terça-feira, 30 de agosto de 2022

Molde protésico da boca do pintor




Já estou a tratar dos papéis para que daqui a 500 anos este modelo da estrutura maxilar que está a dar origem a uma prótese dentária
realizada pelo doutor Sérgio
a pedido do proletário Ru
seja vista e admirada pelas gentes de então na companhia das mais importantes figuras do Estado.
Lol ou Lola :D


variação II, seguindo a partitura de João Jaula
Convido todo o mundo para visitar a futura exposição daqui a 500 anos na igreja da lapa onde poderão apreciar na companhia do presidente da câmara este sublime modelo protésico da boca do pintor ZMB

adenda dia 31, o dia depois:
uma amiga diz: 500 anos!? Fónix
eu respondo: masatão eheheh metêmo-nos dentro de uma urna de alcóol [para conservar bem] e hibernamos como os ursos (...) e depois, o Marcelo acorda-nos para nos dar um beijinho e a mão para entrar na exposição
a amiga responde: completamente, só faltava esse credo
eu explico: foi só para ser tétrico
ela remata e eu ponho gósto no golo: eu percebi, é o «vai a todas»

sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O meu presente é tão diferente deste meu passado que não quero esconder

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A lama cheia de estrelas


Eu finalmente decidi que

Estava numa guerra não declarada com a maioria das pessoas do mundo que conheci.

Eu finalmente cheguei

A um ponto de escape através do anel púrpura do colapso.

Dado que o mundo neste momento me está a ser apresentado

como uma corporação de diferentes maneiras ou diferentes estradas para seguir

ao fundo do anel púrpura do colapso.

Um: ser retirado deste mundo regular e então considerá-lo como um todo,

uma clara e distinta unidade e seguir em frente para encontrar núcleos mais ajustados à minha mente.

A outra: tentar integrar o meu ser nesta muito mais próxima unidade,

Reconstruir relações com familiares e amigos, outros amigos nem tanto,

Permitindo que velhas injúrias sejam esquecidas e ódios sejam derretidos e novos acordos

Idealmente numa base de aceitação de diferentes opiniões, maneiras de fazer a vida,

Todos os princípios chave entre todos… pelo menos todas as pessoas desta unidade nuclear.

Tendo o meu ser se encontrado desclassificado de uma tentativa com sucesso na segunda via

Eu decidi que o compromisso não era mais possível, o mundo parece um vazio absoluto.

À minha porta lá apenas apareceram chulos, chupa piças, chicos espertos e pequenas meninas assustadas.

Aquelas que não se assustaram mandei-as embora,

As que ficaram eu recebi-as através de som.

Com a música eu inventei um novo conjunto de memórias cheias de brilho

Mais do que espremidas num sentido de perdição e perdido eu estou.

Então parece uma boa solução o apenas cobrir a lama com estrelas.

Quando tu perdes o teu trabalho, o teu amor, a tua fé,

Apenas (a)parece a conclusão natural para todas as coisas ferais:

Subir ao inferno e ficar só finalmente.

Eu penso que a causa de morte foi suicídio.

Eu não quero ser o profeta. Porque não me deixem vocês simplesmente em paz e só?

O mundo não tem tempo para decidir além da aparência.

Um dia eu finalmente estendi numa tela esta pintura

Mostrando carris, um comboio e um corpo na linha: the starlit mire.

No dia seguinte li no jornal que uma mulher e a sua filha já maior de idade…

Elas decidiram caminhar para a linha de comboio depois de uma viagem de táxi

Desde casa para cortar as suas vidas na linha de comboio.

Eu não sei mas este tipo de sincronicidade é frequente na minha vida,

É só estar atento, eu não sei mas desde o dia 1 do desenvolvimento do cérebro,

Talvez desde que o gorila tentou resolver um problema e uma luz se acendeu

E um primeiro começou a pensar,

Talvez desde esse dia deus nasceu como mito.

Eles não podiam ser ateus, apenas o conhecimento deu origem a ateus.

Eu gosto de me preocupar só com os meus assuntos.

O mundo não aceita a minha estupidez, não me dá segundas oportunidades.

Não me vale de nada dizer que fui eu que me pus fora.


… é a minha versão em português do título the starlit mire.

The starlit mire was a book I have never read by a writer english I don't know the name now and it was also a book that contained ten or so drawings by Austin Osman Spare, some drawings alguns desenhos que eu tinha no meu computador e que já não me lembro deles porque em princípio o meu disco externo se fodeu, devido à minha incúria prontos. Mas isso são desgraças que agora não valem a pena estar a contar.

Mas voltando a starlit mire, a lama cheia de estrelas era um livro e tinha imagens do meu avó sideral. E aqui está mais uma história que talvez mereça ser contada mas agora a questão da siderealidade. Tu adoptas-te… não é, não são os teus pais que te adoptam, tu adoptas os teus pais. Tu escreves que Austin Osman Spare é o teu avò sideral… prontos, mas como é que tu sabes? que és neto sideral de uma pessoa… que pinta ou pintou, que escreveu, que era inglês e tu és português e não consta que as borboletas ou as almas transmigradas voassem de continente ou da ilha para o continente. Mas a ilha nem é a ilha da madeira, é quase certo que Austin Osman Spare nunca saiu de Inglaterra. [És um mentiroso, ele foi um desenhador oficial na primeira guerra mundial] Portanto, acho que as borboletas… não voam por cima do canal da mancha ou talvez voem mas não dobram a costa da Bretanha toda pelo oceano atlântico abaixo para chegar à capital do norte de Portugal. O portus cale.

Prontos mas estou a divergir muito do assunto que me volta a atasanar o sono e pelo qual não estou a dormir. Foi necessário que eu pegasse no minidisk… e começasse a falar sozinho para o microfone porque a lama cheia de estrelas dum autor que nunca li e gostava de ter lido, um autor do qual não sei o nome, neste momento me esqueci, e dumas fotografias [desenhos] que ficaram como imagem nebulosa mas cheias de significado de Austin Osman Spare, a transmigração das almas. Tu queres ser uma alma transmigrada. Tu não queres perpetuar a tua alma, tu queres que a tua alma se transmigre em alguém, tu no fundo queres fazer um filho. E só agora te dás conta que os pintores adoram a imagem. Estão fascinados pela imagem. A imagem é a representação de uma ideia que se quer real e os pintores apaixonam-se por uma imagem como se ela fosse o seu filho que desejassem real. E o problema é que às vezes acreditam que a imagem se torna real. Eles adoram às vezes interrupções involuntárias e momentâneas do real, querem que a sua tela pegue fogo e daí saia um ser vivo que transmigre a alma do pintor… para um novo ser de carne e osso.

Eu não sei se o que estou a dizer faz algum sentido ou se tem lógica. E também é verdade que é o contrário do que estava a pensar há bocado antes de ligar o minidisk. A verdade é que isso não interessa para nada. A verdade é que eu há bocado antes de ligar o minidisk estava a pensar que eu agora controlo o meu pensamento e sou uma autoridade para o meu pensamento. Eu antes pegava na caneta e no caderno preto, de quadradinhos ou de linhas, e começava a escrever. E não precisava de parar… porque… a minha escrita esperava pelo meu pensamento no ritmo certo e eu escrevia ao fluir do meu pensamento. E provavelmente nada do que era escrito fazia sentido. Mas eu na altura não pensava nem queria pensar nem tinha conhecimento… de nada. Apenas tinha, apenas tinha uma fonte dentro de mim que jorrava pensamento atrás de pensamento. Eu não controlava, não era autoridade para o meu pensamento. E eu agora tenho o superego adamastor a foder, a indrominar-me o id sebastião. O id sebastião que quer ser transmigrado do mesmo modo que se adaptou, do mesmo modo que adoptou um avô sideral. Ele quer perpetuar a sua história que se continua repetidamente a repetir só porque meteu na cabeça… que podia adoptar um avô e daí um pai ou vários pais e agora ao ler nestes últimos dias O trágico sentimento da vida de Miguel de Unamuno onde os primeiros três capítulos preparam a imortalidade da alma e dizem que no homem o instinto de sobrevivência passa do estômago para o cérebro. Querem se preservar no tempo os homens. Não querem morrer de fome mas quando a fome acaba querem ficar na história, querem transmigrar a sua alma para um filho, para uma obra de arte. E o pintor do mesmo modo que um pai que se apaixona pela mulher, pelos filhos que nascem e vêem neles aquilo que foram e querem que… que quiseram ser… e se apaixonam pelos seus filhos meninos e meninas de carne e osso com todos os defeitos e virtudes… e o pintor também se apaixona mas não é por um filho, ou melhor, vê o filho na imagem pela qual se apaixonou. O pintor pinta o filho que nunca quis ter. ou seja há aqui uma contradição.

