quarta-feira, 29 de junho de 2022

Antropofagia Restaurativa de Base,
As receitas de Bárbara Sete-Fúrias

 Um texto de A.M. pblicado no jornal A Batalha, nº 295 -- Maio - Agosto 2022:

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Cabidela de ditador com caldo de hidra

Nota prévia: Esta receita contém ingredientes de difícil manuseio e deverá ser cozinhada colectivamete, seja por questões de segurança, seja para que toda a gente participe e guarde no adn a memória da luta contra o fascismo.

Nm campo minado de autocratas psicopáticos, caminhe até à zona obscura e pantanosa onde borbulha a nação-império e escolha o ditador fermentado na demência de poder mais apodrecida que encontrar. Pode ser esse. (Se a escolha não for óbvia, consulte o índice de vítimas perseguidas, presas e assassinadas.) Colha o ditador pelos fundos e sacuda num gesto seco para que se liberte da hidra parideira. Âmarre-o rapidamente com uma corda, corte logo às postas e deixe a marinar no seu próprio sangue venenoso. Atente agora na hidra, como emerge debaixo da terra, fétida e irada por lhe terem ceifado o seu viscoso rebento. Frente à sua violência é crucial que todas as pessoas da aldeia, devidmente protegidas com escudos e capacetes, se atirem ao monstro como se não houvesse amanhã, até porque parece que não haverá realmente, não é? e o desfaçam logo ali usando cada uma os meios que entender, da flauta de Hamelin à guilhotina, da flecha no meio da testa ao passe-vite. Quando a hidra moribunda cair para o lado, ponha-a numa panela e pressão e deixe-a cozer no seu próprio bafo tóxico. Por fim, devolva as postas do ditador à hidra que o pariu, polvilhe com um sortido de pequenos invertebrados, contendo gurus, generais, assassinos, bufos e paus mandados de toda a espécie, misture muito bem e está pronto a servir.

Nota final: é indicado APENAS para acólitos deste ou de outros ditadores. Humanos e outros animais podem sofrer grave indigestão.

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sábado, 25 de junho de 2022

És um mistério para mim

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«Penso ter filhos aquela que interrogas como sendo uma negra virgem. Ela tem o cabelo pintado de violeta porque lembro-me de a ver fazendo compras num supermercado ou, se calhar não… Estava, mazé, ao balcão numa pastelaria aberta ainda noite perto da madrugada e eu estava lá, estava lá a ler o jornal desportivo e a comer broa de milho, então, ela pediu para ensacar quatro pães secos… à minha frente tão verídica… parecia uma cigana, o cabelo com uma cor quase natural, quase real… sim, falava natural, quase banalmente, falava de coisas reais e importantes, em contraste eu repetira, minutos antes enquanto caminhava pela rua, as palavras do néon de uma loja de chupetas para bebé… saiu-me desse modo nessa noite, após revisitar os locais descritos no livro, alto discurso que fiz na garganta do inferno, nada mais que o refeitório do Centro de reEducação Alimentar, o CReEA — um local desprezível… mas voltando à história, ela saiu da pastelaria e deixou-me a pensar: era ela não era ela era não era? Era tal e qual este quadro. Foi uma aparição do inconsciente materializado? Foi uma realidade consensual acontecendo por rotina? Foi a electricidade passando por radiotransmissores duplex e portáteis passando a mensagem de que o herói caído em desgraça se passeia pela cidade uma última vez? Quão estranha parece a nossa interpretação acerca dessa plausível rotina, eu preocupo-me com a duração da rotina, se acontece todos os dias, por hábito ou por amor conjugal ou se por acausal acontecimento. Que mulher é esta que tem o cabelo roxo?»

«A imagem do café não está na pintura mas selecciono-a por me parecer a vivência de uma mulher comprando pão para o pequeno-almoço do marido que tem de ir trabalhar, das várias hipóteses nem sequer pestanejo, disseram-me que estava casada e eu acreditei piamente, decidi-me a arranjar trabalho, é tão canónico proceder assim como passar quinze minutos na Lost Underground folheando vinis, registar várias hipóteses e não ficar satisfeito até se olhar em frente para a prateleira dos cedês e tictactic, já está, a imagem seleccionada a adquirir neste fim de Sábado consumista é o CD da Jarboe: Mahakali. Boa compra. Ouvir miss J. cantar e compreender a sua poesia torna-me imune a todas as simones de boavista da metrópole.»

«Tempos atrás, não me preocupava em descrever a realidade com objectividade. Nesse tempo, era livre e vivia. Recortava imagens, guardava-as no arquivo e facilmente as esquecias, não ficavam na memória, esta era eternamente reciclada. Mas isso era quando vivia e vivia bem sim xeñorita. Na altura, não tinha sequer a noção de que a minha memória é volátil e tudo esquece. Na altura, a imaginação era uma arma. Não tinha noção das palavras e suas consequências…»

Mas aqui, a unidade central de processamento recebe um pedido urgente vindo directamente da memória cache, ou seja, um baton rosa escreve-se na parede do quadro, pede para que se escreva a informação crucial e que se deixe de barbear os iaques. 

