sexta-feira, 30 de maio de 2025
domingo, 25 de maio de 2025
The Skater
«The Skater»
óleo sobre papel tamanho A2
2025 ZMB
Enquanto solteira lutou por trabalho e entregou os filhos à mãe enquanto trabalhava longe e mandava dinheiro para casa. Isso não impediu a avó de vender a própria neta quando o dinheiro faltou. O que fez com que ela tivesse de ir atrás da família que comprou a sua filha. Disse que não tinha assinado nenhum papel a dar a filha e na justiça conseguiu-a de volta.
Depois casou e os seus problemas acabaram. a avó afeiçoou-se ao neto mais novo e a mãe longe vivendo uma vida boa com o novo marido e mandando dinheiro para a mãe cuidar do neto. E o filho passou a gostar mais da avó do que da mãe. Afinal, a avó estava presente quando o neto chorava ou sofria. Era ela que o consolava. E a mãe passou a ser vista como um banco. O menino precisa disto, o menino precisa daquilo, a mãe enviava da conta do marido o dinheiro necessário.
Mas tudo mudou, quando o casamento acabou e a mãe quis voltar para junto da avó e do neto. Sem nunca mais ter trabalhado desde que se casara dez ou quinze anos antes e completamente desajustada das realidades de sobrevivência económica, quando voltou a casa passou a ser vista como um fardo e uma boca que não parava de comer, isto tanto pela mãe velhota como pelo filho que agora já era adulto e empresário.
O dinheiro alivia os problemas mas quando não há amor nem proximidade não vale nada. De tal modo que a mãe expulsou a filha de casa, pedindo dinheiro a juros a uma donabranca lá do sítio para emprestar à filha e ela voltar para onde morara antes. Como que a dizer: a filha primeiro servia porque mandava dinheiro, agora pobretana que vá para lá de onde nunca deveria ter saído!
E assim ela fez, voltou e arranjou um trabalho precário e ligou à mãe dizendo que ia começar a pagar o empréstimo. E assim foi, foi pagando um pouco todos os meses e quando a conta acabou, a mãe arranjou maneira de continuar a pedir dinheiro, fosse para uns novos óculos, fosse para a insulina do padrasto. A filha que ama a mãe e tudo esquece, mãe acima de tudo, continuou a fazer esforços e a sustentar a mãe que a rejeitou e que parece um abutre.
Até que à mãe se lhe descobre um cancro terminal e lhe dão um mês de vida e a filha vai-se abaixo psicologicamente. Uma vez liga à mãe pelo whatsapp e a mãe diz-lhe: Deixa eu morrer em paz! e desliga. A filha sofre mas manda dinheiro para medicamentos, cuidadora pessoal e depois para o enterro. E o neto onde está? Esse comprou mota, carro, casa, abriu loja e chora a morte da avó como se fosse a morte da mãe e rouba até a própria mãe nas despesas de funeral da avó e a mãe sofre por ter perdido a mãe e não ter filho, que quando ela diz: filho, agora estou a ficar velha, tem de cuidar de mim. O filho diz: volta não! Aqui não há nada para você.
A mãe desta história, a mãe que perdeu a mãe e o filho, está a desistir aos poucos da vida, quer morrer, diz que não está aqui a fazer nada e está a sofrer, diz que não tem ninguém.
Ainda ontem foi insultada por uma vizinha e porquê? Porque é sensitiva e viu ou teve um sonho em que o vizinho idoso ia ter um avc. Então, numa tentativa de salvar um ser humano, bateu à porta da vizinha e disse-lhes para chamar o inem porque o idoso ia ter um avc. Foi insultada de bruxa e puta de merda. Depois, quando o senhor teve o ataque, foram-lhe bater à porta, dizendo-lhe que ela sabia do que falava e a ver se ela ligava para a ambulância e depois para a funerária, diz que até amortalhou o idoso, chamou-lhe o envelope do defunto..
Diz-me tudo isto numa longa conversa por videochamada, à noite completamente transtornada, e no dia seguinte nem se lembra de ter falado comigo e de ter passado a roupa a ferro, ontem havia uma cadeira com roupa por passar e hoje acordou com ela passada. Só se lembra que ontem foi insultada e que hoje de manhã a vizinha lhe agradeceu pela ajuda e lhe pediu desculpa pelos insultos. Eu mesmo me pergunto como reagiria eu se um dia a ceifeira vier bater à porta da minha família: também a insultarei ou convidá-la-ei para um café?