O meu pensamento era torrente de consciência e a minha mão ajustava-se à velocidade do pensamento e eu escrevia. Palavra após palavra virgula após vírgula. Não precisava de pensar, simplesmente escrevia como no filme onde se fala do escritor Forrester que dizia ao seu aluno Will Smith: escreve apenas. Pega numa caneta e escreve. Eu quando vi esse filme cheguei à conclusão que eu primeiro vivi e só depois tomei conhecimento. Eu vivi os momentos sem saber que eles eram históricos. Eu vivi os momentos sem saber que os momentos eram apenas transmigrações das almas passadas. Ou se calhar não vivi nenhum momento e apenas imaginei que vivi e tomei conhecimento mais tarde ao ler muitos dos momentos que vivi e li em livros que foram editados anteriormente aos momentos que vivi. Ou então não é nada disso. Ou então… eu apenas tive a ilusão eu queria que a minha alma ou a minha história se adapte à corrente histórica da tradição ou clássica da literatura ou da arte, eu quero pelo simples acto de me apaixonar por uma imagem: a lama cheia de estrelas.

Eu vivi a lama cheia de estrelas. Eu fiz um quadro chamado de The starlit mire baseado na lama cheia de estrelas que eu vivi. Eu pintei a minha versão da lama cheia de estrelas, desenhando-me estendido na borda do carril, imagino-me que o pintei como se fosse real e transmitisse a verdade que vivi no momento em que vi o céu azul com estrelas, o céu azul prussiano. Lama cheia de estrelas e silvas e um cachecol cor-de-laranja. Pequenas estrelas e pontos num azul prussiano do céu na noite sem candeeiros numa linha de comboio no meio da paisagem nocturna de silvas e lama não chovia mas era como se houvesse lama e luas e foram três segundos em que eu não vivi ou vivi e não tive consciência. Porque os meus olhos fecharam durante nem sei se foram três segundos, foi o apagão momentâneo. Momentâneo mas que depois eu vi a lama cheia de estrelas no céu. E eu pintei a imagem como se mostrasse alguém que não eu e um comboio a aproximar-se, eu pintei a imagem de alguém que não eu como se estivesse a disfarçar que eu próprio… no entanto, eu na realidade… não pus mas a imagem que eu pintei e pela qual me apaixonei, pela qual hoje não consigo dormir por me ter lembrado dela, eu na realidade tentei pôr a cabeça no carril quando senti eu vi as luzes ao longe do carril o comboio a aproximar-se. Pensei aproximei-me mas não o suficiente porque não quis, porque já tinha dado o salto e já tinha visto a lama cheia de estrelas e não tinha morrido. Ou talvez tivesse morrido porque houve ali três segundos dos quais eu não me lembro. De olhos fechados atirei-me pela porta do comboio aberta para o escuro e de olhos fechados acordei não sei quanto tempo depois e vi a lama cheia de estrelas no céu azul prussiano. E acordei com silvas e um cachecol cheio de arranhões de sangue e um joelho um pouco amolgado danificado e já nem sei o que pensei. Quando abri os olhos. E nem sei se morri, se estou numa segunda, num segundo sonho, num segundo sonho porque houve outros sonhos posteriores mas não… mas também relacionados com… a lama cheia de estrelas da comunidade, o segundo sonho começou com a primeira vivência da lama cheia de estrelas, foi in di vi du al… foi a minha uniquês, a minha singularidade [como ateu esquizofrénico eu não acredito em deus eu sou deus].

Eu estava a dizer e a pensar antes de ligar o minidisk que os macacos não tinham conhecimento da lama cheia de estrelas porque os macacos não sabiam olhar para o espelho e se verem eles próprios no espelho e tomarem conhecimento que aquele macaco era ele próprio. Também é verdade que no tempo dos macacos não havia comboios. Mas também é verdade que não havia ninguém a foder a cabeça ao macaco. O macaco não precisava de se pentear e de olhar para o espelho. Mas houve um dia que o macaco começou a pensar: bem… as alterações climáticas fazem com que eu tenha frio. Tenho de arranjar maneira, já que não ganho mais pêlo, preciso de acender o isqueiro, mas como é que eu vou arranjar um isqueiro?, diz o macaco. Mais vale pegar em duas pedras e fazer o fogo. E então aí o macaco começou a pensar e quando ligou duas pedras e viu a faísca assustou-se, que deus é este? E o macaco começou a pensar… mas este deus é fruto do meu trabalho, eu que até aqui trabalhava sem saber que trabalhava, que escrevia apenas o que julgava que a minha consciência de macaco percebia e já era pensante. Foi a partir daí quando o macaco descobriu que conseguia fazer o fogo, foi aí que começou a ver que era forte e que era macaco. Começou a ver que afinal de contas já havia tantos filhos macacos que tinha posto no mundo. Então viu que os outros macacos eram ele próprio, eram filhos dele e todos pareciam ele. E então comparou-se com os outros macacos e viu… viu o quê?, não viu nada, eu estou a dizer que ele viu mas o que é que ele viu?, o que eu queria dizer é que na altura dos macacos não havia comboios. Mas os macacos eram livres. A única coisa para que os macacos vivem é para comer. Um macaco não se importa de ficar, de ser eterno, só quando o macaco descobriu o fogo é que teve a consciência de deus e quis ser deus e começou a pensar, teve consciência de que existia e começou a pensar em arranjar maneiras de existir, ou seja, em maneiras de se conservar, de se perpetuar. Se existia logo tinha de pensar. Por ter consciência de que existia ele começou a pensar, e ao pensar logo existia. E assim pensou e surgiu o amor, tornou a construir o espelho, tornou não, construiu o primeiro espelho e surgiu Narciso. E a pantera é o reverso do narciso. Foi só a partir do momento que começou a pensar que fez o fogo para se aquecer, que o macaco teve consciência que podia ficar na história, que podia transmigrar a alma de um macaco para um homem de um homem para um artista de um artista para um f… neto adoptado para uma imagem e o macaco apaixonou-se tal como todos se apaixonam por uma imagem. O macaco acreditou e tornou-se crente, crente em algo que chamou deus sob vários nomes, podia ser o deus do fogo, podiam ser outros deuses e elementos naturais e isto tudo a propósito dos três min… segundos em que eu pareci nascer para um segundo sonho que não sei se é real.

E tudo isto para dizer que eu vivi morri e penso que já estou morto e que sou um fantasma que andou e continua perdido à espera da verdadeira imagem que vai voltar a fazer faísca e permitir que um terceiro sonho aconteça e um quarto sonho. Mas o problema que o pintor macaco eu macaco pintor após muita literatura que confirmou de um modo expressivo as vivências que eu próprio vi acontecer em frente dos meus olhos que muitas vezes depois se voltaram a fechar por três segundos apenas… eu ao ter confirmado pela leitura que muitos dos meus pensamentos já outras pessoas tinham pensado faz-me pensar que, de facto, eu não adoptei um avô e que, de facto, os meus avós escreveram para que eu pudesse existir. Cogito ut sim mur. Eles escreveram eles fizeram imagem eles tiveram amor ao fazer essa imagem, essa imagem tornou-se obra de arte, um meme que foi passado por um vírus retro-alfa no futuro, numa borboleta que terá passado por muitos continentes e muitas ilhas e muitas rochas púrpuras à qual talvez apenas por acaso eu, o pintor macaco, me agarrei como um náufrago só naufragado há muito de um navio fantasma, a minha vida foi uma fantasia, um sonho que desejei e já não sei se real ou irreal, eu quando escrevi o pintor R. a acordar aos cinquenta e um anos e a dizer que aquele vermelho era irreal, quem me diz que eu de facto escrevi «real» ou «irreal»?, se eu hoje quando olho para o espelho da minha consciência e reflicto o pormenor que escrevo antes de o escrever penso que devo escrevê-lo e ele fazer sentido, como hei-de saber se de facto na altura eu cria e se na realidade a imagem que eu estava a representar era irreal, se eu hoje escrevo vinte anos depois que agora adoro as interrupções momentâneas do real, toda esta filosofia diz que eu estou em contradição com o que fui quando escrevi «o pintor R. acorda com cinquenta e um anos e fuma o seu velho tabaco dos velhos águia» e eu hoje não sei de facto o que é que o pintor R. vai fazer quando acordar aos cinquenta e um anos. Se ele hoje diz que adora as interrupções momentâneas do real só quer dizer que o que eu escrevi há vinte anos não era real. E então aí se calhar eu evoluí de uma contradição para uma coerência, uma coerência contraditória e já nem sei o que digo mas a palavra que me surge é evolutivo reflexivo, eu já nem sou revolucionário nem reaccionário, sou reflexivo e tenho pena de pensar tanto.