Eu registo o pedido, ou seja, olho o grafito sendo escrito e aproveito para dar corpo ao texto, mudar de página:

«Hoje, a juventude já lá vai. Além disso, toda a gente está com medo de a água subir três metros (ou mais, não sei bem as perspectivas oficiais anunciadas para o fim do mundo) na costa da cidade vermelha mas ao mesmo tempo… hoje somos todos muito racionais, científicos ou, então, acreditamos na pseudo-ciência dos padrecos e das videntes: vê lá tem cuidado onde cortas o teu cabelo, onde arranjas as unhas… porque se acreditas em tudo isso, amuletos de adn, talismanes de sangue, algo pode mesmo acontecer, vá lá, tem cuidado com o que desejas e, se o desejas, não o passes ao papel pois pode muito bem acontecer, tudo muito benzinho ou tudo muito mauzão com provas e tudo capixe?, ou kaput?, make yr own choice desde que sejas livre. É preciso que te libertes, é preciso que te destruas antes que sejam os outros, os que sempre te enganaram, a fazê-lo, assim manterás uma certa dignidade e verás que poucas vezes estiveste errado («fazes-me rir, pareces o presidente defunto!»), verás que passaste anos perdido e martirizando-te com sentimentos de culpa, canibalizando ao calha, projectando nos outros as neuroses vindas como pulsão um pouco histérica do teu passado socioconjugal, e verás que estás como novo, com metade da idade, a vida poderá ainda sorrir-te desde que nisso acredites. Acredita irmão: reformares-te será o teu melhor projecto de vida, viver com um mínimo e dedicares-te a manusear a cor, uma acção bem diferente da manipulação dos corações. Por isso faz por isso, tu terás um futuro e não precisas de estar morto, olha… para dar o exemplo: hoje fui comprar uma bicicleta usada por vinte euros, tão barata que nem tem ar nos pneus, gastei mais quinze na bomba de encher, custou dar o pilim mas agora dispenso transporte público e vejo cor por todo o lado, acrescento a minha cor, a minha humanidade.»

E de um momento para o outro estou a dialogar com o outro que há na minha mente:

«Devia ser mais humano. Eu que te ouço, meu duplo que surges por entre a névoa púrpura do cigarro enrolado, eu sei… devia viver a realidade, estou farto de processar informação, sabes que é semelhante a psicanalisar? Nascer outra vez era o que eu queria, pouco me lembro da infância, um chinelo, um triciclo, uma caganeira devido a uvas da casta moscatel, comidas quentes, uma fisga e um arco com flecha que o meu avó fez a partir de um ramo de figueira, umas lágrimas de asfixia causadas pela aguardente num copo de vidro colocado na pia, parecia água e eu tinha sede, o fogo do estômago subiu-me ao olhos, eu pouco me lembro da teia de aranha e da lâmpada, vê que não se sabe se é dia ou noite ou se a luz acesa está, não existem sombras, não são, por isso, anjos com sombra, o que significa não ter vendido a alma, são anjos bons numa realidade consensual onde pertenço por afinidade, quando vivo talvez esteja fora quando gravo estou lúcido, eu pouco me lembro, pouco sei, poucos rostos reconheço dos que permanecem ainda à minha volta, eu sei. Ser mais racional seria representar as emoções, existe uma dissociação entre o que penso e as palavras que a minha boca emite. Outros apercebem-se a tempo dos erros de interpretação de linguagem e explicam-no com precisão. Eu, sempre que o meu tom de voz ou as palavras se enganam e transmitem um conteúdo ambíguo, faço como uma avestruz que não sabe onde esconder a cabeça. A minha cabeça é um desastre e as poucas de reacções que surgem já não são de interesse ou curiosidade. É o vazio, as pessoas, as mulheres afastam-se, afastaram-se e, a partir de uma certa altura, a minha rede emocional começou a só apanhar lá de vez em quando uma brubreta marada, na casa dos trinta, ou as vou-ser-estrela-pop, ainda nos vinte e tal anitos, plastik ou canekone, enfim dar no caneco nunca foi projecto de vida, adiante. Se divergimos no conteúdo, no grito, na vontade, na realidade representada, quando dizes less is more eu concordo mas replico que, às vezes, more is good e, se tu consegues contar vinte histórias por quadro, este torna rico aquilo que, anteontem, parecia naif, quando um naif parecia um gajo ingénuo, banal. Agora, a imagem, que pinto, desperta a curiosidade de quem percepciona, quando eu próprio a apresento, quando me transformo em guia. Desperta curiosidade porque é pintura african naif. Aliás: naif bruta fauve selvagem expressão: tudo palavras que me encantam. Prefiro que me chamem africano que branco capitalista.»

Não consigo definir um título. Preocupo-me com um título. Tenho já um título. Registo-o codificado numa imagem anterior e procuro opinião. Pergunto-me também pela audiência enquanto vivo. 

«Se bebermos até ao tutano na solidão… tenho saudades, algumas, poucas. O mundo vai acabar daqui a instantes e, por isso mesmo, pergunto se o bar tem sofás de veludo colorido. Fiz preparativos para sessões de sexo com mui purissíssimas elinhas mas estas raramente apareceram. Enviei cartas, dizendo: apaixonei-me e tive relações; ou então, mais lúcido passei a dizer: ultrapassei-te e estou-te a falar disso porque quero manter uma ligação. Falo também de conhecer o lado negro da realidade — perdi todas estas relações, ligações — chama-lhe o nome que quiseres, tanto as canibalizei que elas agora mantêm uma distância de segurança, como se fossem juízas julgando causa própria — a minha realidade ontológica, como se hoje tivesse nascido passando do inferno para o céu, hoje mais lúcido. Hoje Lúcifer é um anjo caído por adorar o seu orgulho de possuir a luz. Terá ele sombra? »

Ouço falar em aparição. Foi referida uma ou duas vezes no passado. Parece que essa aparição não está de modo algum relacionada com a fogueira ou, pelo menos, não precisa da fogueira para aparecer. Escrevo:

— Sua nabiça! Não passas de ilusão… se não precisasse da fogueira poria lá um pau de incenso! 