A vida tem sido madrasta para ti mas ainda não chegou a tua hora, tens-me a mim, com todos os meus defeitos.
-- Você sempre gostou de mim. Ainda me quer?
-- Sim, eu nunca deixei de te querer. Você não se lembra já, mas tu fugiste de mim duas vezes, primeiro com o Manuel, depois com o Catarino, por culpa minha também, eu não tenho carteira mas o mais importante talvez é que não serei o melhor amante, mas nunca te deixei de querer. A tua hora ainda não chegou e eu estou e estarei por perto tentando ajudar-te. Olha uma coisa que ouvi hoje no talho: uma cliente virou-se para o talhante e disse que eles iam todos para o céu, um deles perguntou porquê, e ela respondeu que seria por aturarem os clientes e a rir disse que os ia deixar entrar no céu, ao que um deles sorriu e disse que não tinha pressa! E é isso, não tenhas pressa de ir, tens de viver e não tens de deixar-te morrer, ainda não chegou a tua hora, ainda não viveste o suficiente.
-- Voltamos ao tempo da escravadura, compreende?, não é escravatura, é escrava dura. Dura, sem dinheiro, sem tostão.
-- Sim, querida, mas também escrava dura de roer, escrava que bota fogo naquele infeliz que te faz mal, que te faz sofrer.
-- Ah meu amigo, quando me fazem bem eu faço o bem, quando me fazem mal viro bicho pior que cobra peçonhenta.
quinta-feira, 22 de maio de 2025
O racismo é latente no portuguesinho de bem
A minha tem um trabalho em part-time a cuidar da mãe da vizinha, a minha amiga acaba a fazer de baby sitter e empregada de limpeza da casa onde a mãe e os filhos da vizinha vive. A vizinha essa vive longe da mãe e dos filhos, vive com o novo marido e tem o desplante de pedir dinheiro à empregada minha amiga para comprar produtos de higiene para a mãe idosa da vizinha.
A vizinha deve dois meses de ordenado e não dá folgas. A minha amiga está a ser alimentada por estranhos de quem não deveria depender. Deveria depender do ordenado que a patroa lhe paga pelo seu trabalho. Mas não é o que acontece.
Há quinze dias, vi um anúncio no jornal e pensei: vou-lhe enviar a foto deste anúncio. E mandei. Ela telefonou e foi-lhe marcada uma entrevista. Ligou-me a perguntar se eu sabia onde ficava a rua e eu fui ver aos mapas da google. E fui com ela lá. A entrevista era às 17h e às 16h30 já tínhamos identificado a porta do prédio. Ao chegar à hora, ela ligou-lhe e o senhor anunciante disse que estava a chegar a casa. Eu afastei-me e fui conhecer a Rua Gisberta Salces Júnior ail ao lado.
Cinco minutos depois, a minha amiga aparece a dizer que não houve entrevista, que o senhor apareceu, nem quis ficar com currículo, disse que o lugar já estava ocupado e que ligasse daí a quinze dias, podia ser que a pessoa à experiência não servisse.
Assim fez ela e eu fiz, embora ficássemos desconcertados no mínimo. Esperamos quinze dias.
Hoje, dia 15 da espera, liguei-lhe a lembrá-la. E ela ligou.
O senhor do anúncio disse para ela voltar a ligar às 16h. A minha amiga também disse que o senhor lhe ligou a confirmar: ligue-me às 16h. A minha amiga numa pilha de nervos a falar comigo pelo whatsapp até às 16h.
Às 16h, ela liga ao senhor e ele diz-lhe para ela ir lá ao prédio logo de seguida. Ela avisa-me e eu digo-lhe que ela chega lá mais perto se for sem esperar por mim. E ela vai. E eu espero.
Agora, enquanto escrevo isto no computador, já tive tempo de fazer café e de atender o seu telefonema a dizer: «olha, o homem deve ser doido, cheguei lá e ele disse que já não precisava, e eu até tive para lhe dar nas trombas por ele estar a gozar com a minha cara, mas não fiz isso, porque estava lá mais gente e eu perderia os meus direitos!»
