terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Pára-me de repente o pensamento

Recebi de Via Láctea o dvd com o filme em baixo.
Aproveitem e comprem o dvd, contém extras preciosos.
O filme passa-se no Conde Ferreira e retrata o dia-a-dia de um grupo de utentes.
Os meus dois primeiros internamentos foram lá e reconheci no filme a rotina.
Além disso, aparece o psiquiatra que tratou de mim aquando da minha estadia no Magalhães Lemos,
e que só cessou essas funções porque se transferiu para o serviço da Misericórdia
(onde o CH Conde Ferreira se integra),
Também reconheço um utente de vista: na altura eu frequentava a sala de psicoterapia
onde fazia desenhos e ele estava lá falando bem «como um filósofo» e bem vestido como hoje.

-- Sabes porque os muros são tão altos?
-- Não, porquê?
-- É para que os malucos, que estão lá fora, não entrarem!




domingo, 25 de dezembro de 2016

sábado, 24 de dezembro de 2016

O Natal no Espaço T


A dona Belmira da seguradora Fiddelidade,
o presidente do Espaço T
e moi-meme

na entrega do cabaz de Natal
dia 22 de Dezembro de 2016

Espaço T, o melhor local da cidade,
a foto em baixo é disso prova.
Eu sinto-me bem lá, e integrado.
Obrigado por existires!




Música de Natal




quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Dois artistas fabulásticos


'Marco, o meu nome é Marco'
aguarela sobre traço preto impresso a laser em papel A4 de 150g/m2
2016
ZMB


'Santinha, o meu nome é Santinha'
aguarela sobre traço preto impresso a laser em papel A4 de 150g/m2
2016
ZMB

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Que rica menina

Correspondências from zmb_mur on Vimeo.

O vídeo da exposição 'Correspondências'
com banda sonora de Sun Ra no disco 'Medcine for a nightmare'

Exposição até 13 de Janeiro de 2017
na Quase Galeria

Rua do Vilar nº 54 Porto Portugal

Mais Correspondências









domingo, 18 de dezembro de 2016

5 Correspondências


Na Galeria Quase
Rua do Vilar nº54 Porto Portugal

com trabalhos de alunos do Espaço T
Todos os dias excepto fins-de-semana até meados de Janeiro

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Teremos sempre Paris


O meu trabalho na exposição 'Correspondências'
a decorrer na Galeria Quase:
Rua do Vilar nº54 Porto, Portugal

A partir deste desenho:



quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Correspondências -- exposição colectiva

Group exhibition from the students of Espaço T at Galeria Quase, This December 16, 2016. Vernissage at 7 PM Rua do Vilar 54, Porto Portugal 


O Espaço t, tem o prazer de o/a convidar para a inauguração da exposição coletiva "Correspondências" a decorrer no dia 16 de Dezembro, na sede do Espaço t - Quase Galeria às 19:00h. A Exposição é composta por trabalhos realizados pelos alunos do Espaço t nos ateliês artísticos da instituição. Esta iniciativa, faz parte do projeto “Colorir Afectos” financiado através do Programa de Financiamento a Projetos pelo INR, I.P.

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Haiku 51


'
Jac Balde nunca usava guarda-chuva, dizia que era por causa da música cantada pelo Tó Espera e pela Mariana Cheia-de-Fé. 
Balde era tão fiel que, mesmo chovendo, se sentava à chuva na esplanada com wifi a tomar café e a tossir. Não se importava de morrer novo, achava-se desgraçado. 
Ora acontece que há mui boas pessoas preocupadas neste mundo infame e assim, Bashô imponente na sua perna de platina e bengala de marfim, protegida da intempérie pelo seu abájur capilar resolveu ajudar Jac a mudar de vida a troco dos dez porcento e entrou na Livraria Satie para contrafaccionar um haiku a pedido. 
Jac, tossindo, ligou-se à rede para saber as news e os olhos esbugalharam-se, o pouco cabelo eriçou-se com uma descarga eléctrica imaginando-se no céu a voar: «Ieé, I'm gonna be supermé!»
E assim, a magia tornou-se realidade, Jac Balde colocou-se no terreno à procura de guarda-chuvas e chapéus, escolheu um gorro preto e foi lavá-lo cuidadosamente a quarenta graus na lavandaria da freguesia.
Podemos agora ver como está mudado, passa o tempo no jardim das cerejeiras a fumar e, quando chove, para se proteger pôe o livro na cabeça.
Às vezes, só falta o estímulo.
'

Claudio Mur,
inspirado por Cuca Bashô
e com o alto patrocínio de Suzy 3

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

O que não sabe como foi

'
C.. F.. é um velho morfinómano! Ufana-se da sua intoxicação como de uma glória -- visto que resiste, há vinte e tantos anos, a doses violentíssimas de morfina e heroína. Magro, duma magreza aflitiva, ossuda, esquelética -- a sua aparência impressiona, comove... Aquele corpo já foi revestido de carne, estofado de gordura. Mas o morfinismo tudo lhe vampirizou, deixando-lhe apenas os ossos, contorcionando-o, como nos subterrâneos do Santo Ofício... As pernas bailaricam dentro das calças; a cada passo os frágeis arames que lhe suportam a cabeça gingam -- como na ameaça duma desarticulação completa. Lívido, o seu rosto segrega permanente suor viscoso, gotejando umas bagas grossas e baças -- dir-se-iam pingos de estearina... O seu coração é um acrobata inverosímil que ora espinoteia em cabriolas de circo, ora faz greve em suspensões tão longas que aparvalham os médicos mas que deixam o seu proprietário em absoluto indiferentismo...
Um dia perguntei a C.. F.. como tinha começado...
-- Não sei! -- respondeu. -- Como já te disse, vivi muitos anos em Paris, frequentando a Sorbonne. Em Paris casei-me com uma senhora francesa... Da nossa lua de mel floriu, logo passado um ano, um delicioso bebé... Eu ignorava a elasticidade das paixões paternas -- e por isso exagerei, numa idolatria obcecante, o meu amor pela criança... Uma manhã, aquele berço espumante de rendas em que eu sonhara ver uma caravela de venturas pela vida fora -- naufragou, transformando-se num túmulo, em poucas horas, as horas mais amargas que sofri até hoje... Se as lágrimas matassem -- teria sucumbido sobre aquele pequeno cadáver de dois palmos... Mas o que as lágrimas não conseguiram -- alcançou-o a dor, anoitecendo-me numa crise de loucura o espírito... Desde que perdi a razão e me levaram para um manicómio -- até que, um ano depois, amanheceu de novo o meu cérebro, voltando a mim e vendo-me a embalar nos braços uma boneca -- ignoro por completo o que se passou, o que fiz, o que me fizeram. Coagulou-se-me em trevas esse período tristíssimo -- numa escuridão tão espessa que nem uma pepita de luz brecha a minha memória... O que sei, sim, é que já era então morfinómano e que nunca mais conquistei a alforria da droga... Como foi? Como comecei? Desconheço-o!
'