Mas ela continua a bater na mesma tecla, atira-me com o caranguejo cheio de água, senta-se na cama e diz. Diz que a aparição é real, que não precisa de adereços:

— Quem é a rapariga que dorme? Não queres dizer. 

Não quero dizer por orgulho, mas olha que ela sabe quem ela é, ela sabe que é ela mesma, a dita e mui ditosíssima ela, mas ela não se reconhece ou pede simplesmente que eu diga por palavras, pede que eu admita que a amo em vez de o provar transformando-a num reles objecto pintado. 

— Que significam as letras escritas a baton? Não queres dizer. 

Não quero dizer mas olha que ela, só ela, a mui dita e ditosissima sabe o que querem dizer as palavras que escreveu, mas ela, sabes?, ela não quer dizer, ela não as quer mais dizer. Eu cá por mim minto e falo para ela como se ela não fosse ela pois ela também não se reconhece na imagem que dela pintei: «Eu também não sei ou não as compreendo ou não as quero compreender ou não compreendi porque foram escritas por ela.» E continuo a mentir talvez talvez porque existe aquilo que, à falta de melhor explicação, se define por intuição, esse monstro. As palavras aconteceram, foram escritas no espelho.» Cabelo escuro. Um metro e sessenta. Com quem, às vezes poucas ou nenhumas vezes agora, faço amor usando a imaginação porque está longe a sua realidade consensual.

— Muito bem, caro amigo, muito bem.

— Obrigadinho hã.

Continuo a escrever:

«A flauta que encanta as serpentes é uma imagem que recordo, é um encantamento partilhado. Sentimos que vivemos encantados. Na imagem, ele adora a coragem de alguém feminino tomando conta de um menino pequenino que inconsciente a amou e por quem ela tem carinho. Ele quer sentir-se protegido. Quem é? É alguém que eu possa conhecer? Ah, arder a realidade em fotografia é sonhar o nosso nascimento. Deve ser por isso que adoro o fogo, hoje olho para esta lareira que não pode ser acesa porque a chaminé está entupida. Olho para a lareira apagada e lembro-me dessa da aldeia. Penso em quando nasci e adoro a imagem. Como se a queimasse.»

Então, observo que ela esconde a cara para não ver ou não ser vista pela minha percepção da sua realidade e a minha tentativa de a representar no momento. Como se o mundo e suas atitudes fossem encenadas e nós, que vemos a representação dessa realidade, fôssemos o público algo embasbacado sem saber se existe um destino ou se, ao inverso, nos agarrámos a uma noção de destino como existência para todo e qualquer acto quasi-contingente como borratar com tinta as calças que ela me comprou com muito amor. O melhor esquece-se. Não se revive. Mas a saudade, às vezes, não lembra só os maus bocados que nos martirizam e chegam mesmo a ser insuportáveis. A saudade também, às vezes, vai lá ao fundo do poço reviver um néctar saboroso do amor quasi-conjugal. Mas a saudade que se lixe, pois o momento que antecede o futuro é sempre a realidade mais consensual, embora essa realidade consensual possa ter muitos talvez talvez acerca de ti ou de mim. E quem somos nós? Às vezes, é como descobrir ouvindo. E para isso precisamos de uma realidade consensual onde possamos estar inseridos, ou seja, precisamos de outros, e, se outros não existem quando precisamos deles, projectamos esses outros em duplos de nós, alguém que nos substitua. «Andy Wharhol fez isso, sabias? Mandou um duplo conferenciar em vez dele e, pelo menos uma vez, não deram por nada.»

«Ah se eu fosse mais humano viveria a realidade. Viveria uma boa realidade, não teria medo de cair numa má realidade, seria humano cair e ter forças para me levantar desse chão húmido, lamacento, materialista em decomposição e quase acreditar que esse medo possa ser criador. Deveria viver a realidade sem ter medo de a viver, ou melhor, sem ter medo de sofrer com a realidade, acto de viver. No inferno é difícil pensar. Fiz a confirmação na catedral sabendo já que não acreditava na virgem maria, essa realidade consensual. Fotografei a cruz celta. Vejo a representação de Hades.» 

A lareira está apagada mas é como se estivesse acesa e olhasse para ela, para o fogo, para as cores sucedendo-se fluidamente, deslocando-se. Não ponho a mão no fogo porque não quero. Quero desenhar a cores no momento em que a realidade for já razoavelmente conhecida, se houver pelo menos um esboço mental. Criar no acto de viver e viver no acto de criar. Tudo, se fosse menos moral e mais humano, se passasse das palavras à acção por palavras mas não verborreiando muito porque senão, claro e lógico é, a dose a injectar para recompensar, depois do delírio da descompensação, pode ser aumentada pela autoridade mental. Ter de começar do zero após um internamento é a pior tortura. Imaginar viver e viver imaginando, descrevendo, analisando por intermédio da vontade quasi-auto-hipnótica, verificar o que a colisão dos hadrões ainda não conseguiu, eles avariaram-se quando tentavam explicar a plausível existência de um deus infinitamente duplicado, com anjos e agentes em cada esquina, a mais verdetosa que se possa encontrar nos arrabaldes e ilhéus na cidade vermelha, um deus em quem se possa acreditar e mais importante do que isso confiar e assim pelo método de dúvida descobrir a verdade que parece não ser possível ser dita, intuir pelo menos a verdade. Pois só posso intuir a tua realidade, embora tu escondas a cara. Viver a realidade e ao mesmo tempo gravá-la na imaginação pela arte da memória: 

Crab, beetle, scorpio, spider. És um mistério para mim.


