domingo, 18 de fevereiro de 2024

E ergue entre sorrisos esse copo, e diz-me:

 O protocolo do rubor


Logo haverá tempo para a farsa

do «estudas ou trabalhas, costumas

vir aqui, como vai o teu irmão,

e o teu pai, e o teu cão, onde é que vives,

do que é que gostas, viste este filme

- olha, surpreendeu-me -», se preferes

comida chinesa ou italiana,

o whisky em copo raso, se és abstémia,

praticas ginástica rítmica, sessões espíritas,

se já estiveste em Londres ou em Paris.


Logo haverá tempo para o «meu amor, minha querida»,

tempo para o calor e para a ternura,

o doce recolhimento pós-coital,

o cigarro da tua marca favorita,

um copo de vinho ou café

com leite, confidências

sussurradas ao ouvido

na penumbra do quarto.


Logo haverá tempo para a indiferença,

a incúria, os gritos, as palavras

feias, a louça partida,

e para as lágrimas e consolos, encontros

e desencontros, mensagens de ódio

ou de rancor, se for isso o que a vida

nos exige e isto não se limitar

às cinza de uma noite que se esgota

aqui e agora, entre os fogos

fátuos de uma estúpida comédia programada

por ditame de um deus desmiolado.


Porque tu sabes e eu sei que nunca

há tempo. Por isso cala-te. E olha para mim.

E ergue entre sorrisos esse copo, e diz-me:

«Cala-te e fode-me».



Roger Wolfe

página 74 - 75

em ''Fazer o trabalho sujo''

tradução de Luís Pedroso

edição Língua Morta


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