considero importante este e muitos outros textos de A. Pedro Ribeiro,
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DA BARBÁRIE AO FESTIM
1
Observo as pessoas, agora na cidade. Há uma aparente calmaria. Andam de um lado para o outro, prosseguem as suas vidas. No entanto, nota-se a mecanização dos gestos. A bomba pode rebentar. A tranquilidade é falsa. Sim, há o apelo do sexo. Há o álcool que acende. Há os amigos e conhecidos que vemos em alguns dias. De resto, o mundo é absurdo, aborrecido. Sempre toxicodependentes do dinheiro. As pessoas imitam-se umas às outras. Não procuram os verdadeiros tesouros da vida. Fingem que estão bem, que são felizes. Sempre na fila, aparentemente adaptadas. Mas o medo reina. O medo de perder tudo. As famílias. A reprodução. A descendência. O animal mesclado com o humano e com o mecânico. A doença. A grande doença. Ainda estamos aqui vivos. Ainda comunicamos. Não necessariamente por palavras. Tão iguais. Tão diferentes. A vida prossegue, mesmo com bombas. E cá voltamos todos os dias. Claro que não falo daqueles que vivem a miséria todos os dias. Esses estão numa condição sub-humana. Mas não estaremos nós também? Estes gajos tentam fazer-nos a cabeça todos os dias. Estes gajos tentam enlouquecer-nos. Ou fazer de nós máquinas de produção. E lá continuamos a andar de um lado para o outro. Muitas vezes vendêmo-nos. Porque fazemos filhos? Porque continuamos a espécie? Homens como Sócrates, Jesus, Marx, Nietzsche, Bakunine ou Che Guevara não aparecem todos os dias. Claro que podemos acreditar num novo homem, num novo espírito, numa nova educação. Numa educação que leve as crianças e os jovens a buscar o bem, a criação e a sabedoria. Contudo, continuo a vê-los passar, a vê-los sentados a conversar, a vê-las exibir os corpos, e tudo permanece na mesma, tudo permanece exactamente na mesma como se isto não estivesse prestes a explodir. Bom, é certo que se sentem aliviados do trabalho. Mas o trabalho volta sempre no dia seguinte, tal como no mito de Sísifo. É tudo uma ilusão. E há muitos que só falam de trabalho. Ainda me entediam mais. Prosseguem sempre a caminhada rumo a um deus ou ao desconhecido ou ao completo sem sentido. Que viemos cá fazer? Porque não nos sentamos e discutimos estas questões? Porquê a separação, sempre a separação? Estou rodeado de gente e estou cada vez mais só. Nem a cerveja me salva. Mas eles continuam a sorrir como se nada fosse, como se não hão houvesse bombas na Síria e aqui riscos de apocalipse e explosão. Estou a tornar-me um eremita no meio da cidade com um esquizofrénico à minha mesa. De que me vale a inteligência, meu pai? Só teatro, fingimento, representação. Oxalá a minha cabeça explodisse. Não suporto mais as conversas. Não sou a estrela do rock n' roll. Vejo os amigos e as amigas de vez em quando, é o que é. De resto, há mesmo gajos hostis. Apetece-me rebentar com esta merda toda. Isto não é o justo, não é o virtuoso, não é o bem, não é o amor. São personagens que passam.
O relógio. Sempre o relógio. Não há festa. Não há orgia. Não há tambores. Não há celebração. Sempre o quantitativo. Sempre o matemático. Sem toque. Sem carinho. Dou em doido. Apetece gritar. Uns comprimidos aqui e ali. Uns sorrisos. Nada mais. A depressão espreita. Falta-me a outra metade. O dinheiro sempre a circular. A merda sempre a circular. Inferno. Que farsa. Que loucura. Não, isto não serve. Não vim para sofrer assim. De que me valem as glórias passadas? Malditos sejais, ó profetas da morte! Deixa ver se me consigo levantar. Se o sangue ainda corre. Talvez a minha loucura me salve. Talvez a minha louca sabedoria nietzscheana. Sim, ergo-me com o álcool no Piolho. Contudo, o Piolho já não é o que era. Travei aqui grandes discussões políticas. Lancei livros. Disse poesia. Mas agora há uma sensação de vazio. Mas, porra, eu tentei.
2
Hoje sinto uma estranha serenidade. O livro avança. Contrariamente a ontem, sinto a vida pulsar. Estas pessoas não atingem mas são amáveis, simpáticas. Terei que falar a linguagem do profeta. Terei que lhes tocar o coração. Afinal, é o amor que nos mantém de pé. O amor e a liberdade. Depois dos Trumps, dos terrorismos, da lavagem ao cérebro, depois da descida aos infernos virá a terra prometida. Hoje acredito no super-homem. Naquele que tomará conta da Terra, que cuidará dos homens, dos animais e da Terra. Mesmo estando só, sinto poderes interiores e celestes. Sou o tal xamã urbano. Dialogo com os espíritos. Sou feliz no meu festim.