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Claudio Mur

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Que título?

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Supõe que vais a passear na rua e uma mulher atraente atravessa a rua vindo em tua direcção. Pára e olha para ti a três ou quatro metros de distância.

— Se fores um fotógrafo… sentir-te-ás atraído a tirar uma fotografia. Não verás tu que o acto de encaixar uma realidade dentro de uma imagem é perder tempo e não observar ao vivo essa mesma realidade?

— Se fores um pintor… observarás essa realidade em todos os seus aspectos, as emoções que a sua face revela, o modo como meneia o corpo. Sentir-te-ás atraído a fixar uma dessas sensações em tela mas conseguirás tu realmente pintar essa emoção que tão bem captaste em todos os seus pormenores?

— Se fores um escultor… tentarás fazer um modelo dessa realidade mas conseguirás tu transmitir a cor da pele, o vestido ou o sapato que ela usa?

— Se trabalhares na área dos audiovisuais ou teatro… tentarás talvez representar toda a sequência recorrendo a actores que poderão ser ou não profissionais. Conseguirás tu representar essa sequência na perfeição quando perfeição significa a representação da realidade em todos os seus pormenores como a emoção espontânea que varia de situação em situação e de pessoa para pessoa, de actor para actor?

Não vês que a representação significa uma mentira, a falsa, porque imperfeita, representação da realidade?

Por isso uma das mais importantes ferramentas deve ser a imaginação ou a construção de uma realidade, que não vimos na realidade mas que talvez pre-vimos.

— Se fores um poeta… sentir-te-ás tentado a escrever um poema sobre essa realidade, mas não seria mais interessante e real aproximares-te dessa realidade e dizer-lhes o poema espontâneo que desejaste em vez de o passares ao papel? A isso chamar-se-ia tentar fazer com que acontecesse.


Que título?

Ele vê a imagem.

Ela tem uma almofada por cima da cabeça.

Ela não vê a imagem.

Ele não sabe o que pensar.

Que pensar? O que é isto, isto que parece um paraíso perdendo-se, será um sonho sonhado durante o sono?, será uma paisagem com figuras reais e da qual foi encenada esta imagem e, então, fotografada e filtrada em pós-produção de forma a ser possível dar a ilusão de a beleza se manter ao longo dos tempos, para-sempre?, ou será isto que vejo, apenas, uma aberração cromática numa foto analógica, sem flash, pré-datando, anunciando o caos onde a realidade arderá, velhice entre terra musgo páginas de livros relidos? Eu não sei identificar a imagem, não sei com precisão o que é isto e, por isso, digo:

— Cancer, signo de ar maligno, amigo da hidra de nove cabeças, caranguejo iluminando nove cabeças humanas, uma por cada eu, nove vidas pestilentas, queimadas por fim e nada semelhantes às nove que os falantes nativos do inglês atribuem aos gatos, os gatos estão ausentes da imagem, na imagem está apenas um caranguejo, signo rebelde, está também uma serpente insidiando-se venenosa por entre as almofadas do sonho, ela dorme, a última cabeça, a eterna, arde na lareira, o fumo alumia a aparição, o herói, mordido pelo caranguejo, venera a imagem, o lume fornece-lhe o mito cristão da virgem e do menino, imagina o menino como seu descendente, ele — nascido do cruzamento de um zangão com uma borboleta nascida dentro de um ovo de picapau azul, ovo chocado por um sapo. Tudo isto é sonho, nada disto está na imagem… a imagem cheira a desespero, a megalomania, recorda-me alguém que se dá à curiosidade… há tanto tempo longe da urbe, dizem. Estou eu a desejar ir-me abaixo para sofrer ou sou eu o maior filantropo no planeta?

Mas ela, que não vê a imagem mas conhece em primeira mão as minhas palavras, interrompe a minha cadência mental, levanta-se da cama pintada e parte o vidro da moldura, sai de dentro do quadro, salta para o chão e põe-se a meu lado a olhar e pergunta se essa que pintei de amarelo cadáver ocre — ela mesmo que, agora a meu lado, está a olhar comigo o recorte na superfície do quadro — é alguém sublime, está curiosa, quer saber quem é, o que faz e porque estava aqui com a cabeça debaixo da almofada, é alguma conhecida, amiga ao menos, encontraste alguém para além de mim? Não respondo.

Ela insiste: — É alguém que eu conheça? 

Fujo à questão, pintei de tal forma que ela não se reconhece nos silvos de cor, eu ignoro-a por momentos para ir buscar tabaco ao saco e enrolar um cigarro. Consigo tempo para me perguntar porque se decidiu ela a agora aparecer, a entrar sozinha neste café, a agora ganhar vida e sair do quadro e vir, vir agora fazer perguntas. «Será para fazer de mim, ainda e talvez, um destino?» Mas ela, como se ouvisse o meu pensamento, ela desiste, talvez porque o nosso primeiro olhar cruzado após tanto tempo não lhe foi agradável, eu parei para pensar, e agora ela não espera, não me dá tempo de aceitar, de reconhecer a alucinação. Volta para onde sempre esteve, volta para dentro do quadro, ouço-a cismar baixinho: «eu, esta tua personagem não quer ser reconhecida!»

