sábado, 18 de julho de 2015

O estranho caso do capitão mancha e do cê sancho

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Um dia, na véspera do meu aniversário, saí de casa ao fim da tarde para comprar tabaco. Entretanto passei pela jukebox para ver se já teria reaberto após as remodelações que o novo dono, um fundo de investimento com sede fiscal no benelux, resolveu por bem efectuar. Ao entrar na rua, ao fundo vi que não tinha a esplanada montada e pensei que talvez não... Mas entretanto o papel na porta há-de dizer porque continua fechado e quando abre finalmente. Sou abordado pelo Leonel que me diz:
«Então capitão, tudo bem, olha... Fazes-me um favor?»
Aperto-lhe a mão e digo-lhe: «Depende.»
Ele diz que não pode lá ir ele, eu interrompo pensando que o favor era o mesmo da última vez: o de lhe ir à payshop carregar o telemóvel. Mas não: «Era para ir ali à frente comprar azeitonas para o restaurante, sabes onde é, não sabes? Toma lá dinheiro.»
Um «até já» digo e vou-lhe comprar as azeitonas, eu de vez enquanto faço pequenos biscates a pessoas com quem confraternizo. Volto, dou-lhe o troco e o produto. Ele está com mais dois colegas que eu conheço de vista, afinal estou nesta metrópole por minha conta há dois anos. Agradece-me dizendo que a minha despesa no seu espaço estará paga à noite se eu aparecer e começa a falar para o seu amigo: «olha, o capitão também teve problemas com o doutor…» e vira-se para mim e diz «conta-lhe capitão,» eu pergunto «estás a falar do Sancho, do doutor?» e ele diz que sim. Então, eu viro-me para o amigo e digo:
«Eu uma noite o ano passado estava a passar ali a frente com uma mortalha na mão e o Sancho aproximou-se e disse-me para ir com ele até ali mais à frente, no beco» aqui eu olho para o Leonel e continuo «perto do restaurante dele e mostra-me a carteira pessoal entreaberta, abre e fecha como se estivesse a mostrar a identificação, como se fosse um polícia abordando-te para uma rusga. Levou-me o meu pedaço de ganza que tinha...»
Eu ia continuar mas o Leonel interrompeu «… e deu-te um selo!»
«Sim é verdade.» Olhei para quem estava a falar e perguntei-lhe «Então e contigo, foi o mesmo?»
Quem respondeu foi o Leonel «Com ele houve bulha! Eu queria explicar-te o caso do capitão mas já não me lembrava, já foi há um ano. Devias ter-lhe dado resposta.»
«Pois devia, mas eu não sou uma pessoa violenta, só quando me salta a tampa… e quando me salta a tampa…»
Leonel interrompe e diz «pois devia ter-te saltado a tampa!»
Eu respondo «Pois devia, mas eu sei lá o dia de amanhã, não sei, e e se me aparecessem uma cambada de gajos à frente a mando d… eu moro aqui mas não sou de cá, eu não conheço as alianças que se fazem.»
«Estás desgraçado.» diz o terceiro elemento do grupo e que estava até agora calado a fumar e a ouvir.
«Não. A história acabou...»
«Ó acabou, da próxima vez nem pergunta, rouba logo!»
«Não. Da próxima vez será diferente, da próxima vez levo-o à polícia.»
«Mas ele não é polícia?»
«Eu sei lá, eu continuo a achar que não, eu cheguei a casa a pensar que tinha sido enganado, um polícia levava-me para a esquadra para me fazer perguntas...»
«Sim» diz o Leonel «mas o que disseste que tinhas contigo não dava cadeia.»
Eu olho para eles, concordo e digo «continuo a achar que foi uma maldade por eu ter na altura deixado de lhe pagar o café e começar a fazer outros amigos» depois pensando no meu caso de anarquista-pacifista e o quão cobardolas pode ser considerado um gajo que não adere à violência nem para se defender, digo-lhes «ser rebelde é para vocês que sois jovens, eu já não…» Sou interrompido pelo Leonel que continua a repetir «devias ter-lhe dado resposta, roubou-te e deu-te um selo, o cê sancho, o cê…»
«O cê o quê?», pergunto. Leonel continua: «Foi isso que o António me disse que lhe disseste quando falaste com ele e lhe perguntaste 'o Cê Sancho é mesmo polícia?'» 
«Não mistures as situações, o selo foi dado antes, uma vez, uma vez que lhe vomitei para cima!»
Nesta altura, começo a achar toda esta conversa aborrecida e despeço-me deles. Depois de ver que a jukebox só abre amanhã, venho-me embora comprar o tabaco e regressar a casa, para jantar o meu arroz de atum. Fico a pensar no caso do cê sancho e concluo os meus pensamentos dizendo-me enquanto tomo o meu café de cafeteira após o jantar: «assim é compadri, ficaste na história como um desgraçado cobardola bêbado e drogadola que se vomitou todo e levou um selo» ao que a minha resposta ao compadre é dizer «sim é verdade compadri mas o cê sancho ficou na história como um vendedor de café que deu nos cornos e roubou um bêbado cobardola, quem é que bate num bêbado?, isso vê-se agora que houve problemas com este sócio do Leonel, não há melhor desforra, vingança se quiseres, em vez de lhe foder a tromba, a sua reputação terminou.»
É então que me dirijo ao quarto decidido a não deixar de escrever este pequeno apontamento, para depois voltar a olhar para o panfleto que o ano passado escrevi como meio de defesa contra possíveis agressores sobre este caso: o estranho caso do capitão mancha e do cê sancho.
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Claudio Mur

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