Tenho pena de estar aqui há não sei quanto tempo a dizer coisas que não percebo como se estivesse a tentar pensar ao som do meu pensamento e dar voz ao meu pensamento em formato torrente de consciência porque apenas estou com frio, são três da manhã e não pude ir ver o reggae porque havia um elemento de segurança a revistar as carteiras e as malas de toda a gente que queria ir ver o reggae. E que talvez fosse encontrado algum produto que não devia estar talvez na ideia do gis na mala daquela pessoa, e então o que eu fiz foi… eu que queria ir ver o reggae e dançar… o que eu fiz foi de facto poupar o meu dinheiro e vir-me embora desiludido e revoltado com a autoridade que não deixa as pessoas gastarem o seu dinheiro e divertirem-se umas horas. E eu no fundo, a lama cheia de estrelas tem a ver com uma revolta contra a autoridade e ponho-me a pensar: porque é que eu não me calo antes da coisa acontecer, eu dou muita bandeira, eu dou muita bandeira, eu ponho-me a falar alto de coisas que gostaria que pudessem ser aceites pelo gis, mesmo estando a falar em sítios onde não está ninguém a ouvir eu falo da minha ideia de liberdade e de poder fumar um charro. Mas depois horas mais tarde quando vou entrar no reggae vejo um elemento de segurança que nunca tinha visto na festa anterior e nas festas todas anteriores de reggae às quais eu podia ter ido e fumado e hoje eu queria ir uma dessas festas para que estivesse três horas a dançar e a divertir-me. E a autoridade fez com que eu não entrasse e viesse para casa com a intenção de dormir mas comecei logo a falar sozinho, a dizer: caralho meu!, tu se estivesses calado talvez o agente do gis não aparecesse e as pessoas não fossem revistadas e lhes fosse apreendido o produto e tu poderias também ao mesmo tempo entrado e o teu produto não ser confiscado e poderes ter dançado, fumado e divertido, e agora estás aqui e não consegues dormir porque tens na cabeça a psicose de que os teus olhos e a tua voz estão a ser gravados por uma câmara teleológica e um microfone… mas quem põe o microfone?, onde está esse microfone?, tu às vezes até pensas que o teu pensamento está a ser escutado. E eu não sei de onde surgiu esta ideia. A lama cheia de estrelas.

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Claudio Mur

quarta-feira, 24 de agosto de 2022

La carta - Violeta Parra.

Abajo los muros
Abajo las prisiones
Abajo la guerra



Violeta del Carmen Parra Sandoval (San Carlos, 4 de octubre de 1917 - Santiago de Chile, 5 de febrero de 1967) fue una cantante, compositora, pintora, escultora, bordadora y ceramista chilena, considerada por muchos la folclorista más importante de Chile y fundadora de la música popular chilena. Era miembro de la prolífica familia Parra. El aporte de Violeta Parra al quehacer musical y artístico chileno se considera unánimemente de gran valor y trascendencia. Su trabajo sirvió de inspiración a muchos artistas posteriores, que continuaron con su ardua tarea de rescate de la música del campo chileno y las manifestaciones constituyentes del folclore del país y de Latinoamérica. Sus composiciones propias han sido elogiadas por críticos de todo el mundo, tanto por su compleja elaboración musical como por sus letras poéticas, ingeniosas y socialmente comprometidas. Sus canciones han sido versionadas por gran cantidad de artistas en Latinoamérica y el resto del mundo.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

S' Express -- Superfly Guy -- Blow me another lollypop


Last two tracks from side 1 of the 1st album by an acid dance groundbreaker act from 1989 called «S'Express» (This record here: https://www.discogs.com/release/39889-SExpress-Original-Soundtrack )
Back in the day I was 16 and have not many friends so I had to rely on music to feel secure and optimistic. Some of my friends were recording to me Pink Floyd tapes and they were great for me and provided a way of escaping suburban youth life by means of alienation: I would become so immersed on Pink Floyd music that I'd forget the real and outer world. But when I discovered on the radio new sound acts making music, bands like S'Express, Bomb the Bass and Coldcut, I felt like a rush of energy flowering into my youth life, I was not good at the english language so I wouldn't know what they were singing, but I would go out singing the refrains of the songs I listened on the radio spelling the words badly, making fun of myself, madly but happy. I do not own copyright on this file Only for educational purposes on the subject of Youth Music

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Trinta galinhas, foi o que disse aquele filho da mãe!

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-- Eh!, pá, deixa-te disso! Entras tu que estás prático em palmar galinhas. A propósito, as gajas não fazem cagaçal? -- perguntou o Cabeçudo.

-- Não -- disse Tomás -- se estiverem no escuro não fazem barulho. Só se se acender uma luz. Às escuras fazem có có có, muito baixo. E além disso se são galinhas cristãs, católicas, devem portar-se decentemente. Não te parece?

O Macaco encafuou-se lá dentro, roçando a barriga pelo buraco. Tomás seguiu-lhe o exemplo e foi-lhe no encalço.

Acenderam a pilha quando se viram dentro do galinheiro. Este estava cheio de palha e via-se ainda um par de cestos rotos, uma gaiola, mas de galinhas nem o cheiro.

-- Parece-me que estão na outra divisão. Não tás a ouvir?

-- Raios te partam! -- refilou Tomás. -- Também antes as ouvias!

Arrombaram a vedação e passaram para o outro lado. Havia ali, dentro de uma divisão de rede, apenas uma galinha.

Tornaram a acender a pilha e descobriram um ovo dentro de uma cesta. Tomás fez-lhe um furo e bebeu-o num gole.

O Macaco procurou interrompê-lo:

-- Porra, dá-me um m'cado! -- disse, raivoso.

Tomás apontou-lhe a galinha e aconselhou:

-- Olha, pá, mete-lhe o dedo no cu e vê se tem outro lá dentro!

Aproximou-se e abafou a galinha, que, no escuro se deixou apanhar, fazendo có có có, muito baixinho. Tomás torceu-lhe o pescoço com tanta força que quase ficou com a cabeça dela na mão.

-- Ó artolas, porqu'é ca mataste? -- protestou o Macaco. -- Nessa pegava eu, punha-a no jardim e tinha um ovo todas as manhãs!

Tomás estava tão furioso que preferiu não dar resposta.

O cancelo daquela divisória estava aberto, não havia necessidade de se arrombar a parede para se passar para lá.

O Macaco acorreu, todo contente:

-- Eh pá, as galinhas estão deste lado! -- disse, empurrando o cancelo.

Passaram para a terceira divisão e encontraram ali quatro galinhas. Agarraram-nas e tiraram-lhes o chiadoiro.

-- Vamos arrombar esta parede! Mas para onde raio terão ido as galinhas? -- disse o Macaco, desiludido por só terem encontrado quatro.

-- Vamos masé imora! -- atalhou Tomás, furioso -- , porque daqui a um m'cado começam os padres a dizer a missa. 

Saíram do galinheiro e o Cabeçudo já não estava no sítio onde o tinham deixado.

-- Toca a andar! -- comandou o Macaco. -- Mas onde se terá metido aquele paneleiro do Cabeçudo?

Começaram a meter tudo dentro do colchão, a ferramenta mais as galinhas, quando o outro sócio apareceu.

-- Nada -- disse ele ao aproximar-se. -- Tinha visto um tipo passar e fui ver pronde ia. Então as galinhas? -- perguntou depois quase sem cor, por via da desilusão ao ver o saco que tinham trazido para as levar.

-- Mas onde é que estão as galinhas? -- repetiu, o desespero estampado nos olhos.

Respondeu-lhe Tomás, num ataque nervoso que lhe punha tremidos na voz:

-- Mas quais galinhas, qual carapuça, se nem borboletas havia lá dentro?

O Cabeçudo não tirava os olhos do Macaco, ocupado em arrumar a tralha.

-- Mas como é? -- perguntou, voltado para ele, não conseguindo resignar-se, antes pelo contrário, cada vez mais agitado. -- Então tu dizias que era coisa para umas duzentas a trezentas e onde quelas estão? Parece que vihas pràpanhar anos de prisa em vez de galinhas, é o que é!

(...)

-- Ouve lá, porqué qu'havemos de dar todas as galinhas ò Macaco? Ó pá, comemos uma cada um e com uma galinha no buxo quem passa a Páscoa melhor ca gente?

(...)