Agora, estou só. Estou num murmúrio semelhante ao experimentado numa noite, ao fim do jantar, no café, meio-surdo de um ouvido não consegui ouvir o relato de uma vida, hoje confortável e segura. Nessa noite, quando cheguei a casa liguei o rádio, descalcei as botas e deitei-me ao comprido na cama, peguei no livro de cabeceira, abri-o no marcador para continuar a leitura de «Uma conjura de saltibancos» e reparei, mais à frente, nesta frase «— Resk, meu irmão, estou muito contente por te ver! Andas então a passear?». O meu murmúrio teve um arrepio e pensou: «Noutros tempos veria uma sincronicidade na leitura destas, agora que a vi e não a reconheci, olhei e desviei o olhar e depois fiz-me de parolo que talvez arranje quem dispense umas ganzas se o turista aleatório quiser, só para com orgulho lhe dar a entender, lhe reafirmar por acções: este sou eu vinte anos depois... e depois de ti... o abismo... este encontro de irmãos desavindos... agora reconheço a falácia: ah. só um homem de palha poderia associar uma passagem literária com um encontro entre duas pessoas que nunca foram irmãos e apenas tiveram a ambição de o seu amor nisso os transformar, um encontro que só quase aconteceu, a nossa história foi intensa mas curta, nunca fomos família!» 

Agora, nesta noite, rascunho a lápis a passagem para fixar a memória do evento e deixo uma nota na última página em branco do livro do Cossery:

«Naif. A percepção externa. Non plus. Antes era naif. Místico agora? Rai'sme partam as caras de morango, parece uma evolução mas as palavras não são minhas. A eles parece uma evolução, lembro-me de ler a parangona gorda escrita por quem só agora descobriu esta realidade tão alheia, ah! aquela que nem tu ainda sonhaste: lareira, fogo, algo a acontecer e transformando o quarto onde ela dorme num lugar encantado.»

Agora, murmuro dentro da minha cabeça e, enquanto enrolo mais um cigarro, imagino que algum dia terei de responder a perguntas de pessoas, possivelmente, com interesse genuíno em saber quem é esta personagem de salão de dança ritual. Não me faço rogado, esquematizo, intersecciono, dou cor e apresento já o título, escrevo-o por fim. todo ele enigma. Imagino, é óbvio, igualmente algumas das possíveis opiniões e as palavras, que ouço, são:

— Quarto, inverno, passa-se no Inverno?

— Eu próprio também não sei, murmuro. 

Vou aprendendo com o desenrolar da história, eu gosto de contar histórias e aprender, reactualizar uma vivência. Continuo a imaginar palavras: 

— Aquela ali é uma virgem negra?

Dá-se o clique. Começo a debitar informação, surrealismo, associação de palavras, resmas de papel:

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Claudio Mur

domingo, 19 de junho de 2022

Um partido anedota

Li o título da notícia online hoje:
Parece que o Chega plagiou uma proposta do BE e apresentou-a como um projeto de resolução seu, acontece que o plágio deixou vestígios nas palavras que não foram substituídas.
Tudo isto só significa que o Chega não tem programa político nem ideologia, estão lá para ganhar dinheiro e fazê-lo ganhar aos amigos, agora com a imunidade parlamentar até se livraram de ser pronunciados para julgamento, fica tudo em stand by até prescrever, se eu falar disto ao meu pai salta-lhe a tampa, diz que é mentira e uma invenção dos jornalistas, é o que temos, vale-me ter um trabalho que me anestesia da doutrina política familiar, como trabalho sou gente de bem para o meu pai e ele deixa-me em paz, como trabalho e me corre bem o trabalho consigo suportar quase tudo, nunca disse que seria fácil voltar para casa dos pais, pinto menos é certo mas também não tenho espaço para arrumar muitos mais quadros, enfim... a vida é uma construção que se faz dia a dia. O que vale é que estou bem de saúde.
Dizem de qualquer forma que cada pessoa carrega uma cruz ao longo da vida, nesse caso a minha será ter de conviver com pessoas que se não fossem família provavelmente não lhes dirigiria a palavra.

O desmame, futuro óleo em tela

Em progressão

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Pensamento da tarde

O mundo é um compêndio de doenças mentais mas é essencialmente neurótico. Exerce pressão sobre o psicótico, ninguém fala com ele em pé de igualdade. Este, ao revoltar-se, ou faz o que o mundo tem medo que aconteça ou faz o que ninguém espera: desiste da vida em comum com o mundo, faz planos de seguir sozinho e se diluir no mundo deixando a sua pegada, a felicidade será talvez para os que nos sobrevivem, nunca será nossa.

quinta-feira, 16 de junho de 2022

A namorada do agente literário fode-lhe a cabeça

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Os agentes não interferem com o trabalho dos outros agentes, acabam por dizer: cuidado com o corrimão, procurem o lucro rápido porque o tempo vale dinheiro. É quase como dizer: se poderem continuar a mamar, pois então continuem e mamem. A Graça espera que a noite acabe rapidamente, está sentada num banco alto junto à parede de pedra e fuma.

Fuma.

