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CLV
Espalhou-se a nova da mania de Rubião. Alguns, não o encontrando nas horas do delírio, faziam experiências, a ver se era verdadeiro o boato, encaminhavam a conversação para os negócios de França e do imperador. Rubião resvalava ao abismo, e convencia-os.
CLVI
Passaram-se alguns meses, veio a guerra franco-prussiana, e as crises de Rubião tornaram-se mais agudas e menos espaçadas. Quando as malas da Europa chegavam cedo, Rubião saía de Botafogo, antes do almoço, e corria a esperar os jornais; comprava a Correspondência de Portugal, e ia lê-la no Carceler. Quaisquer que fossem as notícias, dava-lhes o sentido da vitória. Fazia a conta dos mortos e feridos, e achava sempre um grande saldo a seu favor. (...)
Em casa, os amigos do jantar não se metiam a dissuadi-lo. Também não confirmavam nada, por vergonha uns dos outros, sorriam e desconversavam. Todos, entretanto, tinham as suas patentes militares, o Marechal Torres, o Marechal Pio, o Marechal Ribeiro, e acudiam pelo título. Rubião via-os fardados; ordenava um reconhecimento, um ataque, e não era necessário que eles saíssem a obedecer, o cérebro do anfitrião cumpria tudo. (...)
CLVII
A compaixão de Sofia -- explicado o mal do Rubião pelo amor que ele lhe tinha -- era um sentimento médio, não simpatia pura nem egoísmo ferrenho, mas participando de ambos. Uma vez que evitasse alguma situação idêntica à do coupé, tudo ia bem. Nas horas em que Rubião estava lúcido, escutava-o e falava-lhe com interesse -- até porque a doença, dando-lhe audácia nos momentos de crise, dobrava-lhe a timidez nas horas normais. Não sorria, como o Palha, quando Rubião subia ao trono ou comandava um exército. Crendo-se autora do mal, perdoava-lho; a ideia de ter sido amada até à loucura, sagrava-lhe o homem.
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'Quincas Borba',
página 166 - 167
Machado de Assis
Edição RBA editores
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