No meu ensino secundário foi um aluno da área B, ou seja, de ciências e no 12º ano nem Português tive, apenas Matemática, Física e Geometria Descritiva. Os meus pais não liam muito mas encomendavam livros a partir das Selecções e do Círculo de Leitores. Foi assim que não sei como caíram lá em casa obras como A Laranja Mecânica, A Servidão Humana do Maugham que jurei nunca ler por causa do título, com dezassete anos não queria ler coisas tristes. Queria e li livros como O Corpo em que contava a história de uma arqueóloga judia numa descoberta de umas ruínas ou do sudário de cristo, já não me lembro, mas lembro-me de me ter provocado excitação sexual, esse e o Konsalik eram obras que tinham sexo e amor. Livros talvez fúteis para um adulto de quase cinquenta anos mas muito importantes na definição e acção emocional e sexual de um adolescente.
Eram os poucos livros que me interessavam na biblioteca dos meus pais, havia outros que já surripiei mais tarde, mas eu lia pouco. Esse foi o ano da PGA, em que os estudantes tiveram de fazer uma prova de Português para entrar em qualquer universidade, uma prova que tinha um peso enorme na classificação final do acesso ao ensino superior.
Os meus pais e eu ficámos preocupados, eu lia pouco, até tinha sido aluno médio a Português no 11º ano mas lia pouco, começámos a comprar o Expresso ao Sábado por causa da revista que tinha artigos contemporâneos. No fundo, para me dar cultura geral e conhecer o ensaio, o poema, a crónica, as variadas formas e também poder formar opiniões e escrevê-las correctamente. Tive também umas aulas num centro de estudos privado onde se praticava aquilo que se chamava as composições, (SPOILER ALERT: é para rir aqui :) lembro-me de ter escrito uma composição bucólica sobre o prazer no campo e o professor dizer «oxalá consiga».
Não sei já que nota tirei mas consegui entrar no curso que escolhi na cidade que quis.
Foi nestas leituras de revista que ouvi falar de Saramago, na altura falava-se que O memorial do convento ia ser traduzido para inglês, até me recordo do título da tradução que lhe davam Baltazar e Blimunda. Foi um livro que comprei mais tarde numa daquelas edições de trezentos escudos e capa dura, mas nunca li.
A minha atitude e de quem me rodeava era como o Kill Yr. Idols dos Sonic Youth, não queríamos saber dos grandes, não queríamos saber se o Saramago e o Eugénio de Andrade vinham conferenciar no auditório da universidade, a gente ignorava: eu nunca sequer tinha lido Saramago, outros talvez por razões ideológicas, não queríamos saber a polémica das cartas de amor do Manuel Alegre: eu queria lá saber dos amores de um político, alguns colegas diziam «não! estás errado, é históricamente importante», a gente sabia quem o público considerava grande mas nós não queríamos saber deles, nem sequer ídolos, eram apenas estátuas e já não pessoas, nem sequer se punha a hipótese de pensarmos se gostaríamos de com eles trocar palavras, isso não era connosco, muito menos comigo. Houve uma vez que o Michael Gira veio dar uma sessão de prosa ao Carlos Alberto, eu fui ver, gostei, havia uma banca com livros e cds dele, e eu comprei um livro de prosa dele, disseram-me que se quisesse esperar pelo autógrafo ele estava quase a chegar. Mas eu não esperei eu quase fugi, não quis saber.
Esta era a minha atitude. O Saramago não me interessava, até que um dia li O Homem Duplicado e As intermitências da morte. E fiquei pasmado, surpreso, como foi possível eu ter ignorado o Saramago?!
(Já o poeta Giuliani diz «ai o que ele diz de jesus no evangelho, não se faz...»
Quanto ao meu primo Ximenes, ele discorda do Giu e a sós diz-me que é um grande livro, ainda não li.)
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