O Jaime joga xadrez.

A amiga da Graça saiu de cena entretanto. 

Claudio já não se recorda da sua face entretanto, a face da amiga da Graça e, portanto, lembra-se dela como sendo a amiga da Graça até ao dia em que a reconheça e lhe tire a fotografia. Mas talvez ela não venha mais.

Dois homens de bigode grisalho passaram acompanhados das suas consortes.

Desapontei-a talvez. A quem? À Graça ou à amiga da Graça?

No lado esquerdo da esplanada alguém lê alto para quem o quiser ouvir, algo muito peculiar em Derza: Os homens bebem vinho porque têm pudor de ver uma mulher a ter o período e porque têm curiosidade ao ver um penso higiénico não descarregado numa retrete pública e não porque Jesus Cristo bebeu vinho na última ceia.

E depois continua ainda para quem o quiser ouvir, algo muito peculiar em Derza: Ele podia ter fumado hashish. Mas é bem capaz de haver outras teorias…

Junto à porta de entrada continua sentada a Graça. Calça sandálias com fivelas de couro claro e as suas pernas sem meias de seda sobem por debaixo dumas calças com ruído em cima das listas horizontais em tons de castanho. Os seios estão escondidos debaixo do casaco de ganza agul, o rosto por debaixo do cabelo comprido.

Debaixo dos três guarda-sóis abertos à noite e da marca Derza Cross está sentado um agente.

Uma senhora de saia de veludo vermelho, camisola preta e cabelo preto é amparada pelo marido de casaco com a cor azul-cobalto, casaco que a desvia do bmcabrio que está a ultrapassar a rua estreitada por causa do olhar das obras que não têm fim.

Mesa da marca Derza Cross a imitar uma pipa de vinho. Dois pequenos pipos e uma pequena banca de madeira escura estão desocupados. A parede do lado direito está cheia de grafitos rabiscados a lápis como se uma casa de banho fosse e dissesse: eu/nós estivemos aqui e marcamos o nome e a data da conquista do território.

O agente que na esplanada lia, continua a ler. Tem na mesa um caderno preto. Pára para fumar um cigarro e vai imaginando o seguinte diálogo anónimo e assexuado em que tenta desviar-se do curso normal de tantos outros discursos que escreveu conscientemente:

— Tens  ido ao curso?

— Fui-me inscrever mas ainda não comecei a ir às aulas.

— Eu vou amanhã a uma entrevista para saber como trabalhar em casa e ganhar muito din­heiro. Deve ter algo a ver com produtos para o lar.

— …

— Mas dizem que tenho um corpo bom. Faço ginástica todos os dias com especial ênfase nos músculos das pernas. Gosto de contrair os músculos.

— Nota-se um corpo bonito em ti.

— Nota-se que impressionas ao falar… Dizes coisas com tino.

— Vamos descer?

O agente entre baforadas de tabaco rubio imagina este discurso pensando em como seria bom que após este momento de escrita, alguma mulher o viesse conquistar e o tirasse da leitura monótona da noite da esplanada de todos os dias, como se por magia as palavras fizessem acontecer.

A casa de banho está aberta, os ladrilhos da porta são de vidro fumado mas a imaginação permite ver para lá do vidro. Há alturas em que tal como a casa-de-banho é indiferenciadamente unissexo, o agente quase que nem se importava de lhe aparecer à frente um ser unissexo, oh miséria!, um ser de quem receber e a quem dar também, quanto mais não fosse, algum carinho, mesmo uma passa nessa grande broca social inacessível aos solitários, quase todos eles prisioneiros da liberdade.

O agente pensa nas mães do mundo, sussurra e a caneta tenta acompanhar: A avó tem cabelo púrpura, uma camisa às riscas; a mãe cabelo preto, camisola de alças pretas; a neta um gancho cinzento que prende o cabelo louro caindo sobre a bombazine coçada do casaco, coçada mas com alto estilo, a beleza castanha intacta ainda. 

O agente diz que essa neta é juvenil, diz que que a avó tira a fotografia à sua descendência sentada nas cadeiras vermelhas com publicidade Super Bock, ou melhor, não consegue tirar essa foto por causa das artroses e, perante a amabilidade e apurado sentido de cumprimento do dever profissional do empregado que se oferece para tirar a foto, a mãe agita-se e sugere lascivamente que talvez o Octávio ou quem sabe o próprio agente, que assim veria o seu desejo acontecer após o desejar, ou mesmo Claudio, possa tirar essa foto para que as três mulheres dessa família imaginária, pois não saiu do papel escrito pelos agentes, possam mais tarde recordar esta pequena saída após o jantar de aniversário da pequena petiz que talvez se pudesse chamar de Graça.

O Jaime aborrece-se e deixa o xadrez para vir à porta fumar um cigarro.

Claudio diz que com o tempo a clarificação chegará mas pergunta qual será o preço que os agentes contribuintes irão pagar por essa clarificação.

O agente João aborrece-se por não lhe terem dado a moeda, mas até este agente é doutorado no kuduro da injecção quinzenal que o posto de saúde lhe aplica e por ser doutorado não risca o carro e diz que melhores dias virão. Acredita no futuro, acredita que lhe pagarão com dentes de ouro se houver clarificação, não se importa com o imposto a pagar pelas gerações futuras que não gerará por ser estéril ou geneticamente, eugenicamente modificado. Mas há vezes em que, quando a sua dor aperta, ameaça fechar com grades o parque de estacionamento.