,página 107-108

"Memórias de um ex-morfinómano"
Repórter X
Edição Propaganda, 1976

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

... e para quando uma re-edição em glorioso vinil lp?

Um clássico
nascido na Guarda, Portugal
e verdadeiramente único, ao nível dos melhores do universo:
Muito gostaria que uma editora falasse com Victor Afonso e restantes membros dos Nihil
para que esta pérola fosse re-editada em vinil.
Eu, e muitos outros certamente, compraria.





terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Catalogue with a fan video



From "Pénétration"
Live at Brasserie Birseckerhof, Basel '82
Jacques Berrocal, Jean-François Pauvros, Gilbert Artman
©1982, Hat Hut Records


***********************
This is a fan video

*********************

Uma versão com tiros e sirenes para 'Ultim Arlène' pode ser encontrada
neste excelente disco de 2014:

https://www.discogs.com/Jac-Berrocal-MDLV/release/5550044

Comprimidos, all kinds of pills


'Comprimidos, all kinds of pills'
óleo sobre tela
45cm por 35cm
2000 - 2016
ZMB



(publicado inicialmente neste blog em 2014)



Antes de ter sido necessário eu assinar papéis a autorizar
a injecção de neurolépticos no meu corpo
que me tornaram por uns meses num vegetal recesso,
ainda antes de receber a prescrição e ingerir via oral
os medicamentos com os quais os psiquiatras dizem que
eu posso fazer a minha vida normal porque estou 'compensado',
antes de voluntáriamente ou à força os tomar
mesmo dizendo ao psquiatra que os tomo como se fossem placebos...

já antes os tomava com álcóol, uma moda estúpida para os outros,
os outros não sei e sei: eu queria desaparecer.
hoje que sei o que é 'descompensar' e as pessoas terem medo,
dou finalmente valor à vida:
'talvez tudo fosse necessário que de tal forma acontecesse'

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Egberto Gismonti e Naná Vasconcelos



Pasagem pirata: dançando nos cornos do rochedo


'Paisagem pirata: dançando nos cornos do rochedo'
óleo sobre tela
45cm por 35cm
2000-2016
ZMB

Comecei este trabalho em 2000 
(ver fotografia de época em baixo)
Pareceu-me um trabalho minimalista: 
apenas três cores num ambiente de paisagem.
Nunca o consderei acabado.
Este ano, dei-lhe um tratamento psicogeográfico.

(fotografia de época, com sombras)


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Arte pública



Porto, 8 de Novembro de 2016

Lado a lado, o Mário e o Amadeu gravados na parede.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

La bella dona


'La bella dona'
técnica mista sobre papel
59,4cm por 42cm
2008-2016
ZMB

Costuma-se dizer que para os «malucos» só há duas hipóteses:
o manicómio ou o misticismo.
Vozes mais informadas acrescentam a via da poesia,
ou qualquer outra arte ou passatempo criativo.
No meu caso é a pintura.

Neste trabalho, registo uma minha memória passada.

Há na música a Suzi Quatro (ver wiki),
a quem, penso, os Creedence Clearwater Revival dedicaram
Suzie Q ( https://www.youtube.com/watch?v=1mxaA-bJ35s )

Eu tive durante algum tempo a Suzy V: La bella dona

sábado, 26 de novembro de 2016

Berg, discretibus e secretibus

'
-- Posso perguntar-lhe qual o seu direito?
-- O senhor é um vicioso.
-- Basta! Basta! Dá-me licença, peço-lhe desculpa, se faz favor, senhor juiz, eu, Léon Wojts, exemplar pai de família, sem ficha judiciária, tendo trabalhado durante toda a minha vida, dia após dia com excepção dos domingos, entre o banco e a barraca, entre a barraca e o banco, presentemente reformado, mas não menos exemplar, levanto-me às seis e quinze, adormeço às onze e trinta (excepto no caso de um bridgezinho, com a autorização da minha cara-metade), e quanto à minha cara-metade, meu caro senhor, em trinta e sete anos de vida conjugal nem uma só vez, com outra mulher eu, ah... ah... Nunca a enganei. Nem uma só vez. Trinta e sete anos. Nem uma única vez! Já pode ver! Sou um marido afectuoso, bom, compreensivo, cortês, conciliador, o melhor dos pais, cheio de amor, cheio de boa vontade para com os outros, agradável, benevolente, prestável, diga-me lá então, se faz favor, o que é que, em toda a minha existência, o autoriza a fazer-me tais... insinuações, como direi... que eu pretensamente... à margem da minha imaculada vida conjugal... a bebida, o cabaré, a orgia, o deboche, a libertinagem com pequenas, ou até mesmo, quem sabe, bacanais com odaliscas, à luz dos lampiões, mas o senhor bem pode ver, estou aqui sentado, no maior sossego, a tagarelar e (atirou-me em cheio, numa voz triunfal) com a maior correcção e tutti frutti.
«Tutti frutti»! O canalha!
-- O senhor é onanista.
-- O quê? Desculpe? Que é que disse?
-- Cada qual é como é!
-- Que quer isso dizer?
Aproximei a minha cara da cara dele e disse-lhe:
-- Berg!
Foi eficaz. Hesitou, primeiro, surpreendido por a palavra lhe aparecer vinda do exterior. Espantado, olhou para mim com ar irritado e chegou mesmo a resmungar:
-- O que é que está para aí a dizer?
Mas logo o sacudiu um riso mudo, dir-se-ia que quase inchava de hilariedade:
-- Ah ah ah, pois sim, concordo, bergamento do berg em dupla ou tripla dose, berg, discretibus e secretibus por meio do sistema específico, a cada instante do dia e da noite, e de preferência à mesa familiar, na casa de jantar, bembergamento solitário e discreto sob o olhar filial e esposal! Berg! Berg! O meu caro senhor tem olho! No entanto, se mo permite...
'
, página 111-112