Eu respondi: «É a maldade das pessoas.» É gozar com quem precisa de trabalho. E depois vem o Chaga dizer que não queremos trabalhar. O que aconteceu: o homemzinho não gostou da cara da minha amiga e resolveu torturá-la. Nunca pensou que ela voltasse a ligar e esqueceu-a. E quando ela ligou ele voltou a marcar entrevista. E quando a voltou a ver caiu-lhe a máscara. E tanto ela como eu somos impotentes nesta luta. Somos os fracos, os vencidos da história.
Pois que fiquem com a história. Que vos dê toda a azia do mundo mas quando isso acontecer não entupam uma sala vip num hospital público, ide para um privado que vos há-de parir!
terça-feira, 20 de maio de 2025
Rescaldo das eleições
segunda-feira, 19 de maio de 2025
A luta contra o fumo
Foi um fim de semana marado.
A ansiedade faz-me fumar.
Sempre fumar até acabar.
Fumo até acabar e digo:
quando acabar acabou e
não se pensa mais nisso.
Então, até parece que fumo mais,
ansiosamente,
não paro de fumar até que acabe,
acelero o travo do fumo e
fumo mais em menos tempo.
Até que acabe.
Enquanto acaba aquilo que dizia antes,
que não pensava mais no caso hoje
e só amanhã fumaria mais,
tudo isto deixa de fazer sentido.
O primeiro pensamento é marcar o número
que me dará paz e
me retirará a ansiedade.
Hoje isto não aconteceu.
Fumei freneticamente mas
não marquei o número.
Hoje estou a ouvir The Legendary Pink Dots.
Claudio Mur
domingo, 18 de maio de 2025
Poema a uma amiga que fugiu de mim, e tu admiras-te? Olha... pode ser que ela se lembre.
Imaginei-te com a mãe natal
as duas comigo -- nós os três.
Numa cama seria a fractura.
A factura: a polaridade mental
em perigo.
Chama-lhe mentira:
Construí-te poemas, sonhei contigo.
Olha que a mãe natal compreendeu.
O que és na realidade?
Os pormenores que penso verdadeiros:
Uma leoa na cama,
Nem sequer uma loba agora?
Faço dois cigarros de enrolar
sentado numa paragem de autocarro
e ofereço-lhe um à grande deusa
-- aquela que nunca sairá
do resíduo no meu coração de gelo
ao qual dou calor.
'Muito calor a luas da sua qualidade e
a esta linda muchacha maia...
let her decante in me o resíduo que d'Ela ainda resta...'
Sólida como um tango, fandango
whatever
é linda e eu...
que estou só para todo o sempre
o meu coração com um compartimento
para a nova que há-de-vir.
Está codificada a verdade
Todos estão ao corrente.
Que resta de ti em mim?
Já pouco preciso de ti.
Precisava de ti
há uma semana atrás.
Claudio Mur
sábado, 17 de maio de 2025
A casa é o local onde deixas de fugir, onde está ela?
Que quero eu dizer?
Que tenho de novo a dizer?
Cansei-me das palavras
-- agora só escrevo repetições.
Agitado escrevo
a ver se a coisa passa.
Não escrevo por querer,
nunca escrevi.
É sempre uma necessidade,
um alívio.
Só pinto por prazer,
quero ter prazer.
'pensei no futuro, tive ambição,
o campo amoroso um absurdo,
a literatura um absurdo...'
Fodasse! Com bilhete sem destino.
Ganho coragem e salto para o escuro e
abro os olhos num monte de silvas.
'não morri, não morri, não morri...'
E eu a pensar que era covardia e
e e não morri e
e no hospital expludo:
'as mulheres são todas umas putas!'
Ela já mo tinha dito e quando perguntou
eu neguei.
E escondo e sonego e a minha mãe
assina o termo e
em casa toda a gente preocupada e
meu pai pergunta porquê e
eu repergunto: gostas da minha mãe?, e
depois recuso ajuda e deixo-a e
fico com o absurdo nas mãos:
reverter o édipo -- mandar foder
em vez de mandar matar e foder:
-- mandar foder
numa ânsia de destruição e
toda a gente repara e esqueço
todo o mal que me fazem.
Sou lento nas respostas.