Claudio olha para as obras que não têm fim. Bem que gostaria de contribuir para a sopa do João mas não tem moedas que cheguem. Está ele a contá-las e a amiga da Graça que voltou dirige-se a Octávio. Claudio levanta o olhar. A amiga pergunta se quer beber alguma coisa. Octávio pede um café com cheirinho. Claudio surpreendido, sopesa as moedas. Deve pensar: é tudo o que tenho. Estou indeciso entre comprar a dose de ganza e ir para casa ou pedir um café e ficar mais um pouco aqui, se ao menos a gaja se dirigisse a mim e não a este estafermo bonito aqui ao lado…

João pede a moeda para a sopa.

Jaime volta ao xadrez e prepara-se para a grande jogada.

O agente literário que lê e descreve escrevendo imagina o moderno hashishin: Veste sapatilhas baratas, provavelmente as primeiras que lhe chamaram a atenção na feira, veste calças de ganga, T-Shirt contrafeita em três cores, tem um relógio com pulseira normalíssima de cabedal a pedir substituição, usa uma barba de cinco dias, cabelo de seis meses e dentes cariados devido a tabaco e chocolates, gosta das chalaças do Herman só para enganar e, às vezes, regista que o Tó Shiba é primo do Zé Cabra, não serve ninguém a não ser ele próprio mas é só para enganar pois está preso a um local pela autoridade mental que diz que o THC é agora na percentagem dos trinta porcento e isso conduz à esquizofrenia e vai daí como confessou, ou veio a lume, que fumava hashish, pensa que é por isso que leva a respectiva injecção quinzenal, uma espécie de apresentação periódica. Ás vezes também ele gosta de mamar o subsídio justamente atribuído mas a namorada fode-lhe a cabeça ao que ele responde que nem todos podem ser funcionários públicos e quem se lixa é o mexilhão que trabalha no privado  porque tem menos direitos e é sempre precário, e apesar de o Estado ser muitas vezes mau pagador ou pagar mal. Ponto final pára agráfo.

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Claudio Mur

Tomando o pequeno almoço

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Estórias da carochinha e do joão ratão

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«Amo-te Susa, continuo a amar-te», diz o homem, subitamente entristecido pela longínqua lembrança. Di-lo aos retratos de jornal que cola minuciosamente em madeira contraplacada, arranjada pelo fornecedor oficial de mobiliário da prisão que também arranja cigarros de contrabando. 

Na prisão tudo é possível arranjar, o colarinho branco está ao corrente das movimentações subterrâneas mas distingue-se por ignorar, ser permissivo, diz que não quer saber. O homem faz estas colagens tanto de estrelas vip como porno, adiciona-lhe pedaços de frases recortadas e agora recompostas com novos significados, aqui ao longo dos dias ele vê no futuro a tinta, o sangue, o fluido sexual, o cheiro que o liga ao passado, a cada estrela de cujo rosto já não se lembra. 

Este homem que agora se lembra do nome oculto dela, vive? À flor da pele o suor invade as faces coradas de álcool de um não-humano, a barba rude respira amor?, o álcool gratifica-o, degenera-o com a ilusão de amor e saúde eterna, não-humano sem fim, vivo para sempre, depois da morte recordando tudo, faz hoje anos que… mas falo de qual mulher? Ora, de todas e de nenhuma, de todas que comigo nos sangrámos. As mulheres que vivem na musa que me inspira os dias no catre.

O que mais ofende o homem é não ter conseguido explicar-se, ninguém o quis ouvir ou perderam o interesse quando o homem sentiu, quando chamado à pedra, um aperto na garganta e da sua voz nem um pio, nem um grunhido, nada, som nenhum, bloqueio total, a frustração recalcada. O homem quer ainda hoje mas não consegue, já é tarde. As palavras amontoam-se mas a boca permanece fechada. De tanto pensar, o homem esquece-se de tentar falar, seria tão bom poder falar silenciosamente e as pessoas ouvirem bem, por telepatia, mesmo as inflexões de timbre, o desespero de ela se ter ido embora e ele ter na altura achado muito adulta a maneira como lidou com a situação, afinal ainda não lhe haviam dito: manda o trabalho para o caralho porque estás a ficar parecido com um grunho doente. 

Depois uma luz surgiu e ele saltou para o escuro, saltou, desejou morrer mas não morreu, sorte ou azar, isso depende da perspectiva. 

O dia chegou em que lhe disseram os erros que cometera, ele sabia-os mas não lhes entendia o significado, e de tanto bater com a cabeça na parede arrependeu-se: afinal... devia ter dito, devia ter feito qualquer coisa para ela ficar, ela esperou uns minutos mas as palavras não vieram, não surgiu a acção, apenas o silêncio nos lábios tremendo, «tão infantil sou, porque desisti? porque me faltou a voz, porque não gostava dela de verdade?, porque a transformei num meme?, agora envelheci.» 

