quinta-feira, 28 de abril de 2022

Carolina Maria de Jesus

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Político quando candidato
Promete que dá aumento
E o povo vê que de fato
Aumenta seu sofrimento

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Em <Quarto de despejo>

Edição VS

terça-feira, 26 de abril de 2022

Um futuro cor-de-rosa

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Penso que McMurphy sabia melhor do que nós que as nossas expressões de duros eram só fogo de vista, porque ainda não nos conseguia arrancar uma verdadeira gargalhada. Talvez ele não compreendesse porque razão não éramos ainda capazes de rir, mas sabia que só se pode ser forte quando se vê o lado alegre das coisas. De facto, ele esforçava-se tanto por nos mostrar o lado alegre da vida, que eu ficava a imaginar se ele seria cego para o outro lado, se ele seria capaz de classificar aqquela gargalhada ressequida que nos saía do fundo do estômago. Talvez também os outros não fossem capazees de ver isto, como se limitassem a sentir as pressões de diferentes feixes e frequências vindos de todas as direcções, apostados em nos empurrar ou dobrar, de uma maneira ou de outra, e sentir o Sistema a trabalhar -- mas eu, eu era capaz de ver.

Assim como quando vemos as mudanças numa pessoa de quem estivemos afastados durante muito tempo, e as pessoas que contactam com ela todos os dias, ou dia sim, dia não, nada notam porque a transformação é gradual. Em todo o caminho, até à costa pude ver os sinais do que o Sistema havia realizado desde a última vez que eu tinha percorrido esta região, coisas como por exemplo -- um comboio parando numa estação e despejando uma torrente de homens crescidos em fatos iguais e chapéus feitos em série, homens despejados ali como uma ninhada de insectos todos iguais, coisas meio-vivas saindo da última carruagem, depois o comboio segue, lançando o seu assobio eléctrico, prosseguindo a sua marcha na terra árida para depositar, lá mais adiante, mais uma ninhada.

(...)

-- Nós até podemos arranjar um lobby em Washington -- dizia Harding -- uma organização NAAIP [N. do T: Associação Nacional para o Progresso dos Cidadãos Doidos]. Grupos de pressão. Grandes cartazes ao longo das estradas mostrando um esquizofrénico tagarela, manobrando uma máquina demolidora de prédios, com um letreiro bem legível a verde ou vermelho: «Empreguem os loucos». Temos um futuro cor-de-rosa, cavalheiros.

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páginas 320 -- 323

«Voando sobre um ninho de cucos»

Ken Kesey

Colecção Marginália 1

Composto e impresso na Tipografia Guerra -- Viseu e conclui-se em Dezembro de 1976


A este livro em segunda-mão, do qual transcrevo a passagem acima, foi arrancada a página referente aos créditos, e não sei quem editou nem traduziu.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Raia : Opuntia Books: Mother Mary fanzine

 Convido toda a gente que estiver por Lisboa

este fim de semana

a visitar a 

Raia -- Feira de edições alternativas em papel

(cartazes, livros e fanzines)


Vou estar presente como autor na banca da Opuntia Books

que me está a editar um novo fanzine chamado «Mother Mary»










quarta-feira, 20 de abril de 2022

Ovos da Páscoa na Paragem do Autocarro


 

«Ovos da Páscoa na Paragem do Autocarro»

desenho a lápis de grafite e caneta bic sobre papel de 300grms satinado

50cm por 70cm

2022

ZMB


terça-feira, 19 de abril de 2022

Em baixo, de Leonora Carrington

Fui resgatá-lo ao centro de distribuição do meu código postal, mas aqui fica a prova de que a embalagem chegou.
Leonora Carrington viajou até à loucura e voltou dela quando a maior parte de nós lá fica para sempre no oblivio, mas ela voltou e escreveu e pintou um mundo que só ela via, ela viu e deixou mundos maravilhosos.
Leonora Carrington continua a ser uma musa. Um agradecimento à Livraria Snob, bem haja.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Corpos Esquisitos 07


