segunda-feira, 10 de abril de 2017

O fantasma escritor e as donzelas de Santo Domingo

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-- Iá meu, tenho uma história para te contar, é o guião de um filme que que eu ando a escrever e então é assim, o filme é sobre… uma donzela é levada ao colo durante dez segundos, depois começa a espernear e diz para a porem no chão e então ele põe-na no chão, ela levanta o dedo e diz «mais una mais una», levanta o dedo e diz «mais una mais una» e ele diz «não mais não mais não mais» e ela diz «mais una mais una» e continua a levantar o dedo, ele diz «não mais não mais anda anda anda» mas ela diz «mais una não vou não vou mais una não vou mais una» e ele diz «anda anda mais uma não anda anda» ela diz «não mais una» e ele diz «não!», então ela dá meia volta e volta para trás, ele tem o saco de compras dela na mão e vê-a voltar para trás, afastar-se dele e vai-se embora, fartou-se, então ele vai e ela vai beber mais uma e ele volta para trás pronto, ele volta para trás com o saco dela. Parte um, primeira cena. Segunda cena é o interlúdio em que ele vem a passear o saco dela na direcção do autocarro, entretanto ela liga. Terceira cena, «Ah pá, onde estás?», «Ah, estou, estou no autocarro», «Então, achas bem o que fizeste?», «Fartei-me!», «Pronto Xau aí.». Cena seguinte, ele chega a casa «foda-se que cena, vou mazé comer, oh num tenho fome tenho tenho num tenho fome tenho tenho não como nada vou fazer um charro», fumo o charro e ela liga, cena seguinte. «Onde é que estás?», «estoy a beber una cerveza», «pronto, fixe pra ti», «estás zangado comigo?», «Não baby claro que não», «tengo tengo que ir buscar meu saco, não puedo deixar las minhas cosas, preciso delas», «está bem, traz cerveja», «não, compra tu cerveza», «num tenho dinheiro num bou sair de casa estoy cansado, o super já fechou, nenhum café me vende cerveja a esta hora, quando chegares dá um toque», «não, vem-me vem-me buscar», «não vou nada», «vem-me buscar», «não vou nada» «vem-me buscar» «não vou nada»…«pronto io vô praí», «está bem mas traz cerveja», «está bem, eu trago, até já». Cena seguinte, «oh, vou mazé comer que estou cheio de fome e ela também há-de estar quando chegar, vou prá cozinha, tiro o tacho, meto azeite, escolho as cebolas, as cenouras, os bifes de perú para grelhar, o arroz, faço tudo, mas ela está a demorar, ela nunca mais chega, é melhor mas 'pera aí, antes de lhe ligar deixa, deixa pôr a cafeteira no fogão para passar tempo, já passou meia hora, ligo para ela: então ondé que estás?», «Ah, estoy em Batalha, aqui estar fixe!», «Está bem, quando vieres para cá dá um toque», «estar bien», «vem vem-te rápido que a comida está pronta, vem jantar, tenho jantar feito pra ti, não te demores», «estar bien estar bien vou já praí mas olha, encontrei um ciego», «um cego!, sim ondé que estás?», «ahora estoy en san bento, estoy descendo», «encontraste um cego», «si, ele está interessado em mi, quer beber una cerveza comigo», «o quê?!, mas pra ondé qu'ele vai?», «não sei, habla com el». Cena seguinte, o cavalheiro a falar com o cego ao telefone, «Quem é você?, pra ondé que vai?», «e você quem é?», «eu sou o irmão dela», «ah o irmão da amiga…», «então e você vai para onde?», «ah eu para Gaia beber uma cerveja com ela, dar um passeio com a sua irmã», «a sério?!», «sim sim é verdade», «tábem, passe o telefone à minha irmã», «olha, tu vais levar o cego à paragem do metro e depois vens embora, voltas para trás, estou à tua espera, o comer está feito!», «estar bien amor mio vou já praí estar bien». Cena seguinte. «foda-se vou mazé comer estou cheio de fome ela nunca mais vem, a comida está a esfriar, vou mazé comer os meus bifes de perú, o meu arrozinho de cenoura e ela quando vier, se tiver fome aqueço no microondas». Cena seguinte: «hmm o bife está mesmo bom!, estava cheio de fome hmm, agora a seguir o café de saco é que é». Cena seguinte, «'Tou ondé que estás?», «ah encontrei una amiga espanhola, a sério, ela quer um gelado, vou praí com ela», «mas vê se vens a tempo senão depois não tens transporte…», «estar bien estar bien», «olha ficas aqui a dormir», «não não eu vou mas depois… compra la cerveza pra mi depois yo pago», «não compro nada não vou sair de casa estou farto não quero saber já comi tens a tua comida a esfriar…», «pronto pronto mas ela quer hablar contigo», «tou, hablas espanhol?», «oui oui claro quê hablo», «ok tá tudo», «olha não precisas de gelado tens aqui comida boa», «mas eu quero comer um», «ok passa o telefone», «hola amor mira eu vou já para aí, posso levar mi amiga?», «podes claro que podes sim sim traz traz». Cena seguinte: «oh, vou mazé dormir, estou cansado de ler o livro, espero por ela deitado, espero deitado, espero que a coisa aconteça deitado e se ela não vier estou a dormir». Cena seguinte, o telefone toca, é a donzela: «tou amor?», «ondé que estás, estou à tua espera», «gostas de mim?», «gosto gosto, estou a dormir, estou à tua espera, quando vens para aqui?», «mira encontrei o R!», «o R?!, não tragas o R, não o quero cá, não te deixo entrar com ele!», «não não ele não vai, é só acabar mi cerveza e vou praí com a minha amiga espanhola», «ok ok». Cena seguinte: fim. O que é que achaste?
-- Ã?
-- O que é que achaste?
-- Ã? Ai cortei-me!
-- O que é que achaste da história?
-- Gostei gostei, eu acho que já vi essa história em algum lado…
-- Onde é que ouviste?
-- Tenho as minhas fontes, acho que foi num blogue, a história continua, não acaba aí e também gosto do final…
-- Qual final?
-- Ora... o final. Não contaste até ao final...
-- Então conta aí!
-- Não me recordo das palavras exactas, vou fazer perífrases mas a donzela trouxe a amiga, afinal não era espanhola era de Santo Domingo, naquela ilha para onde vão os finalistas de curso ou os casais em lua de mel. E para que não falte a referência musical aos Tuxedomoon, também a donzela de Santo Domingo pergunta por «blanca», cocaína para comprar nas redondezas, o cavalheiro pergunta-lhe a idade e ela diz «yo tengo un valor» e ele pergunta «quantos dólares quantos dólares só quero saber não significa que queira dar-tos» e ela responde que não quer ser insultada, a donzela que trouxe a dominicana acaba por se virar para o cavalheiro e diz «passaste no teste, eu só queria ver se eras capaz de fazer amor com outra, por isso ta trouxe.»,e ele diz «não gostei do teste, não voltes a repetir», ela diz «vem-te cá», ele vai e começam a beijar-se, a dominicana está já deitada na cama, não tem blanca e diz para abrir a janela porque não suporta o cheiro do haxe, acaba por se pôr a dormir, ronca prá mundial. O cavalheiro e a donzela deitam-se ao lado dela na cama e fazem amor enquanto ela ronca. Fim. Gostei da história, foste mesmo tu que escreveste?
-- Sim este guião fui eu que escreví, sou o fantasma escritor…
-- Um fantasma escritor?! Mas o que é um fantasma escritor?
-- Um fantasma escritor é um «escritor» que escreve histórias para um fantasma, é o contrário do escritor fantasma, esse é um fantasma que escreve histórias para um «escritor».
-- Ah, não foi num blogue, já sei onde li a história, foi no jornal O Excândalo…
-- O Excândalo ahahah!
-- Ahahah O Excândalo sim foi no dia das mentiras.
-- Ah agora partiste-me o coco a rir ai cortei-me!

E então o fantasma escritor depois de desinfectar com água oxigenada, coloca um penso na ferida feita pela lâmina de barbear, desliga a luz do espelho e vai preparar o pequeno-almoço. O dia está cheio de sol com vinte e oito graus, está um tempo óptimo para observar pássaros.
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Claudio Mur






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