terça-feira, 13 de agosto de 2019

Ficarão as obras, a vida absurda será esquecida

Tirando o bom-dia ao sr. da mercearia, que fumava à porta do seu estabelecimento. quando por ele passei a caminho do meu pequeno-almoço, tirando o bom-dia à dona Ana e o pedido habitual da nata e do café, poucas palavras tenho trocado com o mundo. Dou-me até ao luxo de não estar presente na galeria na tarde de abertura da exposição colectiva onde participo. As últimas palavras que escrevo são por mensagem desculpando-me dizendo que me sinto doente e sem vontade de aparecer em público sorridente, pergunto como correu a abertura. O galerista saúda-me e diz que se vendeu um quadro meu para um casal de Paris. Fico um pouco melhor. Respondo um dia depois dizendo que o novo quadro já está pronto e pergunto quando posso ir lá levá-lo. O galerista diz que assim que o seu carro sair da oficina mo vem buscar a casa, diz-me para eu me pôr bom e pergunta-me o que tenho afinal.
Eu respondo:
«
miséria existencial

falta de pessoas com quem seja agradavel estar, solidão enfim

mas lá vou pintando um pouco

já muito fiz eu e com 4 internamentos no cv ando a superar-me há muito e com esforço, quase que pareço um rico que nunca sofreu um desgosto, um normal que nunca sentiu falta de nada, e no entanto nem agrado ao rico nem agrado ao pobre. mas o homem some-se e a obra fica, eu serei sempre o mau, talvez as obras façam alegria a quem as compra
»

tudo isto para dizer que a minha amiga especial desapareceu na sua nova vida, da qual eu desisti de fazer parte
tudo isto para dizer que me chateei de vez com o poeta Giuliani e o meu primo Ximenes e com a Comunidade do Além, a partir de agora só tenho estes mesmos vizinhos dos quais desisti. E não vou mais ficcionar as suas histórias quando estas interagem comigo, eu só falo dos outros quando algo de positivo posso deles tirar, não vou relatar as suas vidas tristes. 
Mas só para terminar de vez, escrevo:
Cansei-me das suas queixinhas eternamente repetidas e saltou-me a tampa, mandei-os para o caralho, eles têm inveja do que eu tenho, continuam a chamar-me de rico quando eu, se não tiver um mês excepcional com a venda de um quadro, tenho o mesmo dinheiro que eles. E se vivo em alojamento minimamente digno, pago esta renda com o subsídio da minha mãe. Eles não pagam renda, vivem em alojamento miserável, mas não tenho culpa que não saibam gerir a sua reforma, não tenho culpa que vivam do fiado e que, ao dia 8 do mês quando cai a prestação no banco, fiquem logo depenados. 
Não tenho de levar com indirectas por viver minimamente bem, tentando partilhar com eles o que tenho, quando eles não o têm porque não se preocupam em fazer por isso, andam sempre «ao tio ao tio», para mim deixou de haver Giuliani poeta para haver apenas Júlio pedinte, só não o mando ir trabalhar porque, se o faço, ele desfaz-se como um menino de seis anos a chorar. Para o aturar, é preciso ser hipócrita insensível católico protestante testemunha de jeová, que se foda a carcaça do antigo regime que quer que o rei regresse e pede a deus que lhe traga o nobel! 
O que me fode é ver as pessoas iludidas mas acompanhadas, eu que aprendi a me desiludir não tenho um único par com quem falar, uma companhia com quem me sinta bem. estou só e por isso sinto-me doente, à espera que a morte chegue um dia mas sem fazer o mínimo esforço para que ela chegue.
Ficarão as obras, a vida absurda será esquecida.

10 comentários:

  1. Vejo as coisas assim: as tuas circunstâncias, em parte decorrentes de opções tuas, são as tuas, e as deles, igualmente condicionadas por escolhas, são as deles. E pronto. Se por comparação com eles te acham "rico", em que é que isso interfere na vossa amizade?! Deixa lá que se queixem, se é na carteira onde mais lhes dói.

    "Para o aturar, é preciso ser hipócrita insensível católico protestante testemunha de jeová, que se foda a carcaça do antigo regime que quer que o rei regresse e pede a deus que lhe traga o nobel!" - desculpa mas tive que me rir com isto,

    e imagino que não seja fácil aturar o poeta, mas vá, tu consegues ;)

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    1. Interfere, a amizade deles é muitas vezes interesseira. Vou-te dar um último exemplo deles e não voltarei a queixar-me deles, não quero fazer como eles: a primeira vez que falei com eles no corredor da ilha, fizeram-se muito infelizes com lágrimas nos olhos e pediram para eu lhes deixar tomar banho no meu polivan. eu disse que ia ligar o cilindro. tomaram banho, agradeceram. o problema é que no dia seguinte viram-me na rua, olharam para mim e não foram capazes de me dizer bom dia.
      Isto são as pessoas.

      Quanto ao poeta, eu aturaria tudo se ele me surprendesse e as suas palavras me causassem admiração por ele, mas o que vejo é que ele andou a enganar-se a vida toda e a pensar que é bom, quando foi recusado pela editoras resolveu escrever um texto contra elas como já terá escrito nos últimos dias contra mim.

      Quem está de fora ri-se porque é tudo obviamente absurdo, eu é que não sou um Becket para o poder escrever. mas para viver com este absurdo todos os dias é preciso muita compaixão, piedade, é preciso baixar o nível sem deixar de ser são.
      não sei se consigo.