Consigo fugir mas relapso:
'serei sempre um estranho,
não é este o meu lugar.'
Tenho medo, muito muito medo.
Quero esquecer
para só ter futuro.
'é ali que quero chegar,
sai da frente ó merdas!'
eu -- humilde servo agora opressor
tal que não deixo amigos quando morro,
(e já morri várias vezes) uma das mortes da qual me lembro:
a sociedade das lâmpadas para colorir e
três mil pessoas mais o eclipse e
duas gajas ao mesmo tempo
para tentar matar um amor antigo
na minha mente
na minha vontade:
-- a uma chamo-a de lésbica,
e ela sofrendo diz que gosta de uma pessoa;
-- a outra manda-me foder,
e ela com um sorriso chama-me de parolo.
Três mil pessoas a chamarem-me Paneleiro.
Depois do eclipse dizes:
isto não é imaginação
ou foi?
Não pode ser uma construção da tua mente
ou foi?
Estás louco ou foi simplesmente fuga?
A casa é o local onde deixas de fugir, onde está ela?
Claudio Mur
terça-feira, 13 de maio de 2025
It was after the end of the world
«It was after the end of the world»
óleo sobre tela
60cm por 50cm
2025
ZMB
“
-- Gente maldita como você, que estupra as nossas meninas e as nossas mulheres, rouba as nossas terras e registram como suas, merece o pior dos castigos. O seu dia vai chegar e será pelas mãos de meu povo!
A lua resplandece prateada sobre a mata e do clarão surge de asas abertas um carcará de penas cintilantes e olhos de fogo. Ele pia novamente refletindo suas chamas e Jurema entende a resposta dos seus ancestrais e encantados. Ela levanta os braços e se joga do despenhadeiro. Antes de cair nas águas do rio que passa na enseada, é acolhida pela ave que lhe apoia e lhe abraça com as suas asas e juntos mergulha nas profundezas das águas. O carcará se transforma no guerreiro Kauá e continua abraçado à sua amada. Os dois são envolvidos numa luz prateada. Eles se olham, se beijam docemente e novamente se abraçam. O seu amado retorna à superfície na forma de ave e Jurema é acolhida pelos Espíritos das Águas e da Terra, que a encantam, transformando-a na Mãe d’Água, Senhora das Águas, metade peixe, metade mulher, dando-lhes alguns dons de viver no mar e sobre a terra, segundo as leis e os propósitos dos encantados.
”
Eva Potiguara em «Os herdeiros de Jurema», edição Exclamação
“
O escritor francês André Gide escreveu: «Eu altero os factos de modo que eles se assemelham mais à verdade do que à realidade.» Shakespeare dizia-o também: «A poesia mais verdadeira é a mais fingidora.» Este conceito ocupou-me durante muito tempo. O seu exemplo mais claro é a escultura da Pietá, de Michelangelo, na basílica de São Pedro em Roma. A cara de Jesus, retirado da cruz, é a de um homem de 33 anos, mas a cara de sua mãe é a de uma rapariga de 17. Teria ele intenções fraudulentas? Quereria Michelangelo mentir-nos? Propagar fake news? Enquanto artista, ele fez o que era evidente de modo a mostrar-nos uma verdade mais intrínseca das duas pessoas.
“
Werner Herzog em «Cada um por si e Deus contra todos», edição Zigurate
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O que verdadeiramente importa do passado é aquilo que não se recorda. O resto, o que a memória conserva ou reencontra, é apenas sedimento. Uma parte do tempo decorrido começa verdadeiramente a fazer parte, tal como um alimento digerido, do organismo vivo; continua a ser passado, mas é o único passado verdadeiro e vive no cérebro e no sangue, ignorado pela memória. O adágio tradicional «longe da vista, longe do coração» pode ser paradoxalmente invertido: se no passado um rosto suscitou amor ou ódio autênticos, ou respeito, ou desprezo, a recordação dos traços desse rosto poderá permanecer ou regressar nítida e exacta à memória, mas será passado -- no sentido de passado morto e aprisionador; enquanto a experiência genuína do amor e do ódio não será recordada -- recordar-se-ão só as circunstâncias e os indícios -- e permanecerá viva.
