sexta-feira, 26 de agosto de 2022

O meu presente é tão diferente deste meu passado que não quero esconder

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A lama cheia de estrelas


Eu finalmente decidi que

Estava numa guerra não declarada com a maioria das pessoas do mundo que conheci.

Eu finalmente cheguei

A um ponto de escape através do anel púrpura do colapso.

Dado que o mundo neste momento me está a ser apresentado

como uma corporação de diferentes maneiras ou diferentes estradas para seguir

ao fundo do anel púrpura do colapso.

Um: ser retirado deste mundo regular e então considerá-lo como um todo,

uma clara e distinta unidade e seguir em frente para encontrar núcleos mais ajustados à minha mente.

A outra: tentar integrar o meu ser nesta muito mais próxima unidade,

Reconstruir relações com familiares e amigos, outros amigos nem tanto,

Permitindo que velhas injúrias sejam esquecidas e ódios sejam derretidos e novos acordos

Idealmente numa base de aceitação de diferentes opiniões, maneiras de fazer a vida,

Todos os princípios chave entre todos… pelo menos todas as pessoas desta unidade nuclear.

Tendo o meu ser se encontrado desclassificado de uma tentativa com sucesso na segunda via

Eu decidi que o compromisso não era mais possível, o mundo parece um vazio absoluto.

À minha porta lá apenas apareceram chulos, chupa piças, chicos espertos e pequenas meninas assustadas.

Aquelas que não se assustaram mandei-as embora,

As que ficaram eu recebi-as através de som.

Com a música eu inventei um novo conjunto de memórias cheias de brilho

Mais do que espremidas num sentido de perdição e perdido eu estou.

Então parece uma boa solução o apenas cobrir a lama com estrelas.

Quando tu perdes o teu trabalho, o teu amor, a tua fé,

Apenas (a)parece a conclusão natural para todas as coisas ferais:

Subir ao inferno e ficar só finalmente.

Eu penso que a causa de morte foi suicídio.

Eu não quero ser o profeta. Porque não me deixem vocês simplesmente em paz e só?

O mundo não tem tempo para decidir além da aparência.

Um dia eu finalmente estendi numa tela esta pintura

Mostrando carris, um comboio e um corpo na linha: the starlit mire.

No dia seguinte li no jornal que uma mulher e a sua filha já maior de idade…

Elas decidiram caminhar para a linha de comboio depois de uma viagem de táxi

Desde casa para cortar as suas vidas na linha de comboio.

Eu não sei mas este tipo de sincronicidade é frequente na minha vida,

É só estar atento, eu não sei mas desde o dia 1 do desenvolvimento do cérebro,

Talvez desde que o gorila tentou resolver um problema e uma luz se acendeu

E um primeiro começou a pensar,

Talvez desde esse dia deus nasceu como mito.

Eles não podiam ser ateus, apenas o conhecimento deu origem a ateus.

Eu gosto de me preocupar só com os meus assuntos.

O mundo não aceita a minha estupidez, não me dá segundas oportunidades.

Não me vale de nada dizer que fui eu que me pus fora.


… é a minha versão em português do título the starlit mire.

The starlit mire was a book I have never read by a writer english I don't know the name now and it was also a book that contained ten or so drawings by Austin Osman Spare, some drawings alguns desenhos que eu tinha no meu computador e que já não me lembro deles porque em princípio o meu disco externo se fodeu, devido à minha incúria prontos. Mas isso são desgraças que agora não valem a pena estar a contar.

Mas voltando a starlit mire, a lama cheia de estrelas era um livro e tinha imagens do meu avó sideral. E aqui está mais uma história que talvez mereça ser contada mas agora a questão da siderealidade. Tu adoptas-te… não é, não são os teus pais que te adoptam, tu adoptas os teus pais. Tu escreves que Austin Osman Spare é o teu avò sideral… prontos, mas como é que tu sabes? que és neto sideral de uma pessoa… que pinta ou pintou, que escreveu, que era inglês e tu és português e não consta que as borboletas ou as almas transmigradas voassem de continente ou da ilha para o continente. Mas a ilha nem é a ilha da madeira, é quase certo que Austin Osman Spare nunca saiu de Inglaterra. [És um mentiroso, ele foi um desenhador oficial na primeira guerra mundial] Portanto, acho que as borboletas… não voam por cima do canal da mancha ou talvez voem mas não dobram a costa da Bretanha toda pelo oceano atlântico abaixo para chegar à capital do norte de Portugal. O portus cale.