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    2. "o que vejo é que ele andou a enganar-se a vida toda e a pensar que é bom, quando foi recusado pela editoras resolveu escrever um texto contra elas como já terá escrito nos últimos dias contra mim." -

      "Isto são as pessoas" ...

      depois falas em "nível" e eu estaco. tenho muitas reservas. outro dia falaste em pessoas mais elevadas culturalmente. percebo, mas estaco. tenho muitas reservas. por que motivo alguém com talento nos mereceria maior compaixão do que o boçal? o esclarecido maior respeito do que o ignorante (quando, aliás tantas vezes, o educado se comporta como besta?), se o Saramago fosse uma pessoa interesseira, ou precisasse de o ser, tolerá-lo-ias mais do que ao "Júlio pedinte"? ... não estou a apresentar teorias ou marcar posiçºoes, são só dúvidas, e admito que lidar com estes "absurdos", sem escapes, diariamente, possa não dar vontade de rir...
      e às tantas estarias tu a chamar-me "rica" (num certo sentido, acho que entendes).

      ...


      mas eu acho que tu gostas dos teus amigos. (?)

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    3. É estranho: eu tolero as ideias das pessoas que me estão longe e pouco de pessoal me dizem, mas não consigo ser indiferente (ou amo ou odeio) as ideias dos que me estão pessoalmente perto. se amo as suas ideias quero fazer-lhes bem, se as odeio quero ignorá-las e rir-me mas não consigo.
      Há aqui várias questões: há o que a pessoa é e o que a pessoa faz.
      Eu partilhei casas com dois poetas: um tinha talento e era má pessoa, o giuliani não é um poeta, pelo pouco que li embora ele tenha mais de 50 inéditos, com talento mas é uma pessoa, vá lá, de mediano carácter e, tirando as circunstâncias, até admito que melhor que o meu, ele tem mais amigos que eu.
      sim eu gosto dos meus amigos, ele é o poeta que eu queria ajudar, queria continuar a ler os seus textos e não desistir dele.
      A sua ilusão de ser bom poeta é algo com a qual eu sinto afinidade, a sua luta estes anos todos, inglória porque ele não soube corrigir, refinar os seus textos, dar-lhes conteúdo, ele preferiu produzir a metro, ele cultivou a ideia de ser poeta, ele diz que merecia o nobel em vez do Dylan (HEY YOU SISTA RICA! RI-TE :-), eu tenho pena dele, a sério. vejo nele a decadência que já senti e que gostaria de não voltar a sentir, não sei o que futuro me espera daqui a 20 anos, é triste eu sentir-me impotente e não o conseguir ajudar (porque eu também me ajudaria: sentiria que teria sido útil) porque ele não se ajuda, ele quer tudo feito e comida na boca, sem esforço ou recorrendo às lágrimas.

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  2. Outra coisa, ainda:

    "Ficarão as obras, a vida absurda será esquecida" - é verdade. O problema é que a única coisa que temos é a vida absurda, pois aquilo que eventualmente possa ficar não nos pertence, porque não nos vive, ainda que nos sobreviva.

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    1. Tens razão, e tudo se torna ainda mais absurdo: ser absurdo ter de viver uma vida absurda, é como diz o Becket: Fail better everyday.
      mas o becket ficcionava, inventava as suas histórias, podia matar as suas personagens da forma mais absurda que conseguisse imaginar.
      E seria louco e não apenas absurdo eu pôr-me de novo a atentar contra a vida das minhas personagens, principalmente sabendo que em tudo o que eu escrevi eu fui personagem maior. O Giuliani era uma tentativa de eu não escrever só sobre mim, e me abrir ao mundo, melhorar a minha sanidade.
      Tu já o disseste por outras palavras: eu não me sei rir, sou sério demais, preciso de pessoas que me façam rir.

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    2. Ai é?

      https://www.youtube.com/watch?v=kVpv8-5XWOI




      :DDDDDDDDDDDDDDDDDD

      (diz lá se não te riste?)

      (mas pode ser muito fácil aligeirar aquilo que não nos toca no imediato, daí poderes chamares-me "rica", se bem que. curiosamente há na tua história certas coincidªencias. ficam, talvez, para uma próxima)

      e parabéns pela venda do quadro.

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    3. Voto por parlarmos dessas coincidências
      e sim! já subiste na minha hierarquia: agora já és Sista :),
      um dia talvez se houver o momento certo para falarmos pessoalmente, poderemos talvez almejar ser «amigos na vida real».

      obrigado pelos parabéns e pela tua preciosa ajuda no trocares estas palavras comigo.

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  3. Update:
    fiz a paz com o poeta ou melhor com o meu grande vizinho Julião. bateu-me à porta 'inda eu drumia a dizer para falarmos. «ó giu estou a drumir volta a horas decentes», olhei para o relógio: 08h28m da matina, fiz o meu café, vi os emails e fui até sua casa.
    O Julião é uma excelente pessoa, e eu até lhe admiti que a maior culpa foi minha, disse-lhe que ele parecia uma cassete riscada e que eu proprio tenho de melhorar o modo de reagir a uma cassete, tenho de deixar de me soltar a tampa.
    por isso, sista lady alfa, tu vais achar que eu sou de cliques e talvez seja de cliques mas para bem de todos, eu incluído, o Julião é o maior!

    Já voltei à transcrição da sua prosa de 1999-2000.

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    1. :)))))))))))))

      fico contente. mesmo. sei lá porquê. mas fico.

      mesmo.

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