eu não estava para partilhar isto mas o sr. xilre escreveu uma publicação, hoje Domingo,
e eu, como vejo em muitas palavras de bloggers que gosto de ler, pedaços daquilo que Jung chamou de
Sincronicidade,
decidi partilhar, em baixo, um texto que escrevi esta semana,
tem traços opostos ao do Xilre mas versa o mesmo tema.
não façam caso do protagonismo dado ao eu que fala, eu não sei escrever na terceira pessoa:
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Caro público, vejo o brilho do sol e cores novas em cada olhar, tenho os meus seres como elementos, letras como eus e como amigos, falo com eles como se fosse comigo próprio,
não uso filtros nem símbolos de pontuação ortográfica como travessões que indiquem diálogo, tudo é solilóquio:
Eu sou como o psicanalista do livro do Boris Vian, sou um jovem cebola e não aparento a idade que tenho, sou autofágico. Sou muito mais velho, um píton, um mago, um
nigromante. Ando é disfarçado entre os pingos da chuva vestido com a personalidade dos meus amigos porque em mim a ela não lhe reconheço os traços. Adopto as amigas como irmãs primeiro,
mulheres depois e por fim mães. As cabeças de todos são parte de mim, são os meus seres. Com eles e elas falo, almoço-os a todos, fumo as suas calças de cânhamo acompanhando
o café com cheirinho e deito fora as suas cuecas de flanela, varro as cinzas do churrasco dos seus ossos e depois discurso mesmo que ninguém ligue puto, digo urso em estado alterado perante uma plateia de uanabís
como eu, todos temos um futuro ainda.
Não li muitos livros durante a adolescência porque poucos os havia interessantes em casa. Os meus pais também não liam muito mas esforçavam-se e encomendavam
livros do Círculo de Leitores e das Selecções Readers Digest. Foi assim que não sei como caíram lá em casa obras como A laranja mecânica, A servidão humana do Maugham que jurei nunca ler por causa do título. Eu não queria ler coisas tristes com esta idade, queria livros que me provocassem a excitação dos sentidos e finalmente a desejada
consumação sexual, queria livros com amor e sexo, com palavras úteis que me ensinassem. Livros fúteis talvez para um adulto mas livros importantes para a definição e acção
emocional e sexual de um adolescente. Havia outros livros que mais tarde surripiaria mas de Anthony Burgess ganhei a ideia que palavras como ultraviolência degeneram em loucura e culpa em encarceramento e reclusão
em religião e partido em sacrifício e morte, tudo isto porque o amor, já alguém o cantou, o amor é uma doença.
Mas eu quero começar por algum lado e dizer que, há quatro anos, desisti da religião porque não cria no dogma que aprendi na catequese. Andei lá até
aos dezasseis anos para ver se arranjava amigos e namoradas mas os rapazes gozavam-me e as raparigas estavam apaixonadas pelo rapaz da moto. Era isso ou a rua e os meus pais não me deixavam sair para outro lado. No
dia do crisma na Sé em Derza os meus pais estiveram ausentes e a madrinha que me levou ao altar para receber a bênção do bispo foi a Irmã Belinda, uma missionária idosa da paróquia
que fez esta caridade a mim e aos pobres sem pais. Senti-me um pobre e tão pobre como eles, senti-me condenado. Nesse dia mesmo, mandei foder toda a gente em pensamento e assim apostasiei a água benta do bispo
e decidi que era mau, que sou mau e que vou para o inferno. Irei com todo o gosto para o inferno.
Carimbei a heresia na festa de finalistas, oferecendo para o sorteio de prendas uma lingerie em couro vermelho e com um fecho de latão à frente que um tio, que nunca casou
com a minha tia, me dera uma noite na feira popular da cidade vermelha onde ele trabalhava. Despachei assim este emplastro familiar indo ele calhar a um santo paroquiano pretendente a caloiro de filosofia. Logo nos rimos uns
dos outros, eu ri-me sem saber que me estavam a riscar do mapa e a chamar-me de pervertido, estúpido e louco. Ainda consegui ao fim da noite dar uns beijos numa colega na discoteca mas o encontro marcado para uma tarde,
dois dias depois, correu mal, ela rechachara-me com medo e eu sem perceber o porquê dela, fiz cara de patrão mau, fechei a porta e saí para a rua. Nunca mais a vi e não recordo o seu nome. Para me
saciar, decidi seguir uma prostituta até à hospedaria, dei-lhe dois contos e subi, ela foi lavar-se e voltou sem a saia, deitou-se, e eu tirei as calças e puz-me em cima dela a beijar-lhe o pescoço
para que a tesão me viesse. Ela disse despacha-te e eu bloqueei. Parei. A tesão não veio e eu vesti-me sem dizer nada. Ela disse: se tiveres problemas
volta cá. Voltaria ao longo da vida mais duas vezes, a uma dei-lhe dinheiro para a calar, a outra tratei-a com carinho filial, convidei-a para tomar café mas o sucesso não veio nunca. As prostitutas não
me seduziram, nunca me servirão, penso que as respeito demais.
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Claudio Mur
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