Ela foi-se porque perdeu nele as esperanças, ele nunca cresceria saudavelmente, «este homem não é normal!» parecia ela dizer « não quer uma mulher, uma família, uma casa, um trabalho, férias e viagens pagas... só quer tinta, telas e ganza...», ele seria para sempre uma criança velha, tinha disso a consciência, o único fruto visível, além dos bonecos e das palavras que nunca iam ao fundo do poema, era a impotência galopando dentro dele porque a verdade era dura: ele não tinha ser, não era real, tinha-se escrito dentro de uma disquete e a loucura agora dentro dele julgando o fantasma, dizendo que o que mal escreveu foi a peça de teatro que viveu, asneira atrás de asneira, a frieza como resultado, a vontade inexistente, a culpa atirada ao espelho para que pudesse ver a vergonha com os próprios olhos, a cabeça a rodopiar, tonturas voando, uma buzina soa e ele escreve as últimas palavras: 

«Decidi que estou numa guerra não-declarada com o mundo, atingi o ponto de fuga após o anel púrpura do colapso, aquí o caminho bifurca-se: sair, evitar este mundo e procurar um melhor; ou tentar integrar-me e reconstruir ligações, permitir que as mazelas antigas se curem, criar novos entendimentos. Aqui neste ponto do caminho existe um símbolo pintado por mim numa tabuleta e que diz o texto, o destino há muito escrito nas estrelas de lama: fui saneado, ajudei eu próprio com a autocrítca, não é agora mais possível, o mundo é um absoluto vazio, o mundo é uma máscara, eu sou um reflexo desse mundo, sou um perdido, nunca morrerei, andarei por aqui em espírito pairando como um abutre, admirando a sombra das minhas asas em cima dos telhados e pagando este orgulho, este pau de bandeira, obras de caridade e estórias da carochinha e do joão ratão em que me repito mas de vez em quando acrescento um pormenor.» 

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Claudio Mur

segunda-feira, 6 de junho de 2022

Amor Felino

 


«Amor Felino»
óleo sobre madeira
100cm por 32cm
2022
ZMB

Talvez um dos poucos amores que são correspondidos


sábado, 4 de junho de 2022

Bruno Brum: Medida

Medida

Vivo o que se pode chamar de uma vida média.
Na escola, sempre me esforcei para alcançar a média.
No trabalho, sempre fui um funcionário médio.
Meu desempenho nos esportes nunca excedeu a média.
Fui um marido médio, um amante médio, um filho médio.
Sou um sujeito de mentalidade média.
Com alguma sorte, me mantive na média.
Tenho um fôlego de alcance médio.
Fico constrangido com a possibilidade de ultrapassar a.média.
Nunca esperei das pessoas nada além da média.
Penso o que pensa o brasileiro médio.
Antipatizo com aqueles que pairam acima da média.
Meus medos e receios sempre estiveram dentro da média.
Meus sonhos de consumo nunca fugiram à média.
Meus desejos e fantasias estão todos na média.
Os meus ossos, se bem organizados, caberiam numa caixa de tamanho médio.


Edição Contracapa em 
"Um Brasil ainda em chamas'

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Pensamento da tarde

Oi gata 😍
Me liga, vai?
Para a gente falA dA morte dos canguru lá bem longe na Austrália,
sempre que você provoca um tremor-de- terra
quando balança nervosa a perna
depois de fazermos poimpoim e fumar um charro...
Tá lembrada?

quinta-feira, 2 de junho de 2022

A Feira da Saudade não tem idade


«A Feira da Saudade não tem idade»

desenho a grafite sobre papel satinado de 300grms

50cm por 70cm

2022

ZMB

 

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Carlos Casas Patagonian Field Recordings


Carlos Casas vai estar 6f dia 03 de Junho
 no palco Understage do Rivoli (22h30m), 
se puderem não percam!

Transcrevo do face da loja de discos Materia Prima em Cedofeita, Porto​:

"É com grande honra e orgulho que a Matéria Prima se junta ao Rivoli para mais um concerto. Desta vez, um que já esperávamos ver acontecer no Porto há muito tempo; Carlos Casas (1974, Barcelona) é um artista multidisciplinar com trabalho desenvolvido nas áreas da música, cinema e artes visuais. Apresentou obras na Tate Modern, Fondation Cartier, Palais de Tokyo, Centre Pompidou, Hangar Bicocca, CCCB, GAM, Bozar, entre outros. A sua criação musical é profundamente natural, primitiva no sentido mais digno da palavra, resultado do reconhecimento do homem enquanto parte igual a todas as outras numa natureza brutal e pura. Decorre de exercícios de “corta e cose” onde sons, música e vozes recolhidas nas suas extensas viagens se misturam para criar paisagens sonoras inauditas e submersivas e onde as barreiras entre trevas e luz se diluem ao ponto de encontrarmos o sublime no terror. Com Nico Vascellari, criou a editora VON que desde 2008 se dedica a explorar relações entre as artes sonoras e visuais. Edita regularmente, na Matière Mémoire, Discrepant e Second Sleep, obras que abrangem os universos da música concreta, eletrónica, eletroacústica e ambiente. Os seus filmes foram premiados e exibidos em alguns dos mais distintos festivais (Venice Film Festival, Rotterdam International Film Festival, Buenos Aires International Film Festival, Mexico International Film Festival, FID Marseille). Estreia-se no Understage do Teatro Rivoli para uma apresentação audiovisual composta por excertos dos seus trabalhos mais recentes: de Kamana (2021), inspirado na cultura e as tradições dos Aeta, um grupo indígena da região de Zambales, nas Filipinas a Cemetery (2019), que teve o som captado por Chris Watson (Cabaret Voltaire, The Hafler Trio) e foi premiado no IndieLisboa, CPH:DOX, Milan Film Festival e Montreal International Documentary Festival.
🗓 03 Junho 
🕦 22:30
📍 Understage - @teatromunicipaldoporto
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