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Soube que era um génio quando comecei a encontrar o romance nas livrarias; quando o retrato principiou a aparecer nos jornais: quando dei a primeira entrevista à televisão. Consciente da minha celebridade e do meu talento, pareceu-me injusto não sair para a rua de pé, em carro descoberto, cercado por guarda-costas de óculos ray-ban, a mostrar-me e a abençoar.
Decerto que ao passar, num cortejo lento com motociclistas à cabeça, os homens tirariam o chapéu a persignarem-se, vergados de respeito, decerto que algumas velhotas ajoelhariam a rezar. Convicto da minha fama e da admiração dos contemporâneos, resolvi, como era Agosto, oferecer à Praia das Maçãs a dávida da minha presença, seguro de aplausos, autógrafos, interjeições entusiasmadas e gritos de fãs à beira do desmaio.
Cheguei por alturas do almoço após horas e horas numa bicha de automóveis domingueiros obviamente repletos de leitores entusiastas, e parei no restaurante do Augusto onde uma multidão de súbditos se debruçava para o cherne pronta a aclamar-me no fervor das paixões ilimitadas. Ninguém pareceu dar pela minha entrada: nem um maxilar deixou de mastigar o bitoque, nem um nariz emergiu do galheteiro para me observar com pasmo, e quando eu, agastado com a incompreensível distracção das pessoas, tossi a chamá-las, a voz do Augusto veio lá do fundo do balcão, a apontar-me num brado que fez tilintar de susto os copos de Colares e sobressaltou a hibernação das lagostas mancando nos calhaus do aquário:
-- Olha o Antoninho! Dei tanto pontapé no cu daquele gajo!
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página 11
António Lobo Antunes em «Crónicas»
edição Publicações Dom Quixote
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