Chegaram diante da casa do Macaco e chamaram por ele. Estava a dormir, como tinha uma miúda em Ponte Mammolo e ela mais a futura sogra eram mesmo católicas das antigas, tivera de se levantar cedo e ir à missa co elas, morto de sono.

Voltara a casa, tornara a deitar-se, adormecendo num instante.

Tomás e o Cabeçudo despertaram-no:

-- Então as galinhas, pá? Não nos passas as nossas?

-- Dei duas à m'nha mãe -- explicou o Macaco, estremunhado, com uma cara esquisita, acizentada -- e deixei as outras duas lá na rua Casal del Pazi.

Mirou-os um momento com o rabinho dos olhos, uns olhos que lhe começaram a rir, a rir.

-- A propósito -- estoirou a rir como um perdido --, a propósito, vocês querem saber o que disse o padre lá na missa?

E toca de novo na risada, sem conseguir acrescentar palavra.

Os outros sabiam muito bem que ele costumava ir à missa mesmo no sítio onde tinham dado o golpe, três horas antes. Por isso olhavam para ele, já todos satisfeitos, à espera da piada que dali saíria.

-- Pois o padre -- começou o Macaco a contar logo que conseguiu acalmar-se um bocado -- disse que esta noite lhe tinham roubado trinta galinhas, que ladrões sacrílegos se tinham metido no galinheiro e aquelas almas perdidas lhe tinham roubado trinta galinhas, a ele, que vive da caridade! Trinta galinhas, foi o que disse aquele filho da mãe!

Os olhos do Tomás e de Cabeçudo brilhavam de puro gozo por terem sido falados durante a missa e diante daquela gente toda.

-- Ó Tomás, tás óvir? -- disse o Cabeçudo. -- Nós somos piores qu'o Tinela!

-- Olha lá -- propôs Tomás -- queres ir à missa pra ouvir o que diz o gajo?

Foram a butes até Ponte Mammolo e não se contentaram a ouvir a prédica da segunda missa. Assistiram também à última, a do meio-dia.

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páginas 115 - 120

«Uma vida violenta»

Pier Paolo Pasolini

tradução de José Manuel Calafate, com a colaboração de João da Fonseca Amaral

edição Portugália

terça-feira, 16 de agosto de 2022

Insulto capitalista

-- Ouvi dizer que é ladrão. O que tem a dizer em sua defesa?
-- Eu mandava-o à merda mas como estou cheio de medo de você me meter um processo vou só mandá-lo àquela parte, quanto ao mais: beijinhos ao cão, sempre às ordens, seu.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Ainda dizem que temos de aturar os velhos!

Eu deixei de escrever sobre a dona A, a cega que habita no hotel onde trabalho, no início deste ano porque uma jornalista da televisão a descobriu na rua e lhe disse que a sua vida mudaria para melhor depois de o canal de televisão transmitir a entrevista que com ela fariam.

Eu pensei: será que os meus textos chegaram ao conhecimento da televisão ou será que a jornalista se emocionou quando viu uma cega mal vestida na rua a pedir e com ela chorou a história de vida? 

Tive então de matar a personagem dos meus textos e deixar que a televisão tomasse conta do assunto.

A dona A durante o mês de Janeiro andou toda contente, nem sabia com que canal de televisão ia falar mas disseram-lhe que ia ao programa da tarde contar a sua história, contou-me a mim nesses dias que iria dizer na tv, por exemplo, que uma vez a meteram num avião para ir ver o papa a Roma, mas sentiu-se mal durante o voo tendo sido assistida e tratada «no melhor hospital de itália» lol

Pois, a jornalista bem tentou que o hotel deixasse os repórteres de imagem filmar o seu quarto, o que nós não deixamos porque não se veria um quarto, veria-se um repositório de sacos com coisas e comida que lhe dão as pessoas que têm pena dela, comida quue ela não pode cozinhar e que apodrece dentro dos sacos deixando o quarto com um cheiro nauseabundo, filmar este quarto ajudaria as audiências do canal mas causaria má impressão do hotel. Pois, a jornalista tentou filmá-la a sair do hotel de manhã mas a dona A não quis porque não quis dar a entender para onde ia pedir.

Eu penso que o canal de tv queria lançar a bomba em cima das eleições e com a entrevista à cega prejudicar o partido do governo anterior denunciando a sua culpa por um erro médico ter cegado a dona A, como a dona A não colaborou no esquema porque é desconfiada de tudo e de todos, não foi possível largar a bomba e andaram Fevereiro a dizer-lhe: esteja atenta, é para a semana que passa. Mas veio a guerra da Ucrânia e a dona A deixou de ter importância mediática e afinal, já não era possível engavetar o Costa, ele tinha ganho por maioria absoluta, mas foram-lhe dizendo ao telefone: esteja atenta, é para a semana que passa. Uma vez, a dona A ameaçou a jornalista por telefone lançando-lhe uma praga de mal-olhado, sim a Dona A, que quando se descalça no quarto mete os pés em cima de dois sacos de sal para que os feitiços se descarreguem e sejam esconjurados, banidos para a terra.

Acabou por passar em Abril, relegada para o fim do jornal da tarde, ela nem ouviu, ela estava a dormir, mas houve pessoas que lhe disseram que passou na tv, enfim teve cinco minutos de fama e hoje continua a ser a mesma velha estúpida que acredita em bruxas como a maioria dos velhos semianalfabetos que ainda existem em portugal apesar de todos os domingos ouvir a missa na televisão. Hoje continua a mesma velha estúpida a quem o estado está a pagar o apoio judiciário para meter um processo em que exige receber o rendimento mínimo além da reforma, apesar de as más-línguas dizerem que a dona A tem uma casa nas Amoreiras em Lisboa, hoje continua a ser a mesma ignorante estúpida que pensa que contratou um criado para lhe aquecer as sopas da noite, lavar os taparueres, abrir-lhe a garrafa do vinho, regar-lhes os vasos da janela, contar-lhe o dinheiro para no dia seguinte ela pagar a sopa, por roupa na corda e apanhá-la da corda quando seca, acordá-la às seis da manhã, ir lá às oito e limpar-lhe o lixo do chão, às vezes apertar-lhe o soutien porque ela não dá com os botões e ainda levá-la à rua quando eu termino de manhã o meu turno e por isso perdendo muitas vezes o autocarro por causa dela... é!, ela pensa que contratou um criado mas o patrão do hotel ainda hoje lhe disse: eu só lhe aluguei um quarto e não um criado, veja lá se trata bem o meu funcionário. 

O patrão a mim hoje disse-me: ela não o respeita.

Pois é, eu só a respeito porque tenho um trabalho para cumprir e não quero criar má-impressão nos outros hóspedes, ou seja, contenho-me a minha ira perante a cega e tento tratá-la bem mas ela não percebe e ainda hoje de manhã me insultou mesmo perante o patrão e quando eu lhe dava a mão para sair do hotel descendo a escadaria de entrada, tive quase para a deixar cair na escada com os nervos que estava, mas apenas lhe berrei: Olhe O Degrau!

Mas talvez se ela batesse com os cornos no chão talvez aprendesse a respeitar quem lhe dá a mão para não cair, mas se isso acontecesse haveria de haver algum ótario/a da sociedade civil que iria verter umas lágrimas quando ela contasse o acontecido e quem se fodia era eu.

Para aumentar a estupidez da grunha, convém dizer que já lhe ofereceram três bengalas e ela nunca usou nenhuma, prefere pedir aos desconhecidos que passam na rua para a levar pela mão, a ela e ao saco de merdas que ela traz sempre consigo para parecer pobre e lhe darem dinheiro na rua. Nunca a vi sem dinheiro e todos os meses alguém lhe paga a renda. Eu trabalho e não ganho para morar num hotel se precisar. Ela deve ter um biberão escondido sempre a dar leite.

Ainda dizem que temos de aturar os velhos! Se eu fosse dono do hotel já a tinha posto na rua.

 


quinta-feira, 11 de agosto de 2022

terça-feira, 9 de agosto de 2022

O trono de Deus

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Depois disto vi um rasgo aberto no horizonte e a voz que antes ouvira falar-me como uma trombeta, disse: «Olha para o Cubo e mostrar-te-ei o que deve acontecer depois disto». De repente elevei-me dentro do Cubo e vi um trono onde um Cifrão pairava.

O Cifrão que pairava era semelhante a uma pedra de jaspe e sardónio, e um arco-íris circundava o trono, com reflexos semelhantes à esmeralda. Ao redor do trono, havia outros cento e oitenta e nove tronos sobre os quais estavam sentados cento e oitenta e nove Chefes de Estado, de fato e gravata, com satélites sobre as cabeças. Do trono saíam relâmpagos, vozes, trovões, e, adiante dele, brilhavam noventa e sete lâmpadas ardentes, que são as noventa e sete grandes multinacionais.

