sábado, 31 de outubro de 2015
quarta-feira, 28 de outubro de 2015
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
A língua errante
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Porém, nem mesmo depois de a pintura em pastel, emoldurada a dourado e paga com o salário de um mês, ter chegado ao domicílio do médico, se obteve o cobiçado quarto individual: a paciente e a acompanhante teriam de se contentar com uma só cama, num quarto comum de seis camas. Dormiriam juntas, na mesma cama, duas noites antes e duas noites depois da operação da idosa.
Noites de gemidos e espasmos. Por vezes, ouviam-se longas confissões crispadas, palavras saídas do sono e de parte alguma. Uma espécie de murmuração doente da noite. Não, não era a tranquilidade exigida pela fase preliminar e pela fase de convalescença da delicada intervenção cirúrgica.
A voz da idosa captava as atenções. Uma lamentação codificada, uma língua bizarra, incompreensível. Apenas a nora sabia que se tratava da língua iídiche, embora nem ela entendesse o significado daquelas estranhas palavras.
Durante o dia, a idosa da cama do lado da janela falava romeno, somente romeno. A normalidade do dia não anulava, porém, a estranheza da noite. As camponesas das outro cinco camas perscrutavam-na, desconfiadas, não ousando pedir qualquer explicação à jovem mulher que dormia na mesma cama com a pagã.
Mais uma noite e, mais uma vez, a mesma alienação sonâmbula. Um sussurro, primeiro, breves sinais guturais, seguidos pelo ritmo alerta de uma confissão tormentosa, secreta. Um vocabulário enigmático, queixumes e reprimendas, líricas doses de ternura destinadas aos iniciados. A nora escutava, tensa. Uma espécie de desabafo hipnótico e dolorido, numa língua errante. A voz de um oráculo ancestral exilado, arrancando à eternidade uma mensagem ora mórbida e obstinada, ora branda e indulgente, as singularidades de uma fonética bárbara, sectária, electrizando a escuridão.
O dialecto alemão ou holandês, dir-se-ia, envelhecido e adoçado por um dramático langor, as inflexões eslavas ou espanholas e as sonoridades bíblicas, um lodo linguístico que reuniu e transportou consigo afluentes de toda a espécie. A idosa contava aos antepassados e aos vizinhos e a ninguém os episódios da errância, um monólogo retorcido, por vezes, em queixumes e trepidações que não se sabia se eram brincadeira ou ferida. A odisseia da diáspora, o pânico do amor, a intimação da divindade, os medos do presente? A noite não permitia mais do que instantâneos codificados, confusos espasmos do desconhecido.
De manhã, como se nada tivesse acontecido, a paciente voltava à língua diurna, comum a todos.
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, página 127
"O regresso do hooligan"
Norman Manea
Edição Asa
Porém, nem mesmo depois de a pintura em pastel, emoldurada a dourado e paga com o salário de um mês, ter chegado ao domicílio do médico, se obteve o cobiçado quarto individual: a paciente e a acompanhante teriam de se contentar com uma só cama, num quarto comum de seis camas. Dormiriam juntas, na mesma cama, duas noites antes e duas noites depois da operação da idosa.
Noites de gemidos e espasmos. Por vezes, ouviam-se longas confissões crispadas, palavras saídas do sono e de parte alguma. Uma espécie de murmuração doente da noite. Não, não era a tranquilidade exigida pela fase preliminar e pela fase de convalescença da delicada intervenção cirúrgica.
A voz da idosa captava as atenções. Uma lamentação codificada, uma língua bizarra, incompreensível. Apenas a nora sabia que se tratava da língua iídiche, embora nem ela entendesse o significado daquelas estranhas palavras.
Durante o dia, a idosa da cama do lado da janela falava romeno, somente romeno. A normalidade do dia não anulava, porém, a estranheza da noite. As camponesas das outro cinco camas perscrutavam-na, desconfiadas, não ousando pedir qualquer explicação à jovem mulher que dormia na mesma cama com a pagã.
Mais uma noite e, mais uma vez, a mesma alienação sonâmbula. Um sussurro, primeiro, breves sinais guturais, seguidos pelo ritmo alerta de uma confissão tormentosa, secreta. Um vocabulário enigmático, queixumes e reprimendas, líricas doses de ternura destinadas aos iniciados. A nora escutava, tensa. Uma espécie de desabafo hipnótico e dolorido, numa língua errante. A voz de um oráculo ancestral exilado, arrancando à eternidade uma mensagem ora mórbida e obstinada, ora branda e indulgente, as singularidades de uma fonética bárbara, sectária, electrizando a escuridão.
O dialecto alemão ou holandês, dir-se-ia, envelhecido e adoçado por um dramático langor, as inflexões eslavas ou espanholas e as sonoridades bíblicas, um lodo linguístico que reuniu e transportou consigo afluentes de toda a espécie. A idosa contava aos antepassados e aos vizinhos e a ninguém os episódios da errância, um monólogo retorcido, por vezes, em queixumes e trepidações que não se sabia se eram brincadeira ou ferida. A odisseia da diáspora, o pânico do amor, a intimação da divindade, os medos do presente? A noite não permitia mais do que instantâneos codificados, confusos espasmos do desconhecido.
De manhã, como se nada tivesse acontecido, a paciente voltava à língua diurna, comum a todos.
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, página 127
"O regresso do hooligan"
Norman Manea
Edição Asa
sexta-feira, 23 de outubro de 2015
Epidemia
... digam lá muito alto a ver se dá para acreditar:
«Eu não, nunca me senti um alien. Ora essa!»
(Não sei identificar o autor desta imagem)
Os desenhos do paciente O.T.
