quinta-feira, 12 de maio de 2022

Duas notas sobre a preocupação familiar

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1. Ao fim do almoço tomando café:

A minha mãe diz: -- Ru, estás mais magro.

-- Lá estamos nós outra vez, não há outro assunto de conversa?, que importa se peso menos ou mais quinhentas gramas?!, querem fazer disso assunto nacional?, tanta criança a morrer de fome e vocês preocupados comigo, tenho quase cinquenta anos, bolas!, já está a altura de descansares, mãe, não é?

-- Nota-se nas calças...

-- Não estou nada mais magro! Há duas semanas admitiste que estava mais gordo, agora emagreci, não há paciência.

-- As tuas calças estão mais largas, essas por exemplo...

-- Isso é porque passei todo o tempo frio com calças de fato-treino por baixo, isso fazia engordar as pernas. Outra razão para parecer que as calças me caem é este cinto que comprei nos chineses, ele fez os furos mas ficou largo, devia ter feito mais um...

-- Foste ao sapateiro fazer os furos no cinto?

-- Ó mãe, se comprei o cinto nos chineses e ele tem a máquina de fazer furos... porque haveria de ir ao sapateiro, duh...

-- Ah tábem.

-- É, ele é mais um terrorista!, diz o meu pai que até então comia uma fatia de melancia.

-- Eheh... quem?, o chinês da loja?, pergunto eu divertido, já conheço as ideias do meu pai.

-- É um espião, está a mandar dados para os chineses!

-- Para o Xi?, eheh então deveria dizer: «Senhor Xi, veja lá se fabrica melhores cintos porque este é já o quarto cinto que compro em seis meses, depois de os outros se desfazerem nas minhas mãos», eheh...

-- Ó Ru, não desconverses.


2. Às seis da tarde:

Saio do anexo, subo a escadaria e abro a porta e casa, dirijo-me à cozinha. Meu pai está sentado a preparar hortaliça para fazer sopa. Eu começo a desmontar a cafeteira para fazer café de saco, o meu pai diz:

-- Tomas muito café!

-- Não tomo nada, estou a tomar metade dos que tomava.

-- Ainda há pouco tomaste um, diz ele.

-- Ó!, tomei um café-galão de manhã que tu viste antes de me deitar, depois tomei um quando acordei no fim do almoço, foi quando a mãe falou das quinhentas gramas a menos, há bocado tomei um cimbalino no café e agora este... quatro cafés.

-- É muito café, faz-te mal.

--- Antes ia ao café oito vezes e tomava oito cafés, agora tomo metade, eu preciso de estar acordado à noite, não faz nada mal, olha... eu já cometi excessos mas agora não, olha... por exemplo, no tempo da faculdade... ia às três da manhã para o bar da associação com os livros e no meio de toda a gente a beber, dançar e a fumar, eu estudava e bebia café!, quer dizer... também apanhei bebedeiras de cerveja mas sempre fui um gajo de tomar café... por isso... agora, estou quase um santinho!

-- É, vais para o céu!, diz o meu pai.

-- Não!, não quero ir, lá nas almofadas das nuvens só se dorme e os anjos não têm sexo, é o que se diz, não se faz nada no céu!

-- É, queres ir para o inferno ser queimado!

-- Ó, que importa!, pelo menos tem lá belas mulheres.

Quando digo isto, reparo que meu pai está a sorrir, ele por debaixo de toda a sua austeridade ainda se ri. É o que vale.

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Claudio Mur

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