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[crítica nº] 9 - Demasiado rápida aceitação da compulsão social como dado psicológico: Todas as psicologias consideram a adaptabilidade como o ajustamento principal e a sua falta um dos maiores impedimentos. A actividade do ajustamento é dirigida para as realidades que se compreendem no termo «meio ambiente». O homem deve ajustar-se ao seu meio, físico e social. A responsabilidade do ajustamento cai decididamente sobre os seus ombros, embora o insucesso seja muitas vezes atribuído a dificuldades insuperáveis existentes no ambiente. Até mesmo condições que são consideradas como impossibilidades são vistas apenas como desafio ao engenho do homem. A natureza deu a este enormes recursos sob a forma de dinamismos que servem de transformadores, amortecedores de choques, dissolventes e emolientes.
Muito se diz em louvor do indivíduo bem ajustado que alcançou a paz com a realidade. Os constangimentos do meio social são aparentemente considerados como meios de pôr à prova a normalidade de cada um. «Sublimem, reprimam, suprimam, substituam, romantizem, vistam com trajes de ilusão, invoquem o Nirvana como escape às realidades - depois não se queixem das circunstâncias». Esta frase parece ser o mote das conversas «animadoras» que lançam a mensagem da filosofia «arriba e vamos a eles!».
Até os Freudianos, que têm rasgado brutalmente o véu da respeitabilidade outrora revestido pela soberana autoridade paterna, pouca esperança têm mostrado de que as novas gerações possam ser emancipada da tirania das realidades ambientais; só conservam a esperança de que as novas gerações possam tirar proveito das lutas anteriores, de forma que venham a transmitir aos descendentes uma carga menos pesada. Esta esperança manifesta uma fé tocante nas tendêncas melhoradoras de uma instrução progressiva. Por infelicidade, esta benigna influência parece que se opera retrospectivamente apenas nos mais críticos estágios do processo da vida, no ajustamento ao conflito-Édipo. Como mecanismo ajustador, «Perspicácia à procura do facto» não é a adaptação sem atritos que se esperaria, a funcionar com um mínimo de pressão emocional.
Mais ainda: até mesmo o ajustamento às imposições sociais não elimina tanto os conflitos quanto o psicólogo quereria fazer-nos acreditar. O indivíduo que teve sucesso em se erguer acima das irracionalidades e arbitrariedades do meio social, raras vezes mostra uma santidade que transmute as inclinações anti-sociais em mecanismos impecáveis de conduta altruísta, ou um temperamento filosófico que possa negar as exigências da carne sem tristeza ou frustação, ou um temperamento artístico que possa encontrar na arte uma protecção contra os «dentes e setas da sorte ultrajante».
Ora, se o indivíduo extraordinário acha difícil sintonizar-se com a realidade, as possibilidades de uma pessoa vulgar para uma adaptação frutuosa são ainda mais ténues. É, pois, conveniente re-examinar o conceito de normalidade e cortar-lhe não só a sua vacuidade mas até a sua complacência incorrigível perante os constrangimentos do meio social. Isto poderia envolver nova ênfase sobre factores de ajustamento, quer inatos, quer ambientais.
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,página 284
"Psicologias correntes"
A. J. Levine
Edições Delfos 1970
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