O protocolo do rubor
Logo haverá tempo para a farsa
do «estudas ou trabalhas, costumas
vir aqui, como vai o teu irmão,
e o teu pai, e o teu cão, onde é que vives,
do que é que gostas, viste este filme
- olha, surpreendeu-me -», se preferes
comida chinesa ou italiana,
o whisky em copo raso, se és abstémia,
praticas ginástica rítmica, sessões espíritas,
se já estiveste em Londres ou em Paris.
Logo haverá tempo para o «meu amor, minha querida»,
tempo para o calor e para a ternura,
o doce recolhimento pós-coital,
o cigarro da tua marca favorita,
um copo de vinho ou café
com leite, confidências
sussurradas ao ouvido
na penumbra do quarto.
Logo haverá tempo para a indiferença,
a incúria, os gritos, as palavras
feias, a louça partida,
e para as lágrimas e consolos, encontros
e desencontros, mensagens de ódio
ou de rancor, se for isso o que a vida
nos exige e isto não se limitar
às cinza de uma noite que se esgota
aqui e agora, entre os fogos
fátuos de uma estúpida comédia programada
por ditame de um deus desmiolado.
Porque tu sabes e eu sei que nunca
há tempo. Por isso cala-te. E olha para mim.
E ergue entre sorrisos esse copo, e diz-me:
«Cala-te e fode-me».
Roger Wolfe
página 74 - 75
em ''Fazer o trabalho sujo''
tradução de Luís Pedroso
edição Língua Morta
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