Diante do trono havia ainda como um mar de vidro semelhante ao cristal. No meio do trono e à volta dele, havia cinco Animais, constelados de olhos por diante e por detrás. O primeiro Animal era semelhante a um economista, o segundo parecia um político. O terceiro era como um militar de carreira; o quarto tinha um rosto como de um homem; o quinto era semelhante a um jornalista em pleno voo.

Os cinco Animais tinham cada um seis caixas cobertas de antenas em toda a volta por fora e por dentro; e não cessam de repetir, dia e noite: «Grande, Grande, Grande, o Senhor Cifrão Omnipotente, O que era, O que é, O que há-de vir».

E cada vez que os Animais dão glória, honra e se submetem Àquele que paira sobre o trono e que vive eternamente, os cento e oitenta e nove Chefes de Estado (ditadores e eleitos) prostram-se diante d'Aquele que paira sobre o trono e adoram Aquele que vive eternamente e lançam os seus satélites diante do trono, dizendo:

«Tu és digno, Cifrão nosso Deus, de receber a glória, a honra e o poder, porque criaste todas as coisas e por Tua vontade elas existem e foram criadas.»

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página 15 - 16 de

''Apocalipse, uma distopia sobre o presente''

de Carlos César Pacheco, http://www.carloscesarpacheco.com/

edição Edições Mortas

sábado, 6 de agosto de 2022

Diga lá resiliente leitor, se não se sente como se tivesse levado com a torradeira nas trombas [sic], se não sente o sino da catedral a retinir dentro vossa massa cinzenta e as sinapses a caírem em saco roto

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— E foi esta parte do discurso que o Coelho não leu. So goodnight.
— Anda cá, meu amor!
— Ah sim, o monstro das bolachas! Olha, eu lembro-me do monstro das bolachas… fartei-me de bater punhetas a ver a rua sésamo. Não perdia um episódio. Deixei-te sem resposta. Comunica para a semana. Abraços à família.
Entretanto acordo e, na mudança da hora, sou informado que uma tigre saiu da jaula no Circo Claudio, atravessou mesmo rio. Consta que a lady foi capturada duas horas depois em Lamego por quarenta gnrs e bombeiros e já voltou ao circo. Não consta que tivesse fome. De qualquer modo, o problema do ponto de vista do estômago desta lady é estar domesticada, mas mesmo não sabendo caçar espuma-se como uma cadela com raiva ou cio, basta um alemão pastor para a pôr na ordem, ela limita-se tal como o grande empresário a fazer planos para um passaporte de embarque para as Ilhas Caimão. Os porquês de tais preparos nem a família os saberá, talvez crimes fiscais, talvez comunicações, talvez bater e insultar quem lhes paga a pedicure, a inevitável revista das partes íntimas. Entretanto mudou a hora, tomo café e leio o jenê.
Antes de sair da habitual boca de café compro o meu tabaco de cachimbo que uso para enrolar cigarros e pagar menos imposto. Ralo o tabaco, enrolo enquanto subo a rua pensando que um dia chegará em que a terei de fumar, quer dizer, filmar ela a fumar, ela gosta de fumar de graça os meus charros. Entretanto o mundo precisa de saber e um café, um jenê, um cigarrito e meia hora depois da hora, o sol mudou de passeio, sento-me num banco com sol derretendo o frio e registo esta observação no caderno porque tenho medo de quando chegar a casa a minha memória selectiva não a retenha. A verdade é que tenho medo de me esquecer, tenho medo de me tornar no novo presidente com alzheimer e sem dinheiro para pagar o repasto da Maria (a vítima), principalmente quando vejo nesta assumpção de doença um motor para desculpabilizar projectos e modelos de desenvolvimento passados e hoje tu maria pagas pelo que fizeste e o palhaço diz a ver se cola: portugueses, temos de voltar ao mar!
Se eu registo isto é para que no futuro o possa ler e ver de algum modo a nuance de quem fui, de quem fiz por viver com, as tuas birrinhas de putinha, os meus poucos irritantes ciúmes, sinal de que, se calhar, amei poucas vezes, ah e claro também uma reflexão psicogeográfica, aqui uma vez por outra, acerca das estrelas do sistema. Quem não chora não mama. Ou não será «quem não mama não chora»?
Por isso, fica ao piratinha prometido que quando eu for presidente da república das bananas lhe comprarei uma nave espacial mercedes para ele navegar de planeta em planeta. Chegarei a casa e comerei uma boa sopa. Para quem tem pouco às vezes chega, todo o pobre sabe que não pode comer bife mas não é preciso vir a Jonet cheia de graça e importância parlar o que todo o pobre tem vergonha de sentir — eu… escravo da misericórdia. Obrigadinho pelo cigarrinho. Para eliminar a indiferença e a ausência de comentários externos, secariam muitas terras onde se plantaram eucaliptos para serem transmutados em papel, o que me safa agora neste momento de piada interna, é ter à minha frente um pinheiro perfumado para desbastar.
Entretanto o chinês foi, pela raivosa voz do cão poeta, avisado que lhe está interdita e só a ele a utilização da torradeira. O chinês, em tom algo divertido de desafio, responde que serão precisas duas testemunhas para comprovar os factos. A solução literária do poeta é deslocalizar a torradeira para o seu quarto, o corredor até parece a rua central do bairro. No dia seguinte não testemunhei mas a moça de recados confidencia-me que falaria com o poeta. Ele consente e relocaliza novamente a torradeira para a cozinha em que «mi comida es mi comida and tu comida es mi comida», acção verdadeiramente admirável mas, no entanto e segunda a moça de recados, apenas temporária, o tempo suficiente de ela fazer os preparativos de aluguer dos dois camiões e relocalizar a sua torradeira industrial, que a mamã não usa, para a cozinha comunitária do nosso bairro. Bem haja.
<BR> sente necessidade de se reintegrar na sociedade, até porque a sua morada está registada em entidades oficiais. No entanto, sente a vontade de fazer a trouxa e ir embora porque, além de sua mulher não se querer relocalizar largando a familí, tem a moça de recados a, segundo ele, roubar-lhe as papas com pedaços de bifana e molho de francesinha.
Duas francesas vi eu há duas horas enquanto apanhava sol naquele banco e fumava o mais barato tabaco de cachimbo do mercado. Sustenho a técnica, ao que parece, pós-modernista de nomear marcas de produtos porque esta marca não precisa do meu patrocínio publicitário para que o seu valor de mercado aumente. A subida do imposto estatal sobre este produto se encarregará sozinho de reduzir o consumo do produto e em espiral, como o marido da Maria recita, reduzir a receita fiscal. Uma recessão em cima da ponte. É preciso dizer que quanto maior for o imposto mais o chinês fumará de espontânea vontade menos. Ele já se vê careca mas com pulmões limpos, ah e claro a Maria há-de sempre ter o seu bife de novilho.
Fazendo contas ao saldo da conta bancária, saio para comprar tabaco para <BR> no café habitual. Mas… e como já vos fiz resenha jornaleira, na animada reunião de sócios topo que um contacto menciona uma marca de verde de um reputado agricultor do burgo. Intão! Antes de satisfazer <BR> faço-me à estrada seguindo-me ao vento a vontade possível de me embriagar. <BR> preparará o jantar com marcação para as oito e meia. Mais minuto menos minuto farei por estar. E assim foi, caminhei pelas obras mas fiz o desvio, apenas explicável pelas obras lógico, e fui desembocar numa feira de discos, o paraíso voila. Desgracei-me! Comprei a um galego o segundo longa-duração dos Mutantes brasileiros.
— Eh pá! Se eu te oferecer a zine do Neu Zeit… tu não me farás um desconto?
— Não posso. Mas aceito a tua oferta e convido-te a escolher um cd destas caixas como troca.
— A sério? Fixe! Destas caixas aqui mesmo?
— Si!
O desvio devido a obras para turista japonês fotografar desviam-me, ou melhor, levam-me pelo caminho grande da desgraça e trazem-me de volta à realidade das obras mas, aqui vem a nuance, munido de um bom gnawa de Nass El Ghiwane em cd de edição árabe. Vou ouvi-lo ao bar das estrelas azuis de oito pontas. Hipnótico alaúde de garrafas e de broa abastecido e com o contacto da ruiva com quem, eu sei que nada acontecerá mas… passarei férias no próximo verão. 
Por sinal, volto a encontrá-la no bar, ela é uma cota de quase sessenta verões, durinha de carne e morena como convém. Falo-lhe agora do que escrevi hoje à tarde: às vezes ralo o tabaco para pagar menos imposto. Ela diz, quase dignamente suspira: porque és tu tão… e interrompe a frase que eu consigo quase adivinhar mas eu insisto que ela termine nem que seja só para jogar a minha vez.
— Porque és tu tão especial?
— Especial é o Mourinho, é o que dizem.
— Sim, é o que dizem.
— Talvez em Paris no próximo ano.
— Talvez em Montmartre, na zona dos pintores.
— Sim, eu mando-lhe mensagem quando chegar. Agora tenho de ir apanhar o metro. Amanhã é dia de bulir. Xau.