Prontos mas estou a divergir muito do assunto que me volta a atasanar o sono e pelo qual não estou a dormir. Foi necessário que eu pegasse no minidisk… e começasse a falar sozinho para o microfone porque a lama cheia de estrelas dum autor que nunca li e gostava de ter lido, um autor do qual não sei o nome, neste momento me esqueci, e dumas fotografias [desenhos] que ficaram como imagem nebulosa mas cheias de significado de Austin Osman Spare, a transmigração das almas. Tu queres ser uma alma transmigrada. Tu não queres perpetuar a tua alma, tu queres que a tua alma se transmigre em alguém, tu no fundo queres fazer um filho. E só agora te dás conta que os pintores adoram a imagem. Estão fascinados pela imagem. A imagem é a representação de uma ideia que se quer real e os pintores apaixonam-se por uma imagem como se ela fosse o seu filho que desejassem real. E o problema é que às vezes acreditam que a imagem se torna real. Eles adoram às vezes interrupções involuntárias e momentâneas do real, querem que a sua tela pegue fogo e daí saia um ser vivo que transmigre a alma do pintor… para um novo ser de carne e osso.

Eu não sei se o que estou a dizer faz algum sentido ou se tem lógica. E também é verdade que é o contrário do que estava a pensar há bocado antes de ligar o minidisk. A verdade é que isso não interessa para nada. A verdade é que eu há bocado antes de ligar o minidisk estava a pensar que eu agora controlo o meu pensamento e sou uma autoridade para o meu pensamento. Eu antes pegava na caneta e no caderno preto, de quadradinhos ou de linhas, e começava a escrever. E não precisava de parar… porque… a minha escrita esperava pelo meu pensamento no ritmo certo e eu escrevia ao fluir do meu pensamento. E provavelmente nada do que era escrito fazia sentido. Mas eu na altura não pensava nem queria pensar nem tinha conhecimento… de nada. Apenas tinha, apenas tinha uma fonte dentro de mim que jorrava pensamento atrás de pensamento. Eu não controlava, não era autoridade para o meu pensamento. E eu agora tenho o superego adamastor a foder, a indrominar-me o id sebastião. O id sebastião que quer ser transmigrado do mesmo modo que se adaptou, do mesmo modo que adoptou um avô sideral. Ele quer perpetuar a sua história que se continua repetidamente a repetir só porque meteu na cabeça… que podia adoptar um avô e daí um pai ou vários pais e agora ao ler nestes últimos dias O trágico sentimento da vida de Miguel de Unamuno onde os primeiros três capítulos preparam a imortalidade da alma e dizem que no homem o instinto de sobrevivência passa do estômago para o cérebro. Querem se preservar no tempo os homens. Não querem morrer de fome mas quando a fome acaba querem ficar na história, querem transmigrar a sua alma para um filho, para uma obra de arte. E o pintor do mesmo modo que um pai que se apaixona pela mulher, pelos filhos que nascem e vêem neles aquilo que foram e querem que… que quiseram ser… e se apaixonam pelos seus filhos meninos e meninas de carne e osso com todos os defeitos e virtudes… e o pintor também se apaixona mas não é por um filho, ou melhor, vê o filho na imagem pela qual se apaixonou. O pintor pinta o filho que nunca quis ter. ou seja há aqui uma contradição.

O meu pensamento era torrente de consciência e a minha mão ajustava-se à velocidade do pensamento e eu escrevia. Palavra após palavra virgula após vírgula. Não precisava de pensar, simplesmente escrevia como no filme onde se fala do escritor Forrester que dizia ao seu aluno Will Smith: escreve apenas. Pega numa caneta e escreve. Eu quando vi esse filme cheguei à conclusão que eu primeiro vivi e só depois tomei conhecimento. Eu vivi os momentos sem saber que eles eram históricos. Eu vivi os momentos sem saber que os momentos eram apenas transmigrações das almas passadas. Ou se calhar não vivi nenhum momento e apenas imaginei que vivi e tomei conhecimento mais tarde ao ler muitos dos momentos que vivi e li em livros que foram editados anteriormente aos momentos que vivi. Ou então não é nada disso. Ou então… eu apenas tive a ilusão eu queria que a minha alma ou a minha história se adapte à corrente histórica da tradição ou clássica da literatura ou da arte, eu quero pelo simples acto de me apaixonar por uma imagem: a lama cheia de estrelas.