'Cosmos'
Witold Gombrowicz
Tradução de Luiza Neto Jorge
Edição Vega

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Um charro de conversa entre dois amigos


'
– Imagina como eu me sinto, ser trocada por um veado, apetece-me matá-lo!
– Ele é mais velho do que tu, vocês estão casados há tantos anos… nunca reparou em nada?
– Pequenas coisas, nunca dei importância…
– Sim compreendo, além de uma ofensa à mulher, é uma ofensa a todas as mulheres… pior do que isso, só tu me desrespeitares e passares a noite, aqui, no quarto ao lado do meu, a beber o vinho que eu não te dou e a dormir cu-com-cu com o meu colega de casa… olha, costumam crescer-me borbulhas na testa, olha esta, é um chifre, o teu traidor tem dois eheheh!
– Não desconverses, eu gosto de ti e você gosta de mim, não precisa de ficar celoso com isso meu amor.
– Cu-com-cu… onde já se viu?! Não deixa de ser um bocado gay, dormir com uma mulher é nariz-com-nariz, aliás!, admito que só o facto de se partilhar a cama com outro homem é um pouco mais de intimidade para o meu gosto… ainda assim, eu próprio no passado cheguei a pensar que não gostava de mulheres…
– Você também?! Estou desgraçada…
– Eu explico gata, eu andava sempre chateado com elas, fazia amor e umas horas depois zangávamo-nos, não as suportava, elas pediam sempre mais do que eu podia dar e elas davam tão pouco… é verdade!, o meio-meio nunca funcionou.
– O que é o meio-meio?
– O meio-meio é a democracia como eu a vejo. Dar e receber, na justa medida, em partes iguais. Chego a pensar que é utopia, ainda assim, o amor é um fim para mim e não um meio, a utopia pode ser uma ficção mas não quero deixar de lutar pelo que acredito.
– Faz um charro querido!
– Porque estás a tremer com a perna?
– É tique, quando eu cruzo a perna balanço-a.
– É nervos. Tem de aprender a relaxar…
– É nada… apetece-me matá-lo!
– Olha, duas coisas que vejo em você que estão mal: os nervos na tua perna e o outro, mais grave, o facto de você querer um homem que te acabe com a vida, que te dê um arraial de porrada que te leve desta para pior… tu procuras um suicídio por intermédio de um homicídio…
– Tens razão, eu sou católica, a igreja condena os que se matam, eu não tenho vontade de viver, apetece-me matá-lo!
– Não! Ele não vale isso, ele não vale nada!
– Eu também não…
– Lembra-te do teu passado, foste violentada em menina, e tiveste a vingança que ninguém te podia tirar, foste condenada por isso, sofreste mas pagaste a tua dívida, tu vales mais do que ele, compreendes? Tens de fazer duas coisas: o tremelicar da tua perna é semelhante ao desejo que tens de morrer, pois eu sugiro, tu gostas de dança, tens de arranjar umas aulas e libertares toda a tua energia corporal, até à exaustão, na dança, quanto melhor te libertares melhor dançarás e mais o público te dará atenção. Quanto a ele, não tens de matá-lo, ele não vale as consequências do teu acto, tu queres uma briga, então o que tens de fazer é vingar-te, mas sem armas, usa as mãos, o corpo, a tua arte marcial, manda-o para o hospital com uma perna partida e a boca arrebentada e mais nada. E, acima de tudo, divorcias-te dele, ganhas a tua confiança na dança e tocas à minha campainha sempre que me queiras ver <3
– Ele não me quer dar o divórcio…
– É natural, sei de quem engenhou um internamento hospitalar para não poder comparecer em tribunal para assinar os papéis e a separação de bens, mas no teu caso o que ele quer é manter a hipocrisia, tanto quanto dizes é que não há bens… o filho já sabe? E a mãe?
– O reino pertence à mãe dele. a mãe pô-lo fora de casa e ligou para falar comigo. Toma…
– Minha amora, é isto que você me deixa, eu pus-me a falar e tu fumaste quase tudo, deixa-me abraçar-te…
– <3
– <3
– 'Tá bom, estou-me a sentir apertada, já chega, volta para o teu canto agora.
– Olha que eu te compreendo, mas quando eu te aperto nos meus braços não é para te fazer mal, é para te proteger, para te dar calor, carinho, compreendes?
– Sim, compreendo mas vamos mudar de assunto, vamos sair, beber uma cerveja?
– Ok, vamos ao paqui, eu aproveito para comer qualquer coisa.
'
Claudio Mur

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Uma boa notícia mas falta saber o nib para se poder contribuir


Desde 1881 a ajudar os mais necessitados.
Fica perto da Praça da República no Porto:

http://www.jn.pt/local/noticias/porto/porto/interior/hostel-para-sem-abrigo-abre-no-porto-5514040.html

E continuo fumando


'E continuo fumando'
lápis de grafite, pastel seco e pastel de óleo sobre papel
42cm por 59,4cm
2008-2016
ZMB + 'Moreira'


O desenho-base a lápis foi realizado no Verão de 2008
numa colaboração minha com um pintor, recém-licenciado na altura, de apelido Moreira.
Ele não gostou do resultado mas eu guardei-o com gosto.
Não tenho contacto com ele actualmente, nem sei se continua a pintar.
Ele, na altura, gostava de bd. Isso é visível no traço dos olhos (alguns) neste trabalho.
Da bd deve também vir a ideia de 'contorno' (outline),
uma noção que ele me disse ausente da minha pintura à época.

