, através do eixo yy do sistema euclidiano na intercepção ou secção de corte de um plano irregular com as formas esféricas do traseiro feminino: chamam-lhe polução nocturna mas não passa do reflexo psicofisiológico da memória resgatada do disco duro com ficheiros sobre grafitis de pó que o Pinto desenhava na carteira da secundária, era lindo o diálogo com a Soraia, ela desenhava e dizia «a piça do pinto» e ele acrescentava duas meias luas e dizia «a cona da soraia», e levava um estalo ao som de um «estúpido!» Agora, depois do almoço, ouço vindo de uma k7 gravada com Tom Waits o som de um homem a dar de comer aos garnizés enquanto eu penso, penso, vou pensando em tudo e me crescem orelhas de burro ao som dos mantras fúnebres que terminam a k7 a dizer o «dust to dust dust to dust» transformando-se em «quero estudar quero estudar» durante pedaladas de bicicleta à tarde. Ah, como é linda a paisagem. Sinto-me leve e jovem. Meu pai bem me disse: queres as coisas, estuda, trabalha, luta, ganha as coisas. E eu que fodi as senhas de autocarro para fazer filtros, o que o meu pai me diz entra por uma orelha e sai pela outra, acelerada e fumada, mijada contró vento mas... ah que água linda. ela vai sair do barco e oferecer-me um peixe a troco de um euro, vou fotografá-lo para um quadro futuro.
— Tu já estás a pintá-la.
— No, I just took the photograph, sou inocente, não tires o t à pintura nem ao passatempo.
d)
A estrela polar, a constelação de Orion, a estrela imaginária Cassiber ou a constelação de Cassiopeia, a estrela Sirius e a companheira negra, quase invisível ao olho científico, Sirius B...
Qual será o segredo da ressuscitação?, the way to succeed and the way to suck eggs...
e)
Culparemos ou deveremos NÓS culpar a família, os nossos genes por sermos considerados esquizofrénicos?
O problema não será a família nem os genes individuais que se fundiram, o problema será mais o facto, talvez a necessidade, da célula se dividir, ficando para um lado as forças da consciência e para o outro as forças do sexo e género, gémeos monozigóticos então que não são necessariamente antagónicos e que dialogam entre si para todo o sempre; então, é natural que, algumas vezes, estas vozes interiores venham à superfície e se projectem nas vozes dos outros que partilham, por exemplo, o espaço informal de um autocarro público ou do local onde se toma o café e se compra o jornal diário.
f)
Houve alguém que «confessou» ser um bissexual que nunca teve uma experiência homossexual (?!), nem na sua mais fértil imaginação?, perguntamos nós.
g)
«Da próxima vez que eu sonhar isto quero lembrar-me que estou sonhando.»
«Estou sonhando ou não?»
Se sozinho não consegues sonhar, sonha com uma máquina de sonhos, fecha os olhos, não dormiste a noite passada, põe a função repetição aleatória na música do cedê para não saberes qual vem a seguir e onde acaba, o som nunca acaba, tira a camisa para sentir a frescura e nunca caias totalmente no sono.
Falas Visual C++ durante o sono?
Claudio Mur em «Manual de sobrevivência»
quinta-feira, 5 de outubro de 2023
Rascunho biográfico de um pintor
Brandir o pincel
Magia é a faculdade de causar mudança ou de quebrar a inércia de um sistema pondo-o a girar por métodos não naturais. O primeiro acto mágico é o desejo. Se desejamos agimos, tentamos alcançar o objecto do desejo, torná-lo nosso, comê-lo mesmo.
No entanto, devemos ter cuidado com o que desejamos: a desmesura, o excesso ou a impossibilidade de atingir o objecto do desejo pode levar à obsessão e à loucura. E, em último caso, à culpa e ao crime, porque «o que está em cima é como o que está em baixo» e usar a magia para obter algo a nosso favor vai certamente desfavorecer alguém na nossa vizinhança.
Em certo sentido, eu construí a minha própria loucura. E a loucura foi o modo de fugir à realidade opressiva, foi o modo de me tornar anónimo, invisível, um bandido mental. E criar o meu mundo, a minha família. A minha família é, acima de tudo, a família sanguínea mas também as pessoas que estão à minha volta e com quem convivo no dia-a-dia. Mas esta família terrena não me é suficiente. Preciso de uma família-mito, uma que vou adoptando ao longo dos dias em que a vou lendo nos livros, esses pais de combate ao tédio, na mãe música que venero e nas crianças que gero, ou seja, nas telas que pinto.
Cada tela é um filho meu, a simulação de um momento, uma fotografia a fixar para a posterioridade que é sempre o momento em que alguém -- outro que não o pintor -- a vê. Esse outro vê a tela e pergunta-se «o que é isto?, o que quis o pintor exprimir?, que fantasma, que fumo é este?, que musa, que fada ou bruxa... que mulher representa esta figura?, eu conheço-a?, que mundo estranho mas fascinante...» E aí, eu explico, eu reconto, eu invento a história, dou substância à imagem, à minha filha.
E em certo sentido, a minha missão cumpriu-se cedo, a minha magia funcionou quando uma amiga de uma amiga entrou uma noite no meu quarto-atelier e ficou quase histérica na sua admiração do quadro que na parede estava a ser pintado: «Foste tu que fizeste?» O brilho e a alegria dos seus olhos valeram mais que todas as centenas de euros que o quadro pudesse valer. A minha magia cumpriu-se também como uma chapada naqueles que cépticos disseram «não parece ter sido feito por ti», uma chapada nos que julgam uma identidade pelo nó da gravata ou pelo buraco brinde de uma camisa, pelo sapato cambado ou pela cor do verniz ou do batom, pelo que ela parece numa selfie em vez de a julgarem pela eventual qualidade do seu trabalho. E cumpriu-se também de modo sublime naqueles que me disseram:
-- Ganda maluco tu, eu que não dava nada por ti, e tu agora mostras-me isto!?, eu dar-te-ei droga, aranjar-te-ei tudo o que precisares, vou pôr-te a render... vais ser um mito!
Estes são alguns dos momentos bons, o «em cima».
O intermédio foi eu, quando ainda finalista de um curso de engenharia, imaginar-me num futuro a subir a Rua Sá da Bandeira no Porto a caminho do autocarro para casa com uma tela de metro e meio acabadinha de comprar. Isto também se cumpriu.
O «em baixo» foi ter ficado louco, ter sido internado e ter perdido todas as amizades, toda a família de amigos e amigas com quem cresci e aprendi a criar. Todos eles e elas se sentiram e ainda se sentirão desconfortáveis com o modo como eu os des-caracterizo na minha pintura, no meu desenho, nas minhas palavras. É esta a culpa do mágico, a culpa do pintor, a razão porque ele se sente um bandido mental, um outsider mesmo aos outsiders, um bruto que brande o pincel.
ZMB
quarta-feira, 4 de outubro de 2023
Queres ter casa cheia e vender muitas pipocas?
Convida o Marcelo para discursar sobre os melhores do mundo.