sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Da delinquência juvenil

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Em conversa com os educadores russos Vera Schmidt e Geshelina, em 1929, esforcei-me exaustivamente para chamar a atenção para a insuficiência e desesperança de tais tentativas quando feitas sem quaisquer outras ajudas. Já naquele tempo estava completamente claro que o problema dos delinquentes na União Soviética, se bem que se tivesse desenvolvido por motivo de situações da guerra civil, derivava sua alimentação continuamente da falta de clareza da vida sexual. Trabalho havia em quantidade suficiente na União Soviética. A terapia do trabalho estava altamente desenvolvida. O desemprego desaparecera. Os lares infantis e as organizações colectivas em sua maioria tinham instalações modelares. E, apesar disso, as crianças continuavam a fugir, preferindo a vida perigosa e destruidora das ruas e a insocialidade à vida nos lares de crianças. Esse gigantesco problema não pode ser resolvido apenas com educação para o trbalho nem explicado com referência à curiosidade romântica da alma infantil ou juvenil. Tivemos na Alemanha as mais amplas possibilidades de estudar a verdadeira natureza da delinquência e da consequente educação assistencial. Quando meus esforços em prol da cura sexual da juventude se tornaram conhecidos, um número cada vez maior de jovens fugidos da assistência social veio a mim, falando-me de modo franco e honesto, porque eu os compreendia em seu problema principal, em sua miséria e nos verdadeiros motivos do seu comportamento anti-social. Posso assegurar que eram rapazes excelentes, entre eles alguns muito inteligentes e capazes. Frequentemente constatei quanto mais vitalmente vigorosos são esses chamados delinquentes do que os jovens hipócritas e bem comportados na escola, justamente por isso, porque se rebelaram, porque se amotinaram contra uma ordem social que lhes negava o direito mais primitivo da natureza. Não há muitas variantes do seu tema. Sempre e sempre é a mesma estória: não tinham sabido lidar com as suas fantasias e suas excitações sexuais. Os pais jamais os tinham compreendido, os professores e autoridades tampouco. Jamais conseguiram falar com alguém sobre isso. Pelo contrário, tinham-se tornado mais fechados, desconfiados e maldosos. Tinham conservado o segredo para si mesmos, tinham que conservá-lo, encontrando compreensão para essas suas preocupações apenas com outros da mesma idade, de estrutura semelhante e dificuldades similares. Já que não os compreendiam na escola, boicotavam a escola; já que os pais não os compreendiam, amaldiçoavam os pais. Por estarem ligados profundamente ao mesmo tempo aos pais e inconscientemente, apesar de tudo, esperem auxílio e redenção, resvalaram para os mais graves conflitos de teimosia acentuados por sentimentos de culpa. Assim vieram para a rua. Lá também não eram felizes, mas sentiam-se livres. Até que a polícia os apanhara e metera na assitência social, frequentemente apenas porque alguns, sendo moças de 15, 16, 17 anos, tinham sido apanhadas com rapazes. Em muitos desses jovens pude constatar que eram fisicamente sadios, criteriosos e rebeldes com razão, até ao momento em que a polícia e a assistência social lhes deitaram as garras. Desse momento em diante tornaram-se psicopatas, socialmente execrados. Os crimes da sociedade contra tais crianças são incomensuráveis. Era possível, e isso é prova adicional para a exactidão dos meus pontos de vista, recuperar ou corrigir tais "delinquentes" juvenis e realmente orientá-los quando se lhes provava praticamente que eram compreendidos.
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,pag 298
"A revolução sexual"
Wilhelm Reich
edição Centro do Livro Brasileiro, Zahar Editores 1975

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