Com a música de Van Der Graaf Generator e a poesia de Peter Hammill

Na Rádio Paralelo online amanhã Terça-feira, dez horas da noite

quinta-feira, 14 de abril de 2022

Totó, consequência da guerra

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Lentamente a minha moral, a minha vontade tem vindo abaixo. Noto-o desde o início da guerra, pedir aos ucranianos que se rendam e aceitem a paz segundo os termos russos para que não morram todos e todo o mundo também só porque alguém carregou no botão nuclear é absurdo demais. 
A TV tem estado desligada, o meu pai não quer ver a guerra e eu também não, a TV é adictiva e faz-nos mal, deixa-nos nervosos, a minha mãe só quer ver a novela da tarde antes de ir para a loja da paróquia, o meu pai diz: e se eles mandam um míssil, e se nos invadem?
-- Bem, pai, a guerra não chega cá, mas vocês fugiriam para a aldeia, e eu teria de me fazer à vida e juntar-me a um grupo que os sabotasse, que os combatesse, eu não sei pegar numa arma mas algum lugar haveria para mim.
O meu pai não replica e continua a sua refeição em silêncio.
Outra coisa que me está a deitar abaixo é os CTT, tenho três encomendas enviadas há mais de um mês que ainda não me chegaram a casa enquanto uma em correio registado enviada depois já chegou, fiz perguntas e ouvi: o carteiro habitual está de baixa e não está a ser convenientemente substituído, o correio está atrasado, vá perguntar no armazém dos carteiros, fica por detrás do bairro.
-- Pois é, pai, os CTT eram do estado e davam lucro e dividendos, privatizaram-nos e agora os CTT continuam a dar dividendos mas já não dão lucro, fecharam postos de correio, freguesias inteiras ficaram sem agências, despediram pessoal, os preços aumentaram, o serviço piorou. Nem é pelo dinheiro que gastei nas encomendas, é mais pelos discos e livros que se vão perder no caminho, ontem, vi o carteiro substituto, ia de moto à chuva com as cartas no colo da moto, sei lá se ele acerta na nossa campainha ou se alguém não fica pelo caminho com os meus discos? Pelo menos, já contactei os vendedores, eles informaram-me que me contactarão se as encomendas voltarem para trás, eles informaram-me mas não todos, o único que não me respondeu foi o vendedor português... é pai!, somos um país de ladrões, queremos vender o nosso produto, receber a pasta e, depois, que mais ninguém nos chateie, queremos sempre fugir entre os pingos da chuva, a culpa nunca é nossa se alguém é roubado, a culpa nunca é de ninguém, e se se descobre um culpado verídico, este pede desculpa, diz que tinha fome, que o filho tem uma doença, que não fez por mal. E quem se lixa é o mexilhão consumidor.
E assim anda a minha moral, piorou há pouco mais de uma hora, eram seis e meia da manhã quando, como habitualmente todos os dias, tiro o balanço multibanco do hotel, enganei-me três vezes no código, o cartão supervisor ficou bloqueado, fiz a minha primeira grande merda da grossa nestes seis meses que levo de trabalho, agora o patrão vai ter de ir ao banco, vai demorar uns dias para o sistema voltar ao normal e nós temos a páscoa à porta e a casa cheia e o pagamento multibanco inactivo, por minha culpa!
-- Ó, senhor A, eu não tenho uma razão para o engano, fiz esta operação durante seis meses e hoje...
-- Ó, senhor Ru, nem a senhora T que é uma totó...
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Claudio Mur

sábado, 9 de abril de 2022

Mais livros resgatados de ser transaccionados ao quilo


Poesia 71, selecção de Fiama Hasse Pais Brandão e Egito Gonçalves

Cálamo, Walt Whitman

Ninfomaníacas e outras, Irving Wallace

Mais rápido que a luz, João Magueijo

As anedotas do Herman, de e ilustrado por Herman José

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Candido lima e Grupo Música Nova -- Le Chanteur du val - serezina