Este ano colori este trabalho com pastel.

Como ambos somos fumadores e gostamos de Fernando Pessoa
decidi dar como nome a este trabalho um verso da Tabacaria.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Rima com decisão

'
E compreendes que acabou andor
quando aceitar se recusa a tua pinha
o seres trocado por um copo de vinho
quando pretendias fazer o amor
'

Claudio Mur

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Verso de uma tela filtrando a luz da manhã que entra pela janela


Ouvindo gatos desmaiados:



extraordinary free jazz from 
Albert Ayler on saxes, Don Cherry on trumpet ,Sunny Murray on drums and Gary Peacock on bass. 
Recorded live in Copenhagen on September 14th, 1964

domingo, 13 de novembro de 2016

Os cisnes e o milagre de amor



Lyrics: 

She holds a key to the room down there
And I, I will follow, but I'll never fall in
Yeah, we'll suffer for nothing, and we'll never forgive
God said to no one to do what he did

One second in your presence is a miracle of love
One second denied is a miracle of love

The young man is weakness in a lover's disguise
The woman is strong in her warm-bitter lies
How will they hold what they can never perceive
And how do they love what they fail to deceive

One second in your memory is a miracle of lies
One heartbeat in your body is a miracle of love
White light on a black sky is a miracle from above
One lonely moment in your arms is a miracle of love!

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

O medo está em nós como uma nuvem. Formou um clima interior de escuridão.

'
Isto porque nos ensinaram que não há limites para o que um homem pode ser. Há seiscentos anos um homem era o que o seu nascimento demarcava para ele. Satanás e a Igreja, representante de Deus, lutavam por ele. Ele, pela sua escolha, decidia em parte qual seria o resultado. Mas quer fosse, depois da morte, para o céu ou para o inferno, o seu lugar entre os vivos estava marcado. Não podia ser contestado. Mas desde então o palco foi novamente arranjado e os seres humanos apenas passeiam nele e, sob este novo ponto de vista, temos uma história à qual responder. Éramos outrora suficientemente importantes para que as nossas almas fossem objecto de luta. Agora cada qual é responsável pela sua própria salvação, que está na sua grandeza. E isso, essa grandeza, é a rocha sobre a qual se fere o nosso coração. Rodeiam-no grandes inteligências, grandes belezas, grandes amantes e criminosos. Da grande tristeza e desespero dos Werthers e dos D. Juans passámos para as grandes figuras dominantes dos Napoleões; destes passámos para os assassinos que tinham essa direito sobre as vítimas porque eram maiores do que as vítimas; aos homens que se sentiam privilegiados por se aproximarem dos outros com um chicote; aos rapazes das escolas e aos funcionários que rugem como leões enfurecidos; a esses proxenetas e outras criaturas dos bas-fond, oradores nas cafetarias nocturnas que acreditavam que poderiam ser grandes na traição e que poderiam torcer o pescoço daqueles que sentiam ser puros e bons com o laço da sua morbidez; aos sonhos de sombras lindíssimas que se abraçavam num écran impecável. Odiamo-nos terrivelmente e punimo-nos a nós próprios e aos outros terivelmente por causa destas coisas. O medo de ficar para trás persegue-nos e enlouquece-nos. O medo está em nós como uma nuvem. Formou um clima interior de escuridão. E há ocasionalmente uma tempestade, e ódio, e chuva que fere, a brotar de nós.
'

, páginas 88-89

'Na corda bamba'
Saul Bellow
Tradução de Maria Adélia Silva Melo
Edição Círculo de Leitores

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Ode to The Pixies, parte 2


Porto, 2016

Não digo desta vez o nome da rua.
A primeira inscrição da qual dei conta aqui: 
esteve à vontade uns três meses na parede antes de eu a fotografar,
bastou eu tirar a foto e publicá-la aqui no blog
para ontem, ao passar por lá, reparar que tinha sido apagada.

domingo, 6 de novembro de 2016

Airf Auga (recriação em 2016)


'Airf Auga'
óleo sobre tela
40cm por 30cm
2002 - 2016
ZMB

Este trabalho é inspirado num desenho
original de Leonel Pintor
e utilizado na capa de um folhetim com o nome
Airf Auga
publicado em papel em Aveiro
em finais de 1994 inícios de 1995



(fotografia de época)



quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Bia e a mãe, a tia e a avó


'Bia e a mãe, a tia e a avó'
óleo sobre tela
40cm por 30cm
2016
ZMB

Futura prenda de natal.
Dedicada à minha sobrinha.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

A mulher invisível


'A mulher invisível'
Acrílico sobre tela
100cm por 140 cm
2016
ZMB

Trabalho realizado no atelier do Espaço T

domingo, 30 de outubro de 2016

Para quê falar?
(Fragmentos dos Rascunhos do meu pai)

