domingo, 19 de setembro de 2021

Plant Science

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A casa fica dentro de um condomínio, entramos e seguimos por um corredor estreito até chegar à porta do apartamento. É um edifício semelhante àquele onde morei uns seis, sete meses, até à altura em que incendiei por descuido o apartamento com duas velas vermelhas roubadas ao colega John. Deixei-as acesas no quarto quando, numa noite de Sábado, passava pela sala de estar e reparei que dava na tevê um programa sobre o Sinatra que tinha morrido nessa semana, sentei-me a ver e esqueci-me das velas a queimar: desenhos, fotos, livros da biblioteca, o rádio despertador, o edredão, a mesa, as portas de segurança contra incêndio, vermelhas, fechando automaticamente, celas vermelhas com um número gravado na porta. Bom, eu fiz tudo à minha maneira, com certeza. Fui recambiado para outro apartamento no mesmo edifício porque a minha renda era paga pelo meu empregador, e ainda lá estive mais um mês mas as regras ficaram mais apertadas e eu sob vigilância, repararam que eu lhes sujei o chão com tinta e fizeram-me a folha, e eu saí para outro lado, convicto que ia ter liberdade por fim. O resultado negativo é: passei a pagar alojamento do meu próprio bolso.

Sentamo-nos agora na sala, os rapazes trazem do frigorífico um taparuére de vianeta com cogumelos congelados, uma especialidade, quantos lá dentro?, bastantes. Dizem que não querem, são para mim e para Rob.

Eles fazem um charro, vão falando, ouvimos a Radio Friendly, ouvimos cantos de baleias, maravilhas que aparecem e desaparecem, flashs, espasmos sonoros que assustam e nos fazem manter atentos ao silêncio, diria que, devido à hora em que estamos, a música está em volume baixo mas nítido. Os cogumelos aumentam o volume do silêncio e o espectro sonoro que conseguimos ouvir e, por isso, cada ruído pormenor é som. A origem da música industrial: samplar, cortar amostras da realidade e relocalizá-la cosendo-a na paisagem, às vezes, distópica, tudo depende do que verdadeiramente pretendemos atingir neste corticose mas, às vezes, a mensagem simplesmente não passa, ou é dificiente ou é pela distorção seccionada e tornada prepotente pela autoridade oficial que dela se apropria como propaganda. E uma pessoa desliga, os olhos estão abertos mas é como se não víssemos, como se dormíssemos, os ouvidos distinguem entre os sons e ouvem apenas, prestam atenção apenas aos sons que lhe interessam.

Um dos rapazes vira-se para mim, dizendo-me que, há uma hora, eu vou comendo cogumelos sem parar, pergunta-me, meio curioso meio assustado, quantos já comi.

Não lhe respondo, não me interessa, aceno com os ombros que não sei, rio-me, engulo mais uma mão cheia deles, nesta altura ou mesmo antes, apercebo-me que, de facto, não me interessa saber quantos já comi ou irei comer, não me interessa, é um facto, não quero saber, já não é fome, já não é vontade de conhecer e analisar os efeitos, é apenas vontade de comer, sim, é um facto: como-os às grandes mãos cheias até que eles acabem simplesmente. 

Hoje, aprofundando este facto, a caneta escreve palavras como destruição, suicídio, overdose, esquecimento, mulheres, mas tudo se resume a hedonismo, sei lá porque os como assim!, mas talvez como diz Mong Tse: «Um homem deve destruir-se a si próprio antes de os outros o conseguirem destruir.»

Recosto-me no sofá e ouço a música. 

Rob está em frente a mim e come calmamente, não fala muito. No entanto, dissera-me uma vez com clareza que tudo o que faz é comprar a sua onça, fumá-la and get stoned durante uma semana. Não tem gostos especiais como ir à discoteca, não tem gostos especiais em nada, como não tem muito dinheiro procura emprego em part-time enquanto estuda a sua Plant Science. É apenas uma pessoa simples, sem grandes objectivos ou ambições neste momento, simplesmente vive o dia. Invejo-o. Gostaria de ser como ele — simples. Existem alturas em que detesto o Einstein.

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John Moore

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