O meu refrigerador funciona babe. Eu até te convidava para uma garrafa de verde em minha casa. Mas eu sei que o meu estilo apenas agrada visualmente quando comemos broa ou tarde, às escuras quando o meu sorriso parece iluminar a tua vaidade. Com a luz da manhã veriam-se tantos sucedâneos dos guarda-chuvas do Satie e tanta sujidade e fumo dentro das gavetas que… olha era o mesmo que tu te produzisses muito bem para minha noiva em concurso, nós transássemos toda a noite e de manhã quando te levantasses para ir à geladeira eu te achasse feia. Imagina apenas… não é verdade? Não duraria nem nenhum de nós deseja ser um objecto so-xual de conveniência. De qualquer modo <BR> tem as papas à minha espera e 'tá com vontade de fumar. É pena que partas depois de amanhã. Tanto filho para beijar. Até à cidade das luzes.
— Ficamos a ver o rio, o mar. Lamentamo-nos de a vida não mudar…
— Os portugueses às vezes são estrangeiros. Têm de ir ser profetas lá fora. Agora até nos mandam emigrar… como você amiga O. …
— Sim, e que vão fazer a esta multidão de leitores que vi na queima?
— Bão prás obras!
— Vejo que falamos a mesma linguagem.
Despedimo-nos, beijamo-nos quatro vezes na face e eu venho rua acima a imaginar-me o melhor amante desta ruiva na cidade das luzes. Desvio até o olhar de outra ruiva que beija a sua amante de fato e gravata preta e garrafa de champanhe. Celebram à sua maneira alguma ocasião especial. As mães, um beijo para todas as minhas mães, que eu vá primeiro que elas, essas milfs, mães de ellen bêbada. Uau, meu refrigerador funciona babe. Vejo-te no verão ou no varão. Termino enviando mensagem: amiga O., amanhã vou bulir, no próximo verão, quem sabe, se tiver dinheiro para as férias. Beijo. Enviar.
Digamos assim que por razões de nobre cavalaria, romanesca como diria o mago Gérard ou segundo a moda mais trendy do momento para o tone chinês, após estas cavaleiras de sangue ruivo este conto deve terminar, aqui.
Et voila, há mortos que estão mais vivos que certos vivos que não sabem que estão mortos. No entanto, vários finais e outras tantas explicações neste luso faz-de-conta são possíveis. Por exemplo, convém não endeusar o mistério mas sim desvelar o mistério das iniciais. Não sei se o leitor, tendo resistido a adormecer com o livrinho no nariz ou mesmo tendo resistido a usar zine como papel de tuálete, terá reparado que a última, a verdadeira, a única cavaleira deste conto é a amiga O.?!
Diga lá resiliente leitor, se não se sente como se tivesse levado com a torradeira nas trombas [sic], se não sente o sino da catedral a retinir dentro vossa massa cinzenta e as sinapses a caírem em saco roto, ou como dizem os britiches:
— Does it ring a bell?
— Doesn't it?
— Oh god fuck my mind for ru...d,
ou como dizem os agentes do efbí: copy that roger,
se não sente nada disso é porque, se calhar, não aproveitou a oportunidade de gratuitamente ler os textos (ou o email foi descartado porque numa leitura diagonal a sua informação era irrelevante) onde aparece uma personagem masculina, a man for fuck sake?!, um tal de professor O., e agora aparece uma lady friend O.!
Estará o escrevedor a alucinar a hermenêutica reduzindo géneros Ovais, um O. antes macho, uma O. agora fêmea?
Wtf eheheh mas ainda assim se nenhum lóbi se interessa, também nada é verdadeiramente misterioso, eu nada invento e, apesar do O original nunca ter existido como nome, o nome da amiga O. começa por O.. Ponto.
Eis um facto de que a história se gera em nuances repetidas e transcritas em ficheiros word bb, é possível re-escrever, fazer acontecer o destino. Mesmo que a igreja diga que é proibido desistir e que a história é eterna e não se repete, eu digo que surgirão sempre novos profetas, únicos e prontos a darem a vida na cruz por qualquer pai ou mesmo sustento — «mas eu estou louca, Joaquín, por isso não acredite em mim», escreve Cristina Rivera Garza em «Nadie me verá llorar».
Este mistério de acontecer amanhã o que alguém ontem escreveu, este desespero de haver iludidos e desiludidos, crentes e descrentes, o «estou a supor», o «diz que disse», a tentativa de nos adquirirem, a ciumeira e a inveja resultante, enfim!, tantas maneiras de concluir o conto mas chega para mim dizer apenas que o O. original encontra R., trinta anos mais novo, e lhe conta que desfizera a santa custódia nas trombas da mestra da comunhão.
Menos ou mais passível de ter acontecido mas vinte anos depois, e apesar de por O. sentir ainda algum carinho, digo que lhe teria valido mais ter, de acordo com as perfilhações de Escohotado, adulterado com fungos a farinha da hóstia e talvez… talvez a mestra visse nele o futuro avô de seus netos.
Cogumelo my franga minha guarda-chuva de Bengali, em dias que não chove… podes estar on ou podes estar off mas, como do ponto de vista do chinês, não és suficientemente rápida para poder estar on e off ao mesmo tempo no momento em que o investigador recolhe a evidência fotográfica, convém dizer que é melhor o chinês estar ov e fazer o ninho debaixo da ponte e calmamente apontar a cana e, com setas, caçar uma gaivota com consciência crítica, uma franga que vá além do blowjob trocado pela despesa de domingo à tarde no chópingue e também além da conversa fantástica acerca do Anthony nas dunas de sal.
Velvet Sonic Prunes mámene óme! Agora vou fumar um moks de cabidela. Ámena!
Termina assim a novelização metafórica da paixão confessional do grande empresário pelo careca tone chinês que, com ou sem óculos com ou sem cavagnac, inspira tanto ódio e medo ao poeta, de profissão, Mauricelho da Sogra. Porque desde sempre os há, até ao próximo que ponha algo de pé para parecer grande coisa.
No final, o que conta mesmo é que Mauricelho da Sogra e o chinês podem voltar a fumar um charro juntos e concordar que o Artaud fez bem em dar uma bengalada ao Breton.
[texto escrito seguindo o gozo do acordo ortográfico]
Oub'lá mas essa história da manuelle biezon...
Que história?
Eh é mesmo verdade?
Que história? A história da mulher que tinha bigode e mamas?
Não!, a história daquela que não gostava de foder e não sabia a diferença entre uma puta e uma prostituta… a história das fadas… tu sabes, foi mesmo ela que a escreveu?
É que recebi uma mensagem de um palhaço dizendo-se new wave, não desampara a loja, diz: Imagina um homem que queira mudar de sexo e depois
já mulher escolhe ser lésbica. Ainda pergunta se gostei da mensagem!
Well mister… me and my monika we were ridding back from manitou…
Oub'lá tu pensas que me indrominas?! Tu num m'indrominas óbiste? Eu posso ter um olho fechado mas o outro está aberto, essa frase é dos Tédio Boys, estou meio a dormir mas estou-te a manjar!
Ok então... houve um dia que a manuelle chegou perto do claudio e lhe disse
claudinho vai buscar o minidisk e o microfone não te esqueças da faca da avó,
o claudinho foi e trouxe também a caneta e a broa.
[.!.]
É verdade :)´»!, eu estava lá,
quase que morria com uma úlcera de riso.
Brutal.
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Claudio Mur

terça-feira, 2 de agosto de 2022

A paixão confessional do grande empresário pelo chinês

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A paixão confessional do grande empresário pelo chinês

(Escrito seguindo o estilo de Boris Nerval)


Na empresa, o comandante geral mente senta-se no lugar do morto, sendo hábil mente conduzido pelas mãos no volantinho de pau do secretário honorário. Como em todo o bom mistério, o qual se pretende manter por motivos tão absurdos como questões de segurança nacional, serei daqui em diante denominado de «o passageiro do banco de trás». Aliás este nominalismo é quebrado, às vezes e sempre, quando espero debaixo do candeeiro de luz pública chinesa para ser recolhido breves minutos depois pelo nosso honorável secretário honorário e me sentar no lugar do morto. Esta excepção à regra será daqui em diante arquivada num ficheiro com o título de «o geral comandante está em lua-de-pré-mel em Veneza». Vai dar no mesmo se esta ficção estórica classificar Veneza e gongoricamente diluí-la em sal. Tudo se resume em denominar substitutos e trocar gôndolas por moliceiros. No entanto, a lua de mel permite ao comandante geral depositar três milhões de zmbs na banca do mendigo mais próximo da catedral de Rijeka, sendo este nominalismo um pouco gongórico, um mero substituto e querendo na realidade definir o paraíso fiscal do Vaticano e o mendigo apenas alguém que apareceu enforcado na ponte com os bolsos rotos, santo para sempre. Quem se importa se ninguém perceber...