'
Porque serei tão calado? Quanto mais falam aqueles que me rodeiam, menos vontade tenho de dizer alguma coisa. Talvez seja este o significado destes Rascunhos que retomei ao fim de seis anos. Dizer alguma coisa. Não sei com quem falar acerca da Aurora. Às vezes penso que o Claudio compreenderia, mas o rapaz tem mais que fazer. A Sonia está bem. Esforça-se por acompanhar-me e não quero magoá-la. É verdade que não falo muito com ela. O meu corpo fala com o seu e talvez isso seja suficiente. Será? Confesso que me mantém vivo, me desentedia o tédio. Nem sequer lhe disse que a sua barriga é uma delícia. Hei-de dizer-lhe. Prometo. Ela também não é muito faladora. Afinal de contas, para quê falar quando fazemos amor? Com a Aurora a festa era outra. Para começar, era festa. Ela não só tinha prazer como se divertia. O nosso acto era alegre. Não faz mal rir em pleno orgasmo. Sinto muita falta da festa. Aí reside o segredo. A Aurora não era calada, e eu também não o era nos tempos da Aurora. Provocava-me com perguntas. Fazia-me pensar. A Sonia, pelo contrário, quando fala dá logo as rrespostas. Respostas a perguntas que eu não formulei. A Aurora era insegura. A Sonia é seguríssima. Eu estou seguro da minha insegurança. Que confusão. Hoje estive a fazer contas sexuais. A verdade é que passei por poucas mulheres. Por fidelidade? Por preguiça? Não sei. Só contei oito. Nos meus quase cinquenta anos não é propriamente um recorde para o Guinness. Das outras, quero dizer, das ilegais, cinco foram apenas breves escalas. Não me deixaram marca. A que me deixou alguma coisa foi aquela Rosario. Talvez eu não tenha sabido mantê-la. Das outras lembro-me dos seios, do sexo, das pernas. Da Rosario, lembro-me dos seus olhos. Mais do que dos seus olhos, do seu olhar. Olhava como se quisesse dizer alguma coisa sem dizer. Nunca a vi chorar. Às vezes dizia-lhe coisas duras, a roçar o ofensivo, para ver se chorava. Mas ela só me olhava, profundamente, mas sem lágrimas. Terei alguma vez sido feliz? Antes da Aurora, perdi a Rosario. A pobre Aurora apagou-se sozinha. E agora existe a Sonia, que sabe acompanhar-me. A dúvida é se seremos um casal. Acho que sim, mas não deveria duvidar. Parece-me.
Porque terei mudado de casa tantas vezes? Passei por mais casas do que por mulheres. Escrevo e guardo estes Rascunhos aqui, no hotel. Não são para ninguém, nem sequer para mim. Não me são indispensáveis. Poderia viver sem os escrever. Na verdade isto não é escrever. É apenas dizer alguma coisa num papel.
O hotel. É o melhor emprego que tive. Só pelo privilégio de estar no meu escritório e ver os pinheiros, só por isso valeria a pena. Além disso, dou-me bem com as pessoas: empregados, turistas. Normalmente dou-me melhor com quem me é afastado do que com quem me é próximo. A pessoa que me é mais próxima continua a ser o Claudio. Não sei se tem valor como pintor. A verdade é que aquilo que faz não me agrada muito. Tornou-se um pouco pesado com aquilo dos relógios eróticos. Prefiro que seja boa pessoa (ele é) do que bom pintor.
O pinheiro maior mexe a sua copa. Que elegância. Acompanha-me bem, como a Sonia. um galo longíssimo e depois outro, mais perto. Muitas vezes tenho vontade de responder-lhes. Mas só sei emitir cacarejos humanos, não sei cantar como o galo.
'

, página 112-113

'A borra do café'
Mario Benedetti
Tradução do castelhano (Uruguay) por Isabel Pettermann
Edição Cavalo de Ferro

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Mormon rock



Blackhouse are 
an oddity in the Industrial scene, because their music features Christian themes and lyrics! The duo of Ivo Cutler & Sterling Cross come from the heart of Mormon country, Salt Lake City, and have baffled the scene since they began opposing the libertine power electronics of Whitehouse with their Bible-obsessed messages. Unlike bland Xtian pop, Blackhouse preach the good word over the wicked sounds of raw beats and harsh electronix. They see no contradiction in their art, because as they say: "There is no war more holy than the fight for peace."
(taken from Blackhouse's discogs page)

https://www.discogs.com/Blackhouse-We-Will-Fight-Back/release/376725


quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O amor sob escuta

Após visitar a exposição do Miró na Casa de Serralves
integrado no grupo de utentes de psiquiatria do CH S. João
realizámos um pequeno trabalho de arte bruta inspirado naquilo que vimos.
O nosso guia-formador disse-nos que Miró simplificava as suas imagens.
Disse que a estrela de oito pontas para Miró significava desejo,
além disso desenhava olhos.
Aproveitei estas duas referências e em papel A2 desenhei a lápis de grafite e cera:
uma cama-coração onde um casal está
sendo observado do céu por um mefisto
e com olhos claustrofóbicos nas paredes.