Einstürzende Neubauten: Vanadium-I-Ching
from the album "Zeichnungen des Patienten O.T." (1983)
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
Uma pintora dentro de uma moldura
the Painter in the Frame @SÖLWEG 2015
Uma fotografia da pintora e fotógrafa (entre outras artes e modos de viver)
Viktoria B. Daniau -SÖLWEG-
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Todos nós somos o mundo
Em 2013, numa tarde saí de casa com auscultadores nos ouvidos oferecendo-me
Joan La Barbara e a sua 'Shaman Song'.
Acabei por entrar no Parque do Covelo e sentei-me
com uma caneta preta a desenhar o que via.
Esse desenho (http://zmb-mur.blogspot.pt/2015/09/blog-post.html)
foi digitalizado para utlização futura.
Em 2015, pintei a folha original com lápis de cera e também pastel de óleo,
a cor verde garrafa das ervas, (em cima).
E imprimi o desenho digitalizado em papel de aguarela e realizei a aguarela (em baixo)
music by Joan La Barbara
art (in this video) by Kati Astraeir
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Casa da Horta 2014 / 2015
'Casa da Horta 2014'
Lápis de cera sobre traço preto em papel
ZMB
Em 2014, fiz, enquanto tomava café. um desenho a caneta preta
do interior do restaurante vegetariano Casa da Horta, situado na Ribeira, Porto.
O desenho (o traço preto) foi digitalizado e
a folha original posteriormente pintada com lápis de cera.
Em 2015, imprimi a laser em papel de aguarela e realizei a aguarela seguinte:
'Casa da Horta 2015'
Tinta de aguarela sobre impressão de traço preto em papel de aguarela
ZMB
(Esta aguarela está na exposição 'Arte quase bruta'
realizada na Casa da Horta em Dezembro 2015)
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
O mundo migrou: roda «ao contrário»,
há franco-atiradores cortando asas, raízes esquecidas.
A culpa é de todos, minha e tua também.
Eoghan Bridge,
o escultor diz acerca da sua escultura:
«The dance of life ;) (a sculpture in progress)»
Wilhelm Reich,
escreve em "O assassinato de Cristo" [edição brasileira: Martins Fontes, 1982]:
«O verdadeiro problema do homem é a EVASÃO BÁSICA DO ESSENCIAL. Essa evasão e fuga faz parte da estrutura profunda do homem. Fugir à saída da prisão é resultado dessa estrutura do homem. O homem teme e detesta a saída da prisão. Ele se resguarda acirradamente contra qualquer tentativa de encontrar essa saída. Esse é o grande enigma.
Tudo isso certamente parece louco aos seres vivos encerrados na prisão. Um homem que, dentro da prisão junto com eles, falasse dessas coisas loucas estaria destinado à morte; estaria destinado à morte se fosse membro de uma academia de ciências que consagrasse muito tempo e dinheiro ao estudo detalhado dos muros da prisão. Ou se fosse membro de uma dessas congregações religiosas que oram, resignadas ou cheias de esperança, para sair da prisão. Ou se fosse um desses pais de família preocupados em não deixar os seus morrerem de fome na prisão. Ou se fosse empregado de uma dessas indústrias que se esforçam para tornar a vida na prisão o mais confortável possível. De uma forma ou de outra, ele estaria destinado à morte: pelo ostracismo, pelo aprisionamento por ter transgredido alguma lei, ou, em certos casos, pela cadeira elétrica. Um crminoso é um personagem que achou a saída e por ali se precipita, violentando seus companheiros de prisão. Os loucos que apodrecem nos asilos e que se contorcem, como as feiticeiras da Idade Média, sob o efeito do eletrochoque, também são prisioneiros que viram a saída da prisão e não conseguiram superar o pavor de se aproximar dela.
Fora da prisão, muito perto, descortina-se a Vida viva, em tudo o que se alcança com a visão, a audição, o olfacto. Para os prisioneiros é uma agonia eterna, um suplício de Tântalo. Você a vê, sente, toca nela, você a deseja sem cessar, mas sair tornou-se uma impossibilidade. Só é possível consegui-lo em sonhos, em poemas, na música, na pintura, mas já não está em seus movimentos. As chaves para sair da prisão estão cimentadas na armadura do nosso caráter e na rigidez mecânica do corpo e da alma.(...)
Se você viver durante muito tempo no fundo de uma cava escura, você detestará a luz do sol. É mesmo possível que seus olhos acabem por perder a capacidade de tolerar a luz. Eis por que acaba-se por odiar a luz do sol»
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Retratos da África Ocidental
SEYDOU KEIÌTA
(MALIAN, 1921/23 Â 2001)
RECLINING WOMAN, 1950S-1960S
GELATIN SILVER PRINT, 1975 5 X 7 IN (13 X 19 CM)
GIFT OF SUSAN MULLIN VOGEL, 2015 ©KEIÌTA/SKPEAC
sábado, 3 de outubro de 2015
Romani at work
'Romani at work'
óleo sobre tela
60cm por 70cm
2015
ZMB
A guitarra é amplificada e
tem o acompanhamento sonoro, saído de um minidisk, de músicas intemporais
como 'Besame mucho' e 'My way' entre outras em versão orquestra de filme.
Este artista acrescenta-lhe o modo cigano de florear a guitarra.
quinta-feira, 1 de outubro de 2015
O trabalho de Carrie Ann Baade
'Bad government'
2015
Carrie Ann Baade
from wikipedia:
"Baade's paintings are oil works blending dense, imaginative contemporary and classic symbology with luminescent color, often featuring themes of mortality, sexuality, personal transformation, and the darker side of human nature. She has been associated with the contemporary surreal movement, though her work treats this in an academic manner that rewards detailed study."
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