“
Furio Jesi em «Spartakus, simbologia da revolta», edição VS
sábado, 10 de maio de 2025
Intoxicação televisiva
Nestes dias andava eu a brincar com o meu pai e a dizer Pai, vota américo!, já viste, papa aos 51, da minha idade... pai, vota américo!, sabendo eu que o meu pai o acha um radical, um comunista.
E não é que saiu um papa da américa?! Eu, por linhas absurdas, ando perto da verdade eheheh
De registar ainda a anedota da campanha: O perseguidor dizer-se vítima do perseguido. Ou seja, ouvir na tv o Venturra dizer-se perseguido pelos ciganos lol
Valorosos ciganos e ciganas!, nas ruas pareceis ser dos poucos portugueses que ainda se importam em fazer frente ao Venturra e à chaga do Chega. Bem hajam e obrigado.
quarta-feira, 7 de maio de 2025
Fados e solos de guitarras da Estoril Discos
segunda-feira, 5 de maio de 2025
Eu a querer deixar de fumar e vem mais um endrominar.
A campainha funciona mal e foi só quando saí de casa que reparei que um rapaz mais novo que eu, e acompanhado do pai e que moram numa rua aqui perto, estavam à minha porta e pretendiam falar comigo.
Eu conhecia-os de vista, costumava vê-los na rua ao longo dos anos. Parecia-me que o rapaz tinha problemas pois via-o sempre com o pai. Entretanto, eu viajei para fora de Tintus Rius e voltei dez anos depois e quando o vi novamente, o rapaz vinha acompanhado de uma mulher bela. Sorri. Disse para mim: «está no bom caminho!»
A semana passada, tocando-me à porta acompanhado pelo pai, fiquei curioso e ouvi-o:
-- Então, o que pensa que pode ser feito para melhorar o mundo?
-- Ajudarmos o Outro, disse eu.
Ele espicaçado pela minha resposta ambígua porque de senso comum, por ser uma resposta que todos dão mas ninguém faz, sacou da bíblia e leu um versículo. Eu respeitei mas vi logo, tenho de levar com ele. Educadamente, balancei na mão o carrinho das compras e ele compreendeu e deixou-me ir.
Voltou hoje. Eu vinha do super com uma embalagem de café de saco e vi-o a chegar a minha casa. Ele deve ter todo um conjunto de calça, blazer e gravata cinzenta pronto a usar, e vinha com a esposa e o filho`de três ou quatro anos. Ia preparar-se para tocar à campainha, não foi preciso, foi logo ali:
-- Senhor, lembra-se de na semana passada termos falado sobre a confusão que vai no mundo? Pois eu tenho aqui um versículo que queria partilhar consigo, o senhor lê a bíblia?
-- Já li partes, não o novo testamento, pois esse ouvia na missa quando lá ia...
Os olhos deles brilham brilham e se ele fosse caçador e não evangelizador poderia adivinhar-lhe a língua afiando os dentes.
-- Era um mundo maravilhoso, não o de hoje.
-- Naquela altura era só guerra, o antigo testamento é um livro de guerras.
-- Mas era a guerra santa... não era como hoje.
-- Hoje é igual, os israelitas pensa que são santos, os árabes pensam que são santos, o trump pensa que é santo, o putin pensa que é santo... o que há mais é pessoas a agir em nome de deus.
Ao longo desta frase, o meu incómodo e o volume de voz sobe, estou a ser obrigado a falar com um endrominador parcial. Começo a queimar o fusível.
-- Deixe-me ler esta passagem.
É sobre admitirmos a necessidade de deus.
-- O senhor acredita em deus?
-- Não, se deus existe está dentro de mim e de si e da sua mulher e do seu filho, deus não é uno, e não está no meio de nós, é inútil procurá-lo onde ele não está. E isto é uma ideia gnóstica que não é muito católica.
-- Nós não somos católicos.
-- Olhe, eu estou a ouvi-lo porque o conheço e o respeito e também porque estou bem disposto.... porque se estivesse mal disposto ia fazer coisas que não devo que seria insultá-lo! Eu se tenho fé não a proclamo, não a procuro e não quero ser evangelizado.
Ele talvez tenha sentido medo e despediu-se. Eu nesta altura já não os olhava nos olhos e entrei em casa e disse:
Estou nervoso. Eu a querer deixar de fumar e vem mais um endrominar.