Eu vivi a lama cheia de estrelas. Eu fiz um quadro chamado de The starlit mire baseado na lama cheia de estrelas que eu vivi. Eu pintei a minha versão da lama cheia de estrelas, desenhando-me estendido na borda do carril, imagino-me que o pintei como se fosse real e transmitisse a verdade que vivi no momento em que vi o céu azul com estrelas, o céu azul prussiano. Lama cheia de estrelas e silvas e um cachecol cor-de-laranja. Pequenas estrelas e pontos num azul prussiano do céu na noite sem candeeiros numa linha de comboio no meio da paisagem nocturna de silvas e lama não chovia mas era como se houvesse lama e luas e foram três segundos em que eu não vivi ou vivi e não tive consciência. Porque os meus olhos fecharam durante nem sei se foram três segundos, foi o apagão momentâneo. Momentâneo mas que depois eu vi a lama cheia de estrelas no céu. E eu pintei a imagem como se mostrasse alguém que não eu e um comboio a aproximar-se, eu pintei a imagem de alguém que não eu como se estivesse a disfarçar que eu próprio… no entanto, eu na realidade… não pus mas a imagem que eu pintei e pela qual me apaixonei, pela qual hoje não consigo dormir por me ter lembrado dela, eu na realidade tentei pôr a cabeça no carril quando senti eu vi as luzes ao longe do carril o comboio a aproximar-se. Pensei aproximei-me mas não o suficiente porque não quis, porque já tinha dado o salto e já tinha visto a lama cheia de estrelas e não tinha morrido. Ou talvez tivesse morrido porque houve ali três segundos dos quais eu não me lembro. De olhos fechados atirei-me pela porta do comboio aberta para o escuro e de olhos fechados acordei não sei quanto tempo depois e vi a lama cheia de estrelas no céu azul prussiano. E acordei com silvas e um cachecol cheio de arranhões de sangue e um joelho um pouco amolgado danificado e já nem sei o que pensei. Quando abri os olhos. E nem sei se morri, se estou numa segunda, num segundo sonho, num segundo sonho porque houve outros sonhos posteriores mas não… mas também relacionados com… a lama cheia de estrelas da comunidade, o segundo sonho começou com a primeira vivência da lama cheia de estrelas, foi in di vi du al… foi a minha uniquês, a minha singularidade [como ateu esquizofrénico eu não acredito em deus eu sou deus].

Eu estava a dizer e a pensar antes de ligar o minidisk que os macacos não tinham conhecimento da lama cheia de estrelas porque os macacos não sabiam olhar para o espelho e se verem eles próprios no espelho e tomarem conhecimento que aquele macaco era ele próprio. Também é verdade que no tempo dos macacos não havia comboios. Mas também é verdade que não havia ninguém a foder a cabeça ao macaco. O macaco não precisava de se pentear e de olhar para o espelho. Mas houve um dia que o macaco começou a pensar: bem… as alterações climáticas fazem com que eu tenha frio. Tenho de arranjar maneira, já que não ganho mais pêlo, preciso de acender o isqueiro, mas como é que eu vou arranjar um isqueiro?, diz o macaco. Mais vale pegar em duas pedras e fazer o fogo. E então aí o macaco começou a pensar e quando ligou duas pedras e viu a faísca assustou-se, que deus é este? E o macaco começou a pensar… mas este deus é fruto do meu trabalho, eu que até aqui trabalhava sem saber que trabalhava, que escrevia apenas o que julgava que a minha consciência de macaco percebia e já era pensante. Foi a partir daí quando o macaco descobriu que conseguia fazer o fogo, foi aí que começou a ver que era forte e que era macaco. Começou a ver que afinal de contas já havia tantos filhos macacos que tinha posto no mundo. Então viu que os outros macacos eram ele próprio, eram filhos dele e todos pareciam ele. E então comparou-se com os outros macacos e viu… viu o quê?, não viu nada, eu estou a dizer que ele viu mas o que é que ele viu?, o que eu queria dizer é que na altura dos macacos não havia comboios. Mas os macacos eram livres. A única coisa para que os macacos vivem é para comer. Um macaco não se importa de ficar, de ser eterno, só quando o macaco descobriu o fogo é que teve a consciência de deus e quis ser deus e começou a pensar, teve consciência de que existia e começou a pensar em arranjar maneiras de existir, ou seja, em maneiras de se conservar, de se perpetuar. Se existia logo tinha de pensar. Por ter consciência de que existia ele começou a pensar, e ao pensar logo existia. E assim pensou e surgiu o amor, tornou a construir o espelho, tornou não, construiu o primeiro espelho e surgiu Narciso. E a pantera é o reverso do narciso. Foi só a partir do momento que começou a pensar que fez o fogo para se aquecer, que o macaco teve consciência que podia ficar na história, que podia transmigrar a alma de um macaco para um homem de um homem para um artista de um artista para um f… neto adoptado para uma imagem e o macaco apaixonou-se tal como todos se apaixonam por uma imagem. O macaco acreditou e tornou-se crente, crente em algo que chamou deus sob vários nomes, podia ser o deus do fogo, podiam ser outros deuses e elementos naturais e isto tudo a propósito dos três min… segundos em que eu pareci nascer para um segundo sonho que não sei se é real.