— Então paz!

— Então grande chefe! Está aprovado!

— E se calhar não lhe carregaste...

— De qualquer modo mesmo à minha maneira... está aprovado! E tu? Tudo careta?

— Faz-se por isso. Amanhã é dia de trabalho!

Assim sendo, o passageiro do banco de trás, que hoje se senta no lugar do morto porque o encarregado da obra não está e está a fazer os preparativos para ir curtir as vindimas num moliceiro em pleno são martinho, chega a casa em Derza e põe-se a ouvir a hammerklavier sonata vinte e nove opus cento e seis do Thöven B.

A chuva bate nas telhas e vejo na pequena clarabóia desta torre de controlo rádio a chuva a escorrer tijolo vidro abaixo. Ouço agora Ray Lema em sistema quadrifónico e este nominalismo quer na verdade dizer: eu estou a ouvir duas fontes sonoras em estéreo, Ray Lema e também Glenn Gould a interpretar uma sonata do Thöven B.. Há já algum tempo aludira a um enquadramento desta grandeza, deu até origem a um texto denominado «The blues», que foi incorporado no capítulo das bicicletas estacionadas em postes de candeeiros ainda não parcerias públicas chinesas mas com graffitis certificados com a marca de qualidade fdp dizendo: Procura-se. A este farto de procurar trabalho junta-se a minha devoção em part-time voluntário na associação Jesus Salva, onde a minha maior realização é disfarçar-me de gaja e seleccionar uma passagem escolhida do mais útil dos autores alemães e conseguir com este recurso estilístico roubar um beijo à fantástica devoção platónica tornada uma rocha rugosa, sendo aqui esta admiradora de cavaleiros de armadura assombrando a honra de donzelas denominada como «o busto da princesa rocha» tornada uma fotografia impressa num livro de arte egípcia, arrancada para fazer uma escultura em exposição na varanda do primeiro andar e depois o vento encarregando-se de o fazer desaparecer e entregar a um novo dono. Claro que neste ponto convém dizer: cada um tem a sua maneira de se fazer gente desde que cada um respeite o espaço do outro. No entanto, ainda hoje acabei de ler o texto Sylvie do Gérard e não deixo de pensar que se calhar a Adriana/Aurélia podia ser por mim transposta para a minha narrativa na personagem do busto da princesa. Vários pormenores nada aristocráticos me impedem assim de ficar na estória como inventor de uma ficção tão estropiada esta minha, lembro-me aliás das frases que escrevi como se alguém declamasse em gravação sonora: I have no right to my own copy riot! Sim!, não tenho, mas no entanto também acabaria por ter de haver uma sílvia e, claro que, em toda a literatura memética acaba por haver uma sílvia na vida de um tone, inspira aliás momentos zen no passageiro do banco de trás mas até esta nuance não é exactamente igual àquela história do Gérard. Eu não sou tão bom mas tal como ele, eu nada invento.

— Então, o empresário não veio?

— Ó!, nem me digas nada…

— Não deve ter vida social, não deve ter agenda livre.

— Nay, 'inda onte' teve no Pereira. Acho que vai dar em casório.

— Ei, era fixe, ficava garantido para toda a vida.

— Não sei, já nem sei que dizer… och och, olha, por falar nisso, fui contactado por um agricultor que quer distribuir o seu produto devidamente certificado pelo fdp. Estás nessa?

— Iá, até que 'tava com vontade de beber de um pouco desse verde, não seria possível fornecer um litro de amostra?

— É possível, terei que me informar junto do geral comandante… no entanto o lance mínimo são cem zmbs em paridade com a lira, tu sabes, o geral vai para Veneza…

— Sim compreendo, penso que não terei dificuldades em cumprir contratualmente. E para quando o grande jantar da empresa?

— Bem, segundo informação de último dia a vindima foi já efectivamente realizada, estando agora naquele estado entre o lagar e a pipa. Uma questão que pode demorar uma semana ou um mês.

— É claro que há todo um intervalo.

— Sim, a qualquer momento.

— Ok grande chefe. Amanhã é dia de trabalho.

— Sempre às ordens doutor.

É necessário expandir o ramo de actividade. Abrir horizontes, desbravar fentos e urtigas sem utilizar retroescavadoras, a maneira, aliás a seguir, denominada como a maneira do «careca chinês» que em breve deixará o amadorismo e com a rapidez de um cometa Tunguska se torna agora num verdadeiro palhaço profissional.

No entanto é assunto sério. É quase assunto de faca e alguidar, envolve a torradeira e toda a obra literária. O chinês acaba de ser informado, pela personagem daqui em diante denominada como «a moça de recados», que o poeta tem medo do chinês; pediu também à moça de recados que dissesse ao chinês para não usar a torradeira do poeta, aquela na qual o poeta quase torrou a obra dedicada à mulher dos seus futuros netos.

— Sabe… desde aquela vez que o chinês me agrediu… que…

O chinês, agradado quase honrado por hoje ser palhaço profissional, ainda pensou no éden daquele chinês que comete um crime para salvar a sua amada americana que levava porrada do marido, mas este chinês não fuma ópio e sabe que a polícia prendeu esse tal chinês que fumava ópio por matar o marido que dava porrada na Lillian Gish blablabla, e hoje nesta nuance de filme o chinês, ou seja eu, pergunta:

— O poeta pediu resposta?

— Sim. Responde a moça de recados.

— Diz ao poeta que o chinês lhe mandou dizer que ele poeta terá de vir falar directamente com o chinês para resolver o assunto relacionado com a utilização da torradeira.

— Também foi o que pensei.

— Diga que se for necessário e se ele tiver tomates de me dizer: Chinês, não te permito que uses a torradeira!, eu deixarei de a usar. Mas ele deve ter medo.

— Sim. Ele disse: desde que ele me agrediu…

Convém igualmente aqui dizer que esta estória do poeta dizer «o chinês agrediu-me» não é exactamente assim, aliás como dizia o João Pinto: «prognósticos só no final do jogo». Como este jogo não mostra só o lado heróico daqueles poetas que, em alguma altura, tiveram alguém ao seu serviço que os ajudasse a montar o cavalo enquanto eles, armados de binóculos, fiscalizavam a obra feita mulher feita sustento do lar e de boas condições de trabalho para a arte do poeta, mulher daqui em diante denominada de «leite de soja». E se esta cavalgadura é a corda sobre o abismo do poeta, então também não é minha intenção defender a honra da leite de soja nem perante o poeta, esposo marital, nem perante o benévolo e curioso leitor. Sinto-me quase honrado por o poeta ter medo do chinês, eu que só me salta a tampa se nela alguém fizer pressão. Por isso quando saio para ir apanhar o metro, quando fecho a porta do quarto e vejo o poeta na cozinha, ignoro que ele poderá ter arranjado tomates para uma conversa civilizada, uma espécie de mano a mano. O problema é que o poeta pensou que o chinês teria que ser o seu mandarim, oficial e pombo chinês para todo o serviço táxi, daqui em diante denominado de «ganza ao domicílio» e sem pagamento de despesas adicionais daqui em diante denominadas de «sola de borracha das botas». Nessa altura a capoeira matou o tiozinho poeta. O mandarim chinês deslocalizou-se e tomou posse da torre de controlo rádio de Labutes Tower. O poeta diz então ao de longe enquanto o chinês o ignora descendo pela escada interior para a porta da rua:

— Era só para passar a mensagem de que não…

O leitor saberá certamente que o final da frase é '«[não] podes usar a torradeira.» No entanto, a mensagem não passa porque eu desço a escadaria inteira dizendo ainda mais alto que o poeta:

— Agora não, tenho que sair, mais logo.

Fecho a porta da rua pensando com os meus botões: Fica registada a intenção do poeta, no entanto e porque parece que o poeta tem medo do chinês, serão necessárias duas testemunhas para selar o pátio de ódio não-agressivo, não será necessário sangue algum, eu escolho para minha testemunha a moça de recados, tu naturalmente escolherás a leite de soja dado que é a tua mulher.