terça-feira, 25 de outubro de 2016

O surgir e o cair da bolha

Dois mil e oito. Os jogos olímpicos e a perfeição do oito, o ninho de pássaro e a invasão da Geórgia no mesmo dia 08-08-2008. o ano dos furacões e o ano das eleições e do bpn. O ano da bolha a nível mundial. O ano em que começaram a cair mitos, bancos, políticos, governos, estados, o ano em que chegou à atenção da multidão (apenas preocupada em ser escrava para receber ao fim do mês, vingando-se ao falar mal dele pelas costas) aquilo que não era mais possível ignorar: incompetência, diplomas comprados, anos a roubar para bolso próprio, caíram as primeiras máscaras, os bancos faliram, os capitalistas decidiram nacionalizar o prejuízo, alguns políticos foram presos mas ainda assim o Zeinal teve direito a afundar a jóia da coroa, vendê-la aos brasileiros, falar portuguesing no parlamento e receber cinco milhões de indemnização por despedimento por justa causa. Não foi apenas em dois mil e oito que tudo isto aconteceu, apenas começou a explodir a partir daqui.
Dois mil e oito foi também o ano em que tive um contrato que não era apenas verbal ou mais um estágio pago a peso de ouro como no início do milénio. Em dois mil e oito tinha um contrato sem termo mas o trabalho era fantasia, os gerentes deixaram de aparecer, tinham-se aparentemente zangado, o salário começou a chegar atrasado, de vez em quando surgia uma nova ordem de trabalho, desconfio apenas para nos manter ocupados atirando areia uns aos outros, os dez telefones comprados no plano de investimento da empresa ganhavam pó na secretária ao lado, recém-licenciados desejosos de ganhar dinheiro fazendo o seu melhor trabalho para a empresa desistiam porque os gerentes os enganavam e eles desistiam completamente fodidos da cabeça, um exemplo: tínhamos computadores topo de gama que apresentavam ranhuras de leitura de cartões de memória e quando um destes freelancers precisou de passar o trabalho para o apresentar ao nosso boss, ficou sem o dito cartão de memória, porque ao introduzí-lo na ranhura respectiva, esta era apenas aparência, dentro da caixa não havia dispositivo nenhum. Como nem sequer havia uma chave de parafusos para abrir o computador e retirar o cartão que ficara dentro da caixa, este nosso desgraçado colega disse apenas «a minha colaboração fica por aqui, até nunca!» e virou costas. Muitos mais foram enganados e chegou finalmente a nossa vez de o também ser: foram três meses de salário em atraso. Nós, os que restavam e tinham contrato, decidimos rescindir por justa causa. O nosso primeiro dia de desemprego foi o Dîa do Trabalhador, dia um de Maio. Dia também da data da rescisão. Começava uma nova luta, inédita para mim: a luta para tentar receber o dinheiro em atraso. Metemos os papéis no Tribunal do Trabalho, preenchemos formulários para apoio judiciário, o patrão vendo finalmente que ficara sem empregados, assinou a carta e nós tivemos direito ao fundo de desemprego. E cada um de nós seguiu a sua vida, lutando individualmente e prometendo colaborar uns com os outros. 
A partir daqui só posso falar da minha luta para obter os meus direitos remuneratórios. Valores que, num gabinete de apoio ao desempregado, me diziam ser dois mil e quinhentos euros e que, numa reunião para tentativa de conciliação onde compareci eu e o boss qualquer um sem advogado, a procuradora disse ser de quatro mil fazendo o boss assinar o documento e comprometer-se a começar a pagar a partir de Setembro em prestações mensais, algo que nunca fez. Foi mais uma tentativa para adiar o problema e eu quebrar psicologicamente em Setembro. Posso dizer que uma das razões para ter sido internado pela quarta vez, foi o facto de ter lutado com insucesso pelo dinheiro que me era devido. A segurança social devolvia-me repetidamente o pedido de apoio judiciário dizendo que faltavam documentos, eu respondia, esperava pela resposta, ia ao tribunal pedir para falar com a procuradora e ela perguntava-me se eu tinha vinte euros para pagar a taxa de justiça para o tribunal executar um acto judicial, eu dizia que não tinha e ela disparatava dizendo que estava para se reformar e o processo ia ser passado para outro. Quando chegou finalmente a resposta da SS e lá se dizia: apoio judiciário, pedido de advogado indeferido, fui aos arames. Disse que o facto de toda a gente se estar oficialmente cagando para mim me justificava a decisão de pôr uma cruz no documento que tinha recebido da SS, apresentei-o na secretaria do tribunal dizendo que tinha obtido advogado mas que não tinha recebido a comunicação do próprio advogado. Neste altura, a funcionária olhou para o papel, olhou para mim e pegou no telefone. Ligou para a SS e disse: «[Ele] não precisa de advogado, precisa de um solicitador de execução!» E assim, com um subterfúgio da minha parte, quando fui finalmente libertado em meados de Outubro do hospital psiquiátrico de Vallis, já tinha solicitador, e até advogado que depois me disse que o caso já não era da sua competência, já tinha risperdal-consta em injecção quinzenal no músculo da nádega, tudo para meu próprio bem segundo todas as autoridades, mas o dinheiro, esse nunca o vi. E também a farsa não acabaria aqui, o solicitador marcou a penhora e disse-me para comparecer, chamou o polícia para estar presente, soube mais tarde que poderia ter pedido uma penhora recorrendo aos serviços judiciais, mas como eu não tinha conhecimento das leis e modos de operar, pediu-me, quando estávamos à porta da empresa, para eu arranjar um serralheiro que arrombasse a porta, o polícia concordou e eu tive que pagar trinta euros a um serralheiro, depois disse que tinha um agente de vendas amigo que se encarregaria da remoção dos bens penhoráveis e respectiva venda, tive que pagar mais cento e oitenta euros sem factura. Removeram-se os bens. Quando mais tarde fui falar com o solicitador, ele disse que o agente de vendas estava incontactável, e desculpava-se, não podia fazer nada, parecia triste. Um ou dois anos mais tarde já eu estava noutro emprego, sou chamado ao palácio da justiça e o novo procurador diz-me que o meu processo vai ser arquivado e que, se eu quiser, posso seguir para a frente com um processo contra o agente de vendas. Ou seja, teria de gastar mais dinheiro para nada, para não receber dinheiro nenhum. Desisti a bem da minha saúde mental. Mais recentemente, tive mais uma confirmação: o nome do solicitador veio nos jornais como sendo acusado de ficar com o dinheiro dos requerentes. A noticia era curta e não dava pormenores, provavelmente teria cúmplices e eu fui apenas um dos que ficou a lerpar. Miséria! Arquivado.
Mas esta foi a bolha financeira. Falta falar da bolha emocional e de como passei eu estes meses antes, durante e depois do internamento.
É preciso recuar mais de um ano até à minha última consulta de psiquiatria. O meu médico informa-me que se vai reformar, que eu vou ficar sem acompanhamento e que os serviços farão todos os possíveis por me atribuir um novo. Eu tenho de ser sincero, nunca tive muito respeito por psiquiatras e sempre me mantive calado o mais possível perante eles. De modo que, em vez de ficar preocupado, vi ali a liberdade. E sendo livre, decidi fazer a primeira confidência a um psiquiatra sobre os motivos pelos quais achava que tinha sido internado pela primeira e todas as outras vezes. Pensei «sendo livre não preciso de ter medo do aumento da medicação, porque ele não vai mais falar comigo, não vou ter ninguém a mandar em mim.» Então contei que a cada internamento, além de outras razões, esteve sempre associada uma mulher, sempre uma diferente e com elas um repetitivo falhanço meu, o de não saber lidar com elas e sentir depois culpa, quase remorso, sentimentos que me levaram ao consumo excessivo de haxixe e ao aumento exponencial da ansiedade, e depois à perda dos empregos por invocação de justas causas, à perda dos amigos e à escrita de um livro. Disse-lhe que misturei nesse livro verdade e ficção, disse que incorporei debaixo do pronome «eu» demasiadas situações que não eram minhas e que senti que o livro distorcido por mim se estava a tornar realidade, que lia comentários nos jornais nas televisões e via lá ressonâncias ranhosas do meu livro que nunca tinha sido publicado por ninguém em formato papel e nem sequer estava terminado.