E tudo isto para dizer que eu vivi morri e penso que já estou morto e que sou um fantasma que andou e continua perdido à espera da verdadeira imagem que vai voltar a fazer faísca e permitir que um terceiro sonho aconteça e um quarto sonho. Mas o problema que o pintor macaco eu macaco pintor após muita literatura que confirmou de um modo expressivo as vivências que eu próprio vi acontecer em frente dos meus olhos que muitas vezes depois se voltaram a fechar por três segundos apenas… eu ao ter confirmado pela leitura que muitos dos meus pensamentos já outras pessoas tinham pensado faz-me pensar que, de facto, eu não adoptei um avô e que, de facto, os meus avós escreveram para que eu pudesse existir. Cogito ut sim mur. Eles escreveram eles fizeram imagem eles tiveram amor ao fazer essa imagem, essa imagem tornou-se obra de arte, um meme que foi passado por um vírus retro-alfa no futuro, numa borboleta que terá passado por muitos continentes e muitas ilhas e muitas rochas púrpuras à qual talvez apenas por acaso eu, o pintor macaco, me agarrei como um náufrago só naufragado há muito de um navio fantasma, a minha vida foi uma fantasia, um sonho que desejei e já não sei se real ou irreal, eu quando escrevi o pintor R. a acordar aos cinquenta e um anos e a dizer que aquele vermelho era irreal, quem me diz que eu de facto escrevi «real» ou «irreal»?, se eu hoje quando olho para o espelho da minha consciência e reflicto o pormenor que escrevo antes de o escrever penso que devo escrevê-lo e ele fazer sentido, como hei-de saber se de facto na altura eu cria e se na realidade a imagem que eu estava a representar era irreal, se eu hoje escrevo vinte anos depois que agora adoro as interrupções momentâneas do real, toda esta filosofia diz que eu estou em contradição com o que fui quando escrevi «o pintor R. acorda com cinquenta e um anos e fuma o seu velho tabaco dos velhos águia» e eu hoje não sei de facto o que é que o pintor R. vai fazer quando acordar aos cinquenta e um anos. Se ele hoje diz que adora as interrupções momentâneas do real só quer dizer que o que eu escrevi há vinte anos não era real. E então aí se calhar eu evoluí de uma contradição para uma coerência, uma coerência contraditória e já nem sei o que digo mas a palavra que me surge é evolutivo reflexivo, eu já nem sou revolucionário nem reaccionário, sou reflexivo e tenho pena de pensar tanto.

Tenho pena de estar aqui há não sei quanto tempo a dizer coisas que não percebo como se estivesse a tentar pensar ao som do meu pensamento e dar voz ao meu pensamento em formato torrente de consciência porque apenas estou com frio, são três da manhã e não pude ir ver o reggae porque havia um elemento de segurança a revistar as carteiras e as malas de toda a gente que queria ir ver o reggae. E que talvez fosse encontrado algum produto que não devia estar talvez na ideia do gis na mala daquela pessoa, e então o que eu fiz foi… eu que queria ir ver o reggae e dançar… o que eu fiz foi de facto poupar o meu dinheiro e vir-me embora desiludido e revoltado com a autoridade que não deixa as pessoas gastarem o seu dinheiro e divertirem-se umas horas. E eu no fundo, a lama cheia de estrelas tem a ver com uma revolta contra a autoridade e ponho-me a pensar: porque é que eu não me calo antes da coisa acontecer, eu dou muita bandeira, eu dou muita bandeira, eu ponho-me a falar alto de coisas que gostaria que pudessem ser aceites pelo gis, mesmo estando a falar em sítios onde não está ninguém a ouvir eu falo da minha ideia de liberdade e de poder fumar um charro. Mas depois horas mais tarde quando vou entrar no reggae vejo um elemento de segurança que nunca tinha visto na festa anterior e nas festas todas anteriores de reggae às quais eu podia ter ido e fumado e hoje eu queria ir uma dessas festas para que estivesse três horas a dançar e a divertir-me. E a autoridade fez com que eu não entrasse e viesse para casa com a intenção de dormir mas comecei logo a falar sozinho, a dizer: caralho meu!, tu se estivesses calado talvez o agente do gis não aparecesse e as pessoas não fossem revistadas e lhes fosse apreendido o produto e tu poderias também ao mesmo tempo entrado e o teu produto não ser confiscado e poderes ter dançado, fumado e divertido, e agora estás aqui e não consegues dormir porque tens na cabeça a psicose de que os teus olhos e a tua voz estão a ser gravados por uma câmara teleológica e um microfone… mas quem põe o microfone?, onde está esse microfone?, tu às vezes até pensas que o teu pensamento está a ser escutado. E eu não sei de onde surgiu esta ideia. A lama cheia de estrelas.

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Claudio Mur

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