Mas tudo isto não acontece efectivamente, não passa de um pensamento que obtenho depois de entrar no metro, aliás não sei se validei a entrada. Quando volto do compromisso nada me é revelado e também, paciente e curioso leitor, posso eu revelar que efectivamente se avançou no assunto complexo da torradeira versus ganza ao domicílio versus obra queimada em filme versus leite de soja contra o chinês. Devido a tudo isto eu próprio, o chinês, me tornei palhaço profissional. Tenho em mãos uma espécie de processo: a contracultura ressacada contra um hobo chinês. O Pierre Boulez no meio de jornalistas disse que reservava a sua opinião sobre a qualidade do Frank, e eu só estou à espera de acabar esta estórinha para do poeta só passar a dizer quando interpelado exactamente isso, mas agora tenho de ir nanar. É aliás provável que escreva mais umas quantas frases até virar esta página no meio da noite. No entanto se tudo é retórica e classificação e todo o pensamento é válido escrever, então que essa fugaz subliminaridade seja inscrita em papel e se torne por fossilização passível de acontecer por nuances. Tantas vezes que já aconteceu. Boa noite.


No dia seguinte:

— Então doutor…

— Então grande chefe, como passa?

— Então estamos aprovados? O produto nacional?

— Sim completamente. Há que apoiar o mercado interno!

— Olha, eu na quarta tive de pedir reforço. Aqui na zona está a ser um sucesso!

— Está aprovado! Na próxima vindima encomendo mais.

- E tens bebido sozinho…

— Quase tudo. Claro que partilhei o copo com algum pessoal, gostaram e até dispensei uma garrafa. No entanto, cada garrafa só dá três copos.

— Olha, e logo não queres ir beber um copo?

— Não, hoje não. Estou cansado. Mas se quiseres daqui a uma hora… vens cá ter e a gente vai lá baixo e curtimos a esplanada.

— Ah não agora não. Estou com uma chapada. A noite é mais fixe!

— Sim mas eu tenho de dormir.

— Ok, então ficamos conversados.

— Ok. Talvez no próximo fim de semana.


Dez minutos mais tarde, o suficiente para colocar os Mutantes s21 a spinar no gira-discos e começar a escrever este diálogo, o grande chefe volta a chamar:

— Então grande chefe, como passa?

— Sou eu outra vez… olha, aquilo lá em baixo abre a que horas?

— Cinco e meia, seis horas e abre. Queres ir lá?

— Iá, até que estava a pensar que era boa ideia.

— Sim, eu bebia um café. De qualquer modo e se não estiver aberto, há nas redondezas outros tascos.

— Ok, é isso!

— Que horas são? Ãahh… deixa ver, são quatro e dezassete. Vais com calma, relaxa, faz as cenas descansado e lá daqui a uma hora dás o toque e eu vou para a paragem.

— Ok, quando estiver na avenida dou o toque.

— Ok, grande chefe, até já!

E então enquanto uma longínqua canção árabe em Istambul às duas e quarenta e cinco da manhã… antes de receber o toque de convocatória envio mensagem ao grande chefe e levo o lixo para o ecoponto, sem guarda-chuva mas com a ajuda de Lá, de repente:

— Fazemos um cocteil no tasco, eu levo a broa e tu a garrafa.

Os dois turcos vão-se encontrar na twilight zone dentro de instantes e ajudarão a provar a peça de roupa a ser usada em Veneza pelo chefe da empresa, o empresário.

Derza, cais do muro. No sonho de mil e um fantasmas esperei que o grande chefe secretário me recolhesse no habitual poste de iluminação pública chinesa junto à igreja. Deu até para reparar na luz do fim de tarde deixando os taxistas permeáveis ao meu fumo em formato king moks. Táxi?

— Então paz! Qual o destino?

— Sempre em frente mai frango!

— Não estou habituado a esta luz. 'tou todo moca, almocei assado mas agora estou com fome. Tenho aqui uma garrafa.

— Não tens óculos de sol? Eu tenho aqui broa.

— Eu tenho, costumo usar durante o Verão.

— Iá mas ao fim da tarde é fixe. Às vezes, venho por aqui abaixo a pé… e a luz é da cona!

— Iá mas curto mais a noite.

— É outra onda. Cada qual com o seu modelo de negócio.

— E olha, a cona já está aberta?

— Talvez ainda não… mas temos alternativas.

— Eh pá, espera aí, tenho de mijar!

— Ei espera um bocado, mijas na casa de banho, não vais mijar aí como um cão. Há aqui muitos tascos, olha… vêem-se aqui muitas gajas fixes.

Ao fim da tarde não são minisaias a matar, estamos em pleno são martinho, são mais gorros fuscina e cachecóis azuis ciano.

— Eh pá, está fechado?!

— Vamos ali em frente, a segunda opção tu sabes…

— Iá!, até lá podíamos beber uma garrafa. Bem, desde a lei do tabaco é só wc, pelo que ao menos podes aliviar-te.

Fazemos horas e durante as horas vemos as turistas que passam e a luz findando no poente.

— Olha, parece que o empresário já não vai para Veneza… ihihih.

— Não me surpreende mas… vai ao menos para a ria de Aveiro?

— Eheheh nem isso! Parece que faz anos. Estivemos ok a beber uísque. 'tou com uma broa!

— Uma broa tenho eu aqui para o pessoal comer. É só fazer umas horas. Aguenta os cavalos.

— Vou mijar.

Antes de voltar a casa deu ainda para tentar enviar uma mensagem de parabéns ao empresário, que não pode vir por estar algures a celebrar eventualmente num boteco da estrada para Entre-os-Rios. No entanto, pedi-lhe por sms o número do inem, escrevi textualmente: o grande secretário não está em condições de ser conduzido de volta à zona. Foi pelo menos esta ideia que, depois da broa e da garrafa, tentei passar ao empresário de modo a tentar que ele viesse cá ter de mota para pagar a conta do jantar de aniversário e, claro, apoiar o produto, consumir nacional, apoiar o mercado interno, o tão pelos burocratas — solidário leitor — desprezado mercado interno. Que todos os agricultores escoem a sua produção!

Chego por fim à torre de controlo e volto a pôr Mão Morta e o lado 0 acaba de tocar. 'tou há vinte minutos a escrever o relato deste fim de tarde na já habitual reunião de empresa para balanço e acerto de contas. Vou agora levantar a caneta do caderno para ir pôr o lado 1 dos Mutantes s21 e beber mais meia garrafa de modo a me dar a fome e ir comer a sopa, talvez um bocado de massa. Haja saúde e eu serei o filho mais feliz do mundo.

Terminando o último gole da garrafa e completada com o groove de electrostática mutante s21 girando em sistema estéreo, em nada comparável ao sistema quintifónico se contarmos com o subwoofer potente que o grande secretário comprou em alta promoção na reciclagem — mais um alto vale de desconto passado pelo empresário do grande produto nacional — venho por este meio concluir o relato da última garrafa do dia. Irei de seguida descer da torre de rádio e jantar, tentarei ver as notícias da guerra do dia-a-dia, depois um banho rápido e fazer a barba porque lá para as onze será tempo de ir nanar, amanhã lá para as sete da morningue terei de me fazer à bida. Foi isto que tentei explicar ao empresário quando este ainda agora me queria convocar finalmente para o jantar de celebração. Recusei até a dedicada moça saindo do bolo. Dado que durante a semana estou empenhado em ser um profissional competente e reunir mais do que o necessário para conseguir garantir alegria dentro em breve e por não querer misturar o pessoal com o profissional com o comunitário, abster-me-ei de abordar a estória durante a semana mas… para que a estória continue em registo coloquial e, na melhor tradição de encher chouriços para o esfomeado leitor no talho da dona Maria, e roubando alguma da técnica burroughsiana, será inserido a seguir um triálogo real e nada inventado. Existe até filmagem em vídeo digital mas irreproduzível a imagem devido a questões jurídicas.

Ainda antes de transcrever parte deste áudio, posso deixar em última mão a minha convocatória por parte do grande secretário a ser efectivada após o toque habitual de passagem diante da porta. Serão outros joviais velórios.

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Claudio Mur

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Ficar sem pilinha


Algumas pessoas poderão pensar que eu estrago o efeito surpresa ao mostrar trabalhos que ainda não estão finalizados, mas eu gosto de mostrar os passos intermédios numa pintura, frequentemente acho que a partir de um certo ponto a mão do pintor acaba por estragar o trabalho, o rascunho é muitas vezes mais verdadeiro do que a obra final.