« Serezina (pássaro dos vinhedos) Da minha casa até ao mar corre um longo vale verdejante onde coros de pássaros, aves, ribeiros e tempestades passavam pela minha cabeça e me inundavam o olhar. Ao lado das minhas janelas eram minhas companheiras do dia a dia de infância, as serezinas. Eram pássaros coloridos e minúsculos que pairavam, em vôo e em canto sinuosos, aparentemente erráticos, nos arames, ou suspensos centímetros acima dos vinhedos. Aí construíam os ninhos e à volta deles esvoaçavam, chilreando freneticamente em ziguezague ininterrupto. Esse nome de infância encontrei-o nos livros, sob outras formas, com as mesmas sonoridades: "serin cini", e na tradução latina do léxico científico, "serinus-serinus". Em todos eles a perfeita onomatopeia deste canto em sons de altíssimas frequências, quase ultrasons, que retive na memória: "zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz!". Recriando atmosferas do mundo natural, há nesta flauta a mesma materialidade das flautas do órgão de tubos da igreja da minha aldeia, e a mesma memória das "flautas" de infância construídas com ervas dos campos, dos riachos e dos canaviais. Autobiograficamente, o título evoca "Le dormeur du val" de Rimbaud, provável fonte de "O menino de sua mãe" de Fernando Pessoa, fonte também de uma obra de carácter lúdico para coro de crianças de Iannis Xenakis. Esta partitura de "Chanteur du val - serezina", estreada no Centro Cultural de Belém, foi escrita a convite do compositor Pedro Maia no âmbito do Atelier de Composição, para o flautista António Carrilho, a quem foi dedicada. » Cândido Lima

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Das palavras à acção

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 «Ão ão temos fome Ão ão dêem-nos pão

Ão ão temos fome Ão ão queremos pão»

Eram estas as primeiras palavras que estavam escritas num caderno preto, que minha mãe me deu na hora da sua morte e me chamou para as últimas palavras e conselhos, disse-me que estas palavras estavam num caderno clandestino que seu pai, me avô, tinha escrito na altura das lutas contra o Sidónio na década de vinte do século vinte. Seu pai fora... seu pai, meu avô, seu pai fora... fora condenado pela polícia, pela justiça, por causa da sua luta intransigente contra o que já era uma ditadura, contra o que viria a ser o Estado Novo. Então, escreveu um livro na clandestinidade, uma espécie de panfleto, uma espécie de manifesto para os vindouros e deu-o a minha mãe dizendo: partilha, partilha as minhas ideias partilha as minhas ideias. E minha mãe deu-me o livro: o caderno preto de me avô e eu comecei a ler, a minha mãe morreu, o meu pai estava longe, na guerra, há anos que não sabíamos dele, minha mãe morreu e deixou-me num casebre, eu com catorze anos, sem meios de subsistência, eu gostava de ler, eu gostava de escrever, mas sabia que isso não me dava pão, senti a luta do meu avô: ão ão queremos pão, e eu agora não tinha dinheiro para a renda, minha mãe tinha morrido, meu pai estava longe, a minha mãe morreu e eu tinha que pagar a renda, como iria eu fazer isso, como iria eu evitar que o senhorio explorador não enviasse um ofício de despejo? Decidi passar das palavras à acção.

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Claudio Mur

sexta-feira, 1 de abril de 2022

É urgente aumentar os salários!

Na noite de sábado voltei ao horário nocturno e no domingo fui tomar café por volta das 4h da tarde com o Zé, estava uma bela tarde de sol, o Zé queria ver se arranjava piupiu, eu apenas queria desfrutar de uma tarde inteira livre, no horário anterior às 4h da tarde tinha de sair para apanhar o autocarro para o trabalho, agora é melhor, tenho mais tempo.
O Zé não arranjou o piupiu, soube-o quando o André lhe mandou uma mensagem perguntando pelo ivaucher, vieste na hora errada, disseram-lhe, ouvi também:
Há mais de dez anos, eu trabalhava no Algarve e o salário era de quinhentos, depois vieram os primeiros ucranianos e os salários não aumentaram e até baixaram porque os ucranianos faziam dois trabalhos por 500 euros, agora quem quer trabalhar por 600, 700 euros?, vêm aí mais ucranianos e andam-lhes a arranjar trabalho, e os portugueses?, eu não me custa trabalhar, eu gosto de trabalhar, agora o que me custa é trabalhar toda a semana e o dinheiro não chegar para me divertir no fim-de-semana...