Aí ele disse «é aí que começa a loucura», quando se começa a suspeitar que estamos aparecendo na comunicação social e sendo famosos ou desprezados, quando tudo não passa de uma ilusão dos sentidos. Disse que talvez eu não fosse esquizofrénico mas apenas tivesse um problema de adaptação, de me ir abaixo, de falhar em situações importantes por ignorância própria ou porque simplesmente «a coisa não tinha de acontecer. E quanto às mulheres…» disse «quem vai à guerra…» Disse também que ia anotar esta informação no meu processo e passá-lo ao meu novo e futuro psiquiatra, que recomendaria baixar a dose de comprimidos e dentro de um ano, após observação positiva, deixaria de precisar deles.
Ou seja, saí da consulta para a liberdade pensando que não era doente, que nunca tinha sido doente e que tinha sido a minha fraca performance que me tinha internado. Comecei a comprar livros de Wilhelm Reich, tratados de psicologia, etc., além disso, eu sempre gostara do romance psicológico e gostava de pensar nos detalhes, de imaginar e compreender cenários de equivalência com a minha própria história, modos de agir que me podiam ser úteis no meu percurso futuro. Agora que saía livre para o mundo estava na altura de me salvar, de me curar, de me compreender nos porquês de ter falhado perante a pressão. 
Então o que correu mal? 
O ficar desempregado, o não ter o meu dinheiro de volta, o continuar a ter uma relação difícil com a minha família, o não ter amigos com quem falar de assuntos com interesse, e acima de tudo não ter nenhuma amiga com quem foder e conversar. Há seis anos que não estava com uma mulher.
Quando comecei a ir à sede do clube de futebol, para tomar café barato e também por os dealers andarem por perto, reparei numa cigana não muito mais nova do que eu mas já com dois filhos e sem marido. Foi, sem dúvida, a beleza das suas curvas o que me atraiu nela e também a sincronicidade da sua cara ser vagamente parecida com a Sônia Braga, de quem eu possuía uma fotografia na capa do disco banda-sonora de uma popular telenovela brasileira. Como ela se dava com todos, eu comecei a dar-me bem com eles, com rapazes com metade da minha idade que me vendiam ganza e a quem eu dizia que me sentia jovem, com a força dos dezassete anos. Mas quando finalmente chegou o momento de a abordar, ela chamou-me de «senhor» e eu vi que nada seria possível entre nós. 
Foi aí que fiquei fodido de vez, o processo no tribunal não avançava, o dinheiro do subsidio não chegava ao fim do mês e tinha que mendigá-lo à minha mãe, o meu pai dizia que eu ia fumá-lo, além de tudo isto, tinha sido recusado por mais uma gaja. Reagi mal, nunca mais falei ou me aproximei dela, apesar de ela parecer ter agora algum interesse. Parecia-me interesse sem amor e eu fui-me abaixo, a fase eufórica terminara e há muito tempo que não tomava a medicação, tinha um novo conflito por causa disso com os meus pais, o novo psiquiatra nunca chegara e já se passara mais de um ano sem acompanhamento. Comecei a brutalizar-me e, do mesmo modo que falsifiquei a resposta num documento e tive alguns resultados, comecei a escrever cartas-bombas no caderno de linhas, com letra que mal se percebia, com palavras obscenas, insultos gratuitos, ameaças ao padre da paróquia, ao director de psiquiatria do hospital de Vallis, aos patrões em dívida, aos meus pais, e a todas as mulheres que me tinham desprezado em algum momento mesmo que também me tenham amado. Comecei a achar, e se calhar com verdade, que nunca tinha sido verdadeiramente amado, que todas elas, pelas quais eu sentia a culpa de as ter deixado e o remorso de estar hoje sozinho, só se quiseram aproveitar do muito que eu lhes tinha oferecido. Comecei a pensar que tinha sido o prostituto que elas tinham usado, comecei assim a demolir todo esse monumento de saudade que tinha construído para, em cima de cada pedestal, colocar uma estátua delas que perdurasse, comecei a insultar a minha própria memória, nada era mais válido, toda a minha vida era uma sucessão de farsas onde tinha sido usado e explorado e jogado para o lixo, a culpa já não era só minha.
Ter a consciência de que a culpa de ser burro na minha história não era só minha e de que, no fundo, «a saudade é uma flor roxa que nasce no cu dos trouxa» como me disse uma amiga recentemente, foi o que me tornou perigoso, comecei a querer vingar-me, a querer fazer mal, fisicamente, bem para lá da palavra escrita. Quando o meu pai me confrontou nas escadas uma tarde, eu chamei-o de paneleiro e levei a mão atrás da cintura para preparar um possível murro. Ele ignorou-me, foi telefonar, voltou, saiu com a minha mãe e irmãs de casa e foi passar a noite fora. «Tomei conta do castelo!» disse eu à minha vizinha no dia seguinte mas no fundo estava fodido, vinguei-me de me abandonarem assim à minha sorte e escrevi nas paredes de casa com lápis de cera dizeres inspirados nas atrocidades do Manson. Com a colaboração do meu cunhado e após uma tentativa falhada de me virem buscar, à noite foi de vez, os bófias conseguiram levar-me e entrava novamente no hospital, outra vez compulsivamente. Agora atribuíam-me psiquiatra, não o fizeram antes, não quiseram prevenir e quem se fodeu é quem sempre se fode: o doente e a sua família. Miséria!
Foi assim que a bolha surgiu e estourou na minha vida pela última vez. Se hoje estou relativamente bem de saúde mental, é porque, em Vallis, conheci uma mulher que também estava internada. Uma mulher que me deu o que eu precisava e a quem eu tentei retribuir, ajudando. Foi ao compreender que havia dores muito piores que as minhas que eu vi que sempre fora um menino rejeitado mas que nunca passara verdadeiramente fome de boca. Agora, eu e ela éramos companheiros de vida e de experiência. Se eu, ressabiado, dissera, no passado, que as mulheres me tinham condenado, era agora uma mulher que me estava a salvar e eu estava a lutar para a salvar a ela também. Não o consegui mas ficou a aprendizagem, fiquei a conhecer o outro lado. Ela salvou-me mas não foi o suficiente para que ficássemos juntos para todo o sempre. Que esteja viva, é o que lhe desejo, é tudo. Quanto à sociedade, paguei a minha dívida mas os cabrões, que ma fizeram contrair, que se fodam com o dinheiro que me ficaram a dever. Paguei a dívida de crescimento e educação para com os meus pais, compreendo o seu modo de vida mas não o aceito, em certos dias especiais os nossos destinos ainda se cruzam. Estou quites com as mulheres, os amigos é algo que desconheço. Não tenho mais internamentos para explicar. Deixo-vos com um palhaçada curiosa e cómica, entre tantas outras: a minha psiquiatra em Vallis perguntou-me se eu me lembrava de ter chamado paneleiro ao meu pai. Eu ri-me, ela era espanhola, e eu disse-lhe que sim, mas que em Portugal, um paneleiro era um homem que consertava tachos, «panelas comprende?» Arquivado.

