domingo, 25 de maio de 2025

The Skater


 

«The Skater»

óleo sobre papel tamanho A2

2025 ZMB



Enquanto solteira lutou por trabalho e entregou os filhos à mãe enquanto trabalhava longe e mandava dinheiro para casa. Isso não impediu a avó de vender a própria neta quando o dinheiro faltou. O que fez  com que ela tivesse de ir atrás da família que comprou a sua filha. Disse que não tinha assinado nenhum papel a dar a filha e na justiça conseguiu-a de volta.

Depois casou e os seus problemas acabaram. a avó afeiçoou-se ao neto mais novo e a mãe longe vivendo uma vida boa com o novo marido e mandando dinheiro para a mãe cuidar do neto. E o filho passou a gostar mais da avó do que da mãe. Afinal, a avó estava presente quando o neto chorava ou sofria. Era ela que o consolava. E a mãe passou a ser vista como um banco. O menino precisa disto, o menino precisa daquilo, a mãe enviava da conta do marido o dinheiro necessário.

Mas tudo mudou, quando o casamento acabou e a mãe quis voltar para junto da avó e do neto. Sem nunca mais ter trabalhado desde que se casara dez ou quinze anos antes e completamente desajustada das realidades de sobrevivência económica, quando voltou a casa passou a ser vista como um fardo e uma boca que não parava de comer, isto tanto pela mãe velhota como pelo filho que agora já era adulto e empresário.

O dinheiro alivia os problemas mas quando não há amor nem proximidade não vale nada. De tal modo que a mãe expulsou a filha de casa, pedindo dinheiro a juros a uma donabranca lá do sítio para emprestar à filha e ela voltar para onde morara antes. Como que a dizer: a filha primeiro servia porque mandava dinheiro, agora pobretana que vá para lá de onde nunca deveria ter saído!

E assim ela fez, voltou e arranjou um trabalho precário e ligou à mãe dizendo que ia começar a pagar o empréstimo. E assim foi, foi pagando um pouco todos os meses e quando a conta acabou, a mãe arranjou maneira de continuar a pedir dinheiro, fosse para uns novos óculos, fosse para a insulina do padrasto. A filha que ama a mãe e tudo esquece, mãe acima de tudo, continuou a fazer esforços e  a sustentar a mãe que a rejeitou e que parece um abutre.

Até que à mãe se lhe descobre um cancro terminal e lhe dão um mês de vida e a filha vai-se abaixo psicologicamente. Uma vez liga à mãe pelo whatsapp e a mãe diz-lhe: Deixa eu morrer em paz! e desliga. A filha sofre mas manda dinheiro para medicamentos, cuidadora pessoal e depois para o enterro. E o neto onde está? Esse comprou mota, carro, casa, abriu loja e chora a morte da avó como se fosse a morte da mãe e rouba até a própria mãe nas despesas de funeral da avó e a mãe sofre por ter perdido a mãe e não ter filho, que quando ela diz: filho, agora estou a ficar velha, tem de cuidar de mim. O filho diz: volta não! Aqui não há nada para você.

A mãe desta história, a mãe que perdeu a mãe e o filho, está a desistir aos poucos da vida, quer morrer, diz que não está aqui a fazer nada e está a sofrer, diz que não tem ninguém.

Ainda ontem foi insultada por uma vizinha e porquê? Porque é sensitiva e viu ou teve um sonho em que o vizinho idoso ia ter um avc. Então, numa tentativa de salvar um ser humano, bateu à porta da vizinha e disse-lhes para chamar o inem porque o idoso ia ter um avc. Foi insultada de bruxa e puta de merda. Depois, quando o senhor teve o ataque, foram-lhe bater à porta, dizendo-lhe que ela sabia do que falava e a ver se ela ligava para a ambulância e depois para a funerária, diz que até amortalhou o idoso, chamou-lhe o envelope do defunto.. 

Diz-me tudo isto numa longa conversa por videochamada, à noite completamente transtornada, e no dia seguinte nem se lembra de ter falado comigo e de ter passado a roupa a ferro, ontem havia uma cadeira com roupa por passar e hoje acordou com ela passada. Só se lembra que ontem foi insultada e que hoje de manhã a vizinha lhe agradeceu pela ajuda e lhe pediu desculpa pelos insultos. Eu mesmo me pergunto como reagiria eu se um dia a ceifeira vier bater à porta da minha família: também a insultarei ou convidá-la-ei para um café?

A vida tem sido madrasta para ti mas ainda não chegou a tua hora, tens-me a mim, com todos os meus defeitos.

-- Você sempre gostou de mim. Ainda me quer?

-- Sim, eu nunca deixei de te querer. Você não se lembra já, mas tu fugiste de mim duas vezes, primeiro com o Manuel, depois com o Catarino, por culpa minha também, eu não tenho carteira mas o mais importante talvez é que não serei o melhor amante, mas nunca te deixei de querer. A tua hora ainda não chegou e eu estou e estarei por perto tentando ajudar-te. Olha uma coisa que ouvi hoje no talho: uma cliente virou-se para o talhante e disse que eles iam todos para o céu, um deles perguntou porquê, e ela respondeu que seria por aturarem os clientes e a rir disse que os ia deixar entrar no céu, ao que um deles sorriu e disse que não tinha pressa! E é isso, não tenhas pressa de ir, tens de viver e não tens de deixar-te morrer, ainda não chegou a tua hora, ainda não viveste o suficiente. 

-- Voltamos ao tempo da escravadura, compreende?, não é escravatura, é escrava dura. Dura, sem dinheiro, sem tostão. 

-- Sim, querida, mas também escrava dura de roer, escrava que bota fogo naquele infeliz que te faz mal, que te faz sofrer. 

-- Ah meu amigo, quando me fazem bem eu faço o bem, quando me fazem mal viro bicho pior que cobra peçonhenta.





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