sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Na sopa dos pobres da comporta

Mano número um, após caminhar doze quilómetros, encontra mano número dois por volta das dez e um quarto à entrada da sopa dos pobres da comporta.
Cumprimentam-se.
Mano número dois escolhe a sua cadeira mas mano número um pergunta se ele não quer esta entretanto. Mano número dois pergunta então se o mano número um não quer ele próprio a cadeira que quer oferecer. Mano número um diz que não.
Depois de marcarem o seu próprio lugar, mano número dois diz:
- Para passar o tempo até às onze, queres ir tomar café?
- Não mas acompanho-te. Prefiro que me dês o dinheiro.
- Está bem. Diz mano número dois.
Sentam-se na esplanada.
Mano número um sangra da orelha enquanto mano número dois toma o seu café, enrola dois cigarros e dá um ao mano número um. A seguir, paga o seu café e dá sessenta e cinco cêntimos ao mano número um.
Levantam-se e caminham para a entrada da sopa. Encostam-se à porta a fumar o seu cigarro. Mano número um acaba de fumar, entra e vai-se sentar no seu lugar.
Mano número dois vê aproximar-se mano número três que diz:
- Ora viva! Não tens cinco cêntimos?
- Não mano. Diz mano número dois, acaba de fumar e entra de seguida e senta-se no seu lugar.
São agora onze. Mano número três entra e fica de pé à espera que chegue a sua vez de ir levantar a sopa. Entretanto chega mano número quatro.
- Atão mai frango!
- Hoje é moelas com massa não tens por acaso quinze cêntimos?, pergunta mano número três ao mano número quatro.
- Tenho. Diz este e vai ao bolso e dá uma moeda de vinte a mano número três. Este recebe a moeda e pergunta:
- Queres os cinco cêntimos de volta?
- Quero.
Mano número um pergunta a mano número dois se ele quer trabalho e mano número dois devolve a pergunta e diz:
- Tu tens trabalho?
- Não porque não quero!
- E de que trabalho falas?
- Vender isqueiros.
- Não, arranja tabalho para ti que eu arranjo para mim!, diz mano número dois.
- Queres ir para o parque da igreja arrumar uns carros? Dá uns trocos...

E assim todos os manos comem a sua sopa, ninguém se chateia e todos querem companhia.
Nenhum destes manos brinca aos pobrezinhos nem se chama espírito santo.
Seria uma ironia escrevê-lo.

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