( continua daqui)

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

My Drawberry profile as a painter under a client's commission

Drawberry.com is a platform where you can order your painting online. 





Desabafo

O mais triste de tudo é não haver sequer comunicação.
Uns chamam esquizofrénicos aos outros enquanto continuam a repetir ao umbigo a ladaínha do «eu descendo de jesus»; outros censuram comentários que não lhe interessam e, em casos mais extremos, desactivam o blogue quando os comentários se tornam incómodos; na maior parte dos casos recorrem à indiferença, simplesmente não respondem a um pedido de comunicação, remetem-se ao silêncio, deixam-me a falar sozinho, porque não dizem, simplesmente, «não gosto, por causa disto e daquilo»?
É como se não valesse a pena trocar ideias comigo, como se eu fosse de condição tão baixa que não mereço uma palavra, como se estivesse a pagar por eventuais erros e palavras no passado, é como se só falassem com os amigos e mais ninguém lhes interessasse.

Talvez só os seus amigos comprem os seus livros e, se calhar, nem esses, porque muitos desses amigos os recebem de graça e por oferta em casa, quando o carteiro toca à campainha. Talvez por causa de terem tão poucos amigos pagantes, se edite poesia com uma tiragem de exemplares cada vez menor.
Depois queixam-se que a poesia morreu. Abortam qualquer tentativa de comunicar e explicar, consideram-se tão grandes, talvez, que acham que a culpa é de quem os lê e não compreende o texto ou não concorda com ele.
Eu só me queixo de não ter pares que me considerem com altura suficiente para com eles trocar ideias.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Tentara recriar a crueldade que conhecera, sem se aperceber de que o mundo ansiava por fazê-lo no seu lugar

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-- Já não está.
-- Não? A tua exposição de carros sinistrados... Ninguém se apercebeu, mas foi isso que encenaste.
-- Com algumas alterações.
-- Sem alterações, Jim. Eu compreendo...
Não pela primeira vez, relacionava o seu último acidente com a minha exposição, implicando que eu servira de catalisador da sua irreflectida maneira de conduzir. No entanto, eu pensava que fora inspirada por ele. Recordava-me das suas deambulações ao volante pelas artérias de Londres, a conduzir da mesma maneira perigosa que experimentara pela primeira vez na longa recta de Moose Jaw até à base aérea. Nos derbies de demolição nos estádios em ruínas do este de Londres, ele e Sally haviam desafiado a morte.
As ruas de sentido único excitavam-nos para jogar numa roleta desesperada. Certa noite, dois anos depois da exposição, David conduzira na direcção errada na faixa para oeste da rodovia de Hammersmith com os máximos acesos para obrigar os carros que rolavam no sentido contrário a encostar à divisória de segurança. Uma violoncelista de meia-idade e o marido, confusos com a sirene do carro da polícia, não conseguiram parar a tempo. Ela perdera a vida, o peito esmagado pelo volante, e somente o comportamento alucinado de David após a detenção e o seu serviço no Quénia o salvaram da acusação de homicídio involuntário.
Em obediência a uma alínea do Serviço de Saúde Mental foi enviado, primeiro, para a unidade de custódia especial de Rampton e depois para Summerfield, a fim de ficar em observação. Seis meses mais tarde, sujeito aos tremores do largactil na sala banhada pelo sol cheia de mulheres em aparente transe e rabugentas, a recordação da morte da violoncelista ainda lhe batia à porta da mente. Eu apenas sentia preocupação por ele e a sua personalidade mais jovem, agora da idade de Henry, que emergira do seu campo de internamento japonês para o mundo do pos-guerra. Ele entendera as minhas necessidades, mas não conseguira interpretar as suas. Tentara, com hesitação a princípio, recriar a crueldade que conhecera na China em guerra, sem se aperceber de que o mundo posterior ao conflito ansiava por fazê-lo no seu lugar. O psicopata era santo.
Quando o visitei pela primeira vez em Summerfield David dissera, ao definir as regras da nossa relação:
-- Lembra-te disto, Jim. O que eu fiz na rodovia foi o mesmo que tu na exposição de carros sinistrados.
Agora as baixas dos anos sessenta regressavam a casa, aos hospitais dos combatentes, estabelecimentos de doenças mentais e clínicas particulares.
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, página 239-240

"A bondade das mulheres"
J. G. Ballard
Edição Livros do Brasil

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Ninotchka

A minha «crítica de arte» arranjou trabalho sazonal.
Está a bulir neste momento.
Estou contente por ela e sinto-me útil por haver ajudado a ela conseguir.
Obrigado mundo.

Festejemos portanto com Tuxedomoon: