Hoje provoquei ciúmes em Vallis.
Expliquei-lhe o sentido do graffiti
disforme a lume de isqueiro
no tecto do anexo
e ela chorou.
Viu que eu tenho história e ela não é a primeira.
Chora por não querer aceitar.
Mas eu também não sou o primeiro na sua vida.
E aceito.
Talvez a tenha perdido.
O seu amor já não será o mesmo.
Que amor era esse? Apaixonara-se pela aparência.
Eu pareci-lhe um jovem rebelde com o riso fácil.
Talvez agora já não confie em mim.
Eu explico o que ela pensa: Sou fácil para todas.
Eu explico que quis mostrar-lhe quem sou e:
Quis também testar o amor dela
se era verdadeiro
e hoje sei que gostava de mim
mas agora chora de desespero,
porque não foi a única ontem,
mas é a única hoje e será amanhã
chora porque não tem mais ninguém
e eu sou como os outros, como ele:
tirou-lhe as filhas e foi viver com a futura mulher
e uma mãe
a quem tiram as filhas
e vê outra mulher fazer de mãe
não pode ser feliz
e agora pensa que
eu a vou trair
como ele fez
e agora
o seu amor por mim terá
um olhar desconfiado.
‘como lhe hei-de provar que’
também eu
gosto dela
e que errei
e que dela preciso?
Mas será que errei?
Mostrei-lhe quem era e mostrei-lhe quem fui
E mostrei-lhe muitas alternativas que ela não conhecia.
Não quis ter segredos
E será que preciso dela?
Quero construir uma comunidade de dois iguais
Dois iguais que se conheceram num hospital.
Há algo de católico aqui: uma família.
Há algo de russo aqui: planear um longo plano
e aguentar o martírio de seguir o plano
O nome do plano: ou Vai ou Racha
Verdade verdadinha:
fazer cedências para expiar
ciúmes, culpas e erros provocados pelo amor
nunca dará bom resultado.
Sucessão de choros e acusações
e de ‘não gostas de mim,
não me deixes ficar’
e de ‘quem manda aqui,
queres mandar em mim’
e também a facilidade com que
conseguiste arranjar dinheiro de um
homem...
escrevo-te um bilhete:
‘Olá, volto amanhã para
entregar as chaves
não me telefones mais
fui-me embora
tive que fazer a trouxa e zarpei como os ciganos
estou mal disposto e não vou
voltar
vai falar com vai falar com
arranjem uma solução
eu não quero ser controlado
em lado nenhum
se não gostas dos meus amigos
ou de eu ir tomar café
sozinho quando me apetecer,
paciência
não gosto que me cortem as asas
eu não sou chulo nem quero ser chulado’
sou Velho!
mas...
o meu amor, o meu desejo, a minha vontade
que cria necessidade e
o seu amor, o seu desejo, a sua vontade
que cria necessidade
reúne-nos outra vez um mês depois
às vezes, nas masmorras do meu anexo
outras vezes, no seu telhado.
E que belo telhado
com terraço e vista sobre a cidade.
Ela sabe como me agarrar.
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