terça-feira, 19 de maio de 2015

Tantos ossos há




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Tantos ossos há: desde o mineiro que, pedindo trocos, telefona para casa e nós ouvimos pelo seu desespero verbal as respostas negativas que recebe; desde o grande cesariny senhor danz que um dia assina o termo e volta no dia seguinte na hora de pequeno almoço quase de livre vontade apenas por não aturar a irmã; desde aquele mano de casaco de cabedal com pins que empresta o walkman com cassetes de metal construtivo, diz ele eu digo iiiieeeé; desde a vera malandreca que não me dá o número de telefone porque o marido não deixa e que está aqui devido aos berilaites; desde a rosa que anda sempre a pensar em comprar uma pistola e me diz para pôr o senhor ventura de lado e vir jogar umas copas; desde o bigode do antónio de quem dizem que pegou fogo à casa e que, um lustro mais tarde a minha falta de memória nas faces que passaram um dia pela minha vida, tenho a ilusão de imaginar vir a ser o meu mestre encadernador. Fizeram a folha ao bruno, pareceu-me vê-lo hoje na hora do almoço, perguntou-me se percebia de internet no telefone. Respondi com uma qualquer banalidade e ele concordou, só o reconheci debaixo do boné quando cheguei a casa e pesquisei …the feeling of being dead… devolveram-me cotard, a prosopagnosia, e em inglês …when you will have made him a body without organs… não consta que os caranguejos tenham amígdalas ou sentimentos.
Tantos tantos tantos cantar-vos a todos, justificar-vos, devolver-vos a g lória e no final…
Tantos tanto tantos e no final… há vários finais de admissão e eu, talvez apenas, precise de experimentar a matéria para melhor me escrever, há quem diga que chego algumas vezes ao pódio, vinte porcento do público dar-me-á [tantos?, talvez, ah! gloria] uma menção honrosa, o resultado: a sala iq do wc dos condes e voltar seis semanas depois à gravidez, err… quero dizer, à gravidade do ponto de partida, mais uma volta ao estádio, eu zmb sempre a renascer, eis o eterno retorno do erro. Apetece até citar cioran e o nosso inconveniente sempre que caio ao poço como o lobo enganado pela raposa, usando a lua como artifício, pensando que o seu brilho é um queijo lá bem no fundo para onde, agora e sempre, olho verde: a realidade da hiper ilusão e eu sou igualmente a raposa. Eu uma vez disse ao telefone para espantar alguém: eu sou todas as personagens.
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,página 108
"Contos de fadas de Manuelle Biezon"
Claudio Mur

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