domingo, 31 de janeiro de 2021

Regar as ervilhas

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Vou até ao Fred Zeppelins, um bar onde se pode ver todo o tipo de pessoas e beber uma cerveja. Prefiro a Beamish, tem um sabor amargo, faz-me lembrar o vinho tinto. Passados dez minutos, Andrew, que tinha conhecido em casa dos muitos estranhos Rory e Simon, aparece com a namorada Katrina. Não o reconheço logo à primeira embora saiba que o conheço de algum lado. Diz que, se calhar, já não me lembro dele ao que respondo, após alguns momentos de negra sombra, que o conhecera num Sábado. Ele concorda, mas talvez estranhe tanta precisão num dia específico -- um Sábado, ou, pelo menos, é assim que interpreto as minhas próprias palavras. Nem mais nem menos, a luz ilumina o meu ser agora, foi num Sábado que eu disse ao Simon para ele pintar as paredes de vermelho primário e fazer uma instalação visual para homenager o Franky Teardrop. Digo a Andrew: Estávamos a ouvir Suicide. Ele responde: Estás certo, desculpa mel, tenho de ir regar as ervilhas, volto já.

Enquanto ele desaparece para a casa de banho, Katrina começa a falar comigo tão perto, mas tão perto, que o seu falar, o seu sopro, o seu cheiro me faz apetecer beijar o seu nariz perfeitamente fino, os cabelos ruivos compridos. Tão absorto estou, desejo não desejar as mulheres que nunca posso ter neste ou em qualquer outro momento pois ou têm namorado ou, então, são inatingíveis. Foda-se!, ou, se calhar, só nestes momentos de possível roubo do que os antigos chamam de propriedade é que eu desejo mulheres ou, se calhar, só nestes momentos em que eu as deixo ser livres e mostrarem-se orgulhosamente indí é que elas me falam assim tão perto, tão bonitas mas tão inatingíveis. Existem alturas em que detesto a Marlene Dietrich. Não sei, parece-me estranho ser um possível confidente sempre na sombra e nunca me completar porque nunca faço sombra, porque sou a sombra reflectida.

Quando Andrew volta, vamos até ao primeiro andar ouvir música reggae e esperar pela banda começar a tocar. É bom ouvir reggae. «Gosto do ritmo, é relaxante», digo a Andrew. Ele responde que reggae é demasiado relaxante e que ele relaxa com coisas mais rápidas como Sisters of Mercy, Nine Inch Nails.'

John Moore

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