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-- Oh, Tom; desculpa-me, mas essa tua cabeça está simplesmente assustadora! Por favor, deixa-me penteá-la um pouco!
Agarrando-o pelos ombros, atirei-o para uma cadeira, com o rosto virado para a parede, agarrei os seus pente e escova, pus-me atrás dele e comecei a trabalhar. Ele tremia como uma criança, e não sabia o que eu estava a fazer mais do que se tivesse levado uma pancada na cabeça. Ora, a cabeça de Tom era um objecto raro. O seu cabelo, que era notavelmente espesso, parecia arame. Quando cortado bastante curto, projectava-se de todo o seu couro cabeludo como os espinhos de um ouriço-cacheiro. Uma das queixas preferidas de Tom fora a de que ele nunca conseguia fazer nada àquela cabeça. Eu não encontrei nenhuma dificuldade -- fiz-lhe algo, embora core em pensar no que foi. Fiz algo que temi que descobrisse se olhasse para o espelho, por isso tirei descuidadamente o meu relógio, abri-o, apressei-me e gritei:
-- Por Júpiter! Thomas -- desculpa a imprecação -- mas estamos atrasados. O teu relógio está todo errado; olha para o meu! Aqui está o teu chapéu, companheiro; anda. Não há um momento a perder!
Colocando o chapéu na sua cabeça, empurrei-o para fora de casa, com efectiva violência. Cinco minutos depois, estávamos no templo, com muito tempo de espera à nossa frente.
Disseram-me que, nesse dia, as celebrações foram especialmente interessantes e impressionantes, mas eu tinha outra coisa em mente -- estava preocupado, ausente, distraído. Eles poderiam ter alterado a habitual exibição profana em qualquer aspecto e em qualquer grau, e não o teria notado. A primeira coisa que percebi claramente foi uma fila de «convertidos» ajoelhando-se diante do «altar», com Tom na esquerda da fileira. Então, o reverendo Mr. Swin aproximou-se dele, molhando conscientemente os seus dedos numa pequena taça de barro com água como se tivesse acabado de jantar. Eu estava muito abalado: não conseguia ver nada de forma distinta por entre as minhas lágrimas. O meu lenço estava no meu rosto -- maior parte dentro dele. Viam-me a soluçar espasmodicamente, e envergonho-me ao pensar quantas pessoas sinceras erroneamente seguiram o meu exemplo.
Com algumas palavras solenes, cujo conteúdo não percebi muito bem, excepto que soavam como blasfémias, o pároco ficou em frente de Thomas, lançou-me um olhar de entendimento e então, com uma inocente expressão facial, cuja recordação me enche até hoje de remorsos, entornou, como se por acidente, todo o conteúdo da taça na cabeça do meu pobre amigo -- a cabeça em cujo cabelo eu tinha espalhado uma pródiga quantidade de pó Seidlitz
[