'Incorporação canibalista'
óleo sobre tela
60cm por 50cm
2007-2014
ZMB
Quando saí do meu terceiro reality show demorei quase quatro anos
a arranjar motivação para novamente fazer um esforço para voltar à superfície
como ser humano e não bicho.
Na altura o meu psiquiatra deu-me uma prenda
e deu-ma porque eu sabendo que ele se ia reformar lhe abri o jogo:
'o verão, o varão, o barão, a barona
e a baronesa, doutor...
a baronesa recusou a minha declaração,
ela contou, extrapolou,
submeti-me à chacota, zanguei-me
com o boss, doutor...'
e a baronesa, doutor...
a baronesa recusou a minha declaração,
ela contou, extrapolou,
submeti-me à chacota, zanguei-me
com o boss, doutor...'
A prenda que ele me deu foi dizer que eu talvez não fosse um doente crónico
e portanto não fosse talvez um maluco
mas apenas um desadaptado.
Assim, investi dinheiro a comprar livros relacionados com psicologia e afins.
Para me cultivar,
para saber até que ponto os sintomas que eu reconhecia em mim próprio
eram descritos na literatura e para saber como outros como eu
(ah como foi libertador saber que há outros como eu),
para saber como outros como eu se integram no mundo.
Penso que comecei a ter um pouco de respeito por mim próprio
ao fazer uma tentativa para compreender que
os médicos são mais que aquela imagem do livro
'arranca-corações' do Boris Vian,
tão vazios no seu interior que arrastam ainda hoje a asa
para cima do maluco do bairro
com o intuito de o comer,
com o intuito de incorporar em si uma vida alheia
e tornarem-se eles próprios essa outra pessoa, esse maluco que admiram.
No livro, o psicanalista torna-se o executante da profissão do seu único cliente: remador.
Os livros são isso mesmo, são portas que se abrem
e algumas dessas portas são ilusões, absurdos formalmente belos
que a realidade um dia reconfigura e lhe dá a forma definitiva
a que se chama destino.
O tempo não volta para trás.
--
(uma foto de época)
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