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– Imagina como eu me sinto, ser trocada por um veado, apetece-me matá-lo!
– Ele é mais velho do que tu, vocês estão casados há tantos anos… nunca reparou em nada?
– Pequenas coisas, nunca dei importância…
– Sim compreendo, além de uma ofensa à mulher, é uma ofensa a todas as mulheres… pior do que isso, só tu me desrespeitares e passares a noite, aqui, no quarto ao lado do meu, a beber o vinho que eu não te dou e a dormir cu-com-cu com o meu colega de casa… olha, costumam crescer-me borbulhas na testa, olha esta, é um chifre, o teu traidor tem dois eheheh!
– Não desconverses, eu gosto de ti e você gosta de mim, não precisa de ficar celoso com isso meu amor.
– Cu-com-cu… onde já se viu?! Não deixa de ser um bocado gay, dormir com uma mulher é nariz-com-nariz, aliás!, admito que só o facto de se partilhar a cama com outro homem é um pouco mais de intimidade para o meu gosto… ainda assim, eu próprio no passado cheguei a pensar que não gostava de mulheres…
– Você também?! Estou desgraçada…
– Eu explico gata, eu andava sempre chateado com elas, fazia amor e umas horas depois zangávamo-nos, não as suportava, elas pediam sempre mais do que eu podia dar e elas davam tão pouco… é verdade!, o meio-meio nunca funcionou.
– O que é o meio-meio?
– O meio-meio é a democracia como eu a vejo. Dar e receber, na justa medida, em partes iguais. Chego a pensar que é utopia, ainda assim, o amor é um fim para mim e não um meio, a utopia pode ser uma ficção mas não quero deixar de lutar pelo que acredito.
– Faz um charro querido!
– Porque estás a tremer com a perna?
– É tique, quando eu cruzo a perna balanço-a.
– É nervos. Tem de aprender a relaxar…
– É nada… apetece-me matá-lo!
– Olha, duas coisas que vejo em você que estão mal: os nervos na tua perna e o outro, mais grave, o facto de você querer um homem que te acabe com a vida, que te dê um arraial de porrada que te leve desta para pior… tu procuras um suicídio por intermédio de um homicídio…
– Tens razão, eu sou católica, a igreja condena os que se matam, eu não tenho vontade de viver, apetece-me matá-lo!
– Não! Ele não vale isso, ele não vale nada!
– Eu também não…
– Lembra-te do teu passado, foste violentada em menina, e tiveste a vingança que ninguém te podia tirar, foste condenada por isso, sofreste mas pagaste a tua dívida, tu vales mais do que ele, compreendes? Tens de fazer duas coisas: o tremelicar da tua perna é semelhante ao desejo que tens de morrer, pois eu sugiro, tu gostas de dança, tens de arranjar umas aulas e libertares toda a tua energia corporal, até à exaustão, na dança, quanto melhor te libertares melhor dançarás e mais o público te dará atenção. Quanto a ele, não tens de matá-lo, ele não vale as consequências do teu acto, tu queres uma briga, então o que tens de fazer é vingar-te, mas sem armas, usa as mãos, o corpo, a tua arte marcial, manda-o para o hospital com uma perna partida e a boca arrebentada e mais nada. E, acima de tudo, divorcias-te dele, ganhas a tua confiança na dança e tocas à minha campainha sempre que me queiras ver <3
– Ele não me quer dar o divórcio…
– É natural, sei de quem engenhou um internamento hospitalar para não poder comparecer em tribunal para assinar os papéis e a separação de bens, mas no teu caso o que ele quer é manter a hipocrisia, tanto quanto dizes é que não há bens… o filho já sabe? E a mãe?
– O reino pertence à mãe dele. a mãe pô-lo fora de casa e ligou para falar comigo. Toma…
– Minha amora, é isto que você me deixa, eu pus-me a falar e tu fumaste quase tudo, deixa-me abraçar-te…
– <3
– <3
– 'Tá bom, estou-me a sentir apertada, já chega, volta para o teu canto agora.
– Olha que eu te compreendo, mas quando eu te aperto nos meus braços não é para te fazer mal, é para te proteger, para te dar calor, carinho, compreendes?
– Sim, compreendo mas vamos mudar de assunto, vamos sair, beber uma cerveja?
– Ok, vamos ao paqui, eu aproveito para comer qualquer coisa.
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Claudio Mur
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