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Observo as pessoas, agora na cidade. Há uma aparente calmaria. Andam de um lado para o outro, prosseguem as suas vidas. No entanto, nota-se a mecanização dos gestos. A bomba pode rebentar. A tranquilidade é falsa. Sim, há o apelo do sexo. Há o álcool que acende. Há os amigos e conhecidos que vemos em alguns dias. De resto, o mundo é absurdo, aborrecido. Sempre toxicodependentes do dinheiro. As pessoas imitam-se umas às outras. Não procuram os verdadeiros tesouros da vida. Fingem que estão bem, que são felizes. Sempre na fila, aparentemente adaptadas. Mas o medo reina. O medo de perder tudo. As famílias. A reprodução. A descendência. O animal mesclado com o humano e com o mecânico. A doença. A grande doença. Ainda estamos aqui vivos. Ainda comunicamos. Não necessariamente por palavras. Tão iguais. Tão diferentes. A vida prossegue, mesmo com bombas. E cá voltamos todos os dias. Claro que não falo daqueles que vivem a miséria todos os dias. Esses estão numa condição sub-humana. Mas não estaremos nós também? Estes gajos tentam fazer-nos a cabeça todos os dias. Estes gajos tentam enlouquecer-nos. Ou fazer de nós máquinas de produção. E lá continuamos a andar de um lado para o outro. Muitas vezes vendêmo-nos. Porque fazemos filhos? Porque continuamos a espécie? Homens como Sócrates, Jesus, Marx, Nietzsche, Bakunine ou Che Guevara não aparecem todos os dias. Claro que podemos acreditar num novo homem, num novo espírito, numa nova educação. Numa educação que leve as crianças e os jovens a buscar o bem, a criação e a sabedoria. Contudo, continuo a vê-los passar, a vê-los sentados a conversar, a vê-las exibir os corpos, e tudo permanece na mesma, tudo permanece exactamente na mesma como se isto não estivesse prestes a explodir. Bom, é certo que se sentem aliviados do trabalho. Mas o trabalho volta sempre no dia seguinte, tal como no mito de Sísifo. É tudo uma ilusão. E há muitos que só falam de trabalho. Ainda me entediam mais. Prosseguem sempre a caminhada rumo a um deus ou ao desconhecido ou ao completo sem sentido. Que viemos cá fazer? Porque não nos sentamos e discutimos estas questões? Porquê a separação, sempre a separação? Estou rodeado de gente e estou cada vez mais só. Nem a cerveja me salva. Mas eles continuam a sorrir como se nada fosse, como se não hão houvesse bombas na Síria e aqui riscos de apocalipse e explosão. Estou a tornar-me um eremita no meio da cidade com um esquizofrénico à minha mesa. De que me vale a inteligência, meu pai? Só teatro, fingimento, representação. Oxalá a minha cabeça explodisse. Não suporto mais as conversas. Não sou a estrela do rock n' roll. Vejo os amigos e as amigas de vez em quando, é o que é. De resto, há mesmo gajos hostis. Apetece-me rebentar com esta merda toda. Isto não é o justo, não é o virtuoso, não é o bem, não é o amor. São personagens que passam.
O relógio. Sempre o relógio. Não há festa. Não há orgia. Não há tambores. Não há celebração. Sempre o quantitativo. Sempre o matemático. Sem toque. Sem carinho. Dou em doido. Apetece gritar. Uns comprimidos aqui e ali. Uns sorrisos. Nada mais. A depressão espreita. Falta-me a outra metade. O dinheiro sempre a circular. A merda sempre a circular. Inferno. Que farsa. Que loucura. Não, isto não serve. Não vim para sofrer assim. De que me valem as glórias passadas? Malditos sejais, ó profetas da morte! Deixa ver se me consigo levantar. Se o sangue ainda corre. Talvez a minha loucura me salve. Talvez a minha louca sabedoria nietzscheana. Sim, ergo-me com o álcool no Piolho. Contudo, o Piolho já não é o que era. Travei aqui grandes discussões políticas. Lancei livros. Disse poesia. Mas agora há uma sensação de vazio. Mas, porra, eu tentei.
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Hoje sinto uma estranha serenidade. O livro avança. Contrariamente a ontem, sinto a vida pulsar. Estas pessoas não atingem mas são amáveis, simpáticas. Terei que falar a linguagem do profeta. Terei que lhes tocar o coração. Afinal, é o amor que nos mantém de pé. O amor e a liberdade. Depois dos Trumps, dos terrorismos, da lavagem ao cérebro, depois da descida aos infernos virá a terra prometida. Hoje acredito no super-homem. Naquele que tomará conta da Terra, que cuidará dos homens, dos animais e da Terra. Mesmo estando só, sinto poderes interiores e celestes. Sou o tal xamã urbano. Dialogo com os espíritos. Sou feliz no meu festim.
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