segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

'Palavras são sinais, não mais.'

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Agora, a luzes todas apagadas. Indo e vindo entre o fundo sem fundo e a entrada dele - repetição circulada em que a águia sobe, espiraladamente passa e repassa na vertical do mesmo ponto. Penso: fora daqui, mais nada conheci que exista. Penso ainda: há o mundo e o melhor sítio do mundo, e eu estou em ambos por estar no melhor. Revelação.
Numa pessoa - qualquer pessoa, desde que vasculhada - a tristeza é medonha enquanto se não descobre o que tristeza é: cavalos-vapor, aos mil, de alegria comprimida injustamente. Palavras são sinais, não mais. Mãos agarram mas não têm. Ninguém é macambúzio ou obstinado ou agressor gatuno por opção. É que há paredes duras como pinho braseado, e a cinza do ter que agir, estopadas entretanto. E então são bebedeiras de afazeres ou jogatana, turras enfim. Que isso de andar no mundo feito gente não é coisa para bicho (e o contrário também vale, como expressão do mesmo). Insiste-se em continuar vivendo sempre à espera de. Para alguns vem. A descoberta é como um lince que resvala pelo cedro abaixo ao romper da noite.
No agitado silêncio, vejo que se abre claridade: é o tempo dominado. Dei um salto para outra esfera em que tudo quanto conheço persiste; porém, modificado. Sombras de medo angústia sofrimento caem, eu solto delas, que rebolam cambalhotas pelo infinito abaixo. E continuo o vôo circular, ascensão de águia a contravento, repetição da verticalidade sobre o mesmo ponto-chave. E subo. Nas entranhas mobilizadas por inteiro prepara-se um cair a pique colossal. Em cima do quê? Não importa.
Banho na primeira experiência violenta do que eu sou, ao fim de contas certas. Cada movimento me aproxima implacavelmente do meu centro - subir crescente da tensão a dois em que me alteio. Novo vislumbre: eu-mesmo não é, nem pode ser, eu só. Pois foi de aberto a quem se abria a mim que inaugurei esta isenção da gravidade. No mesmo passo leve-simples em que as palavras foram dispensadas, descubro o fulcro do maior segredo: o oceano oculto onde o que eu sou é outrem, porque é. E embora cada vez mais ancoradamente imóvel no estrebucho, sinto que vou na onda com à-vontades de robalo.
Quando pensava «um segundo mais e não aguento e estoiro», aconteceu: uma explosão a dois.
Foi assim.
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, página 202

'A noite e o riso'
Nuno Bragança
Moraes editores 1978

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