quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Reflexão sobre o «fazer-se coisas em conjunto»

 Eu entre outras coisas faço som, quero dizer: gravo música composta por mim, gravo o que quem não gosta pode simplesmente chamar de «ruído». Faço música sem saber tocar os poucos instrumentos que possuo e sem saber ler uma pauta, improviso e depois misturo os sons gravados no computador, às vezes uso samples de discos de bandas que tenho na minha colecção, já tenho onze discos publicados no archive ponto org, gosto de às vezes misturar as vozes de amigos e vizinhos nas minhas composições, já fui abordado por uma pequena editora do Porto para gravar com eles em conjunto mas tal nunca aconteceu, eu penso que terá sido assim porque eu «fiz merda», quiseram «conhecer a peça» e a peça revelou-se no mínimo boçal, ninguém que um artista musical queira ter contacto com, eu nunca me dei bem com artistas nem mesmo musicais, sou demasiado estranho e muitas vezes dinamito tudo quantas vezes de propósito, a verdade é que não me considero artista, considero-me pintor, mas não conseguiria fazer da pintura ou da música e ter um horário de trabalho fixo e todos os dias, prefiro ganhar a vida num trabalho regular e quando chego a casa pintar quando tiver disposição, é verdade que estive dez anos a viver sem trabalhar e então chamei-me ufanamente pintor a tempo inteiro, mas a verdade é que pintava uma, duas horas por dia, o resto do tempo flanava, lia, fazia música, escrevia, tentava envolver os vizinhos na actividade artística, sugerir-lhes um ponto de escape.

Tive um vizinho que era quase sem-abrigo, passava o tempo na casa ao lado da minha, estava sobre a tutoria de uma autoridade psiquiátrica que lhe geria o dinheiro do rendimento mínimo entregando-lhe o dinheiro às prestações, em semanadas, se assim não fosse ele estourava o dinheiro todo no primeiro dia e penava os restantes trinta. Ele disse qe gostava de tocar guitarra e até falou que transou com uma turista que o viu tocar na rua por prazer, eu bem lhe dizia: faz como os outros, toca num local e pões a boina, ao fim de três horas tens vinte, trinta euros que te pagam o dia, mas ele nunca quis, não queria ser pedinte, tentei fazer uma música com ele, ele na guitarra, eu na harmónica e recitando um texto meu, pura diversão, depois ouvimos o resultado, ele não se pronunciou, uns dias mais tarde peguei no ficheiro e cortei-lhe as partes de voz e deixei ficar a harmónica e a guitarra, achei fixe, decidi ir à casa do lado mostrar-lhe e aos outros residentes, o dono da casa disse que era uma merda e além do mais mal gravada e eu fiquei sozinho na defesa do som que eu e o Tiago fizemos porque este não se quis pronunciar mais uma vez, nem para defender o seu próprio trabalho, claramente um gajo que se está a cagar para tudo e cala-se para obter o favor do dono da casa ao lado. 

É por isso que trabalhar em conjunto nas minhas ideias é difícil, não encontro empenho nem interesse. Mas não desistirei. Aliás, as coisas têm vindo a melhorar: estou a colaborar com editores de zines e revistas, e em breve estarei em condições de anunciar uma nova exposição de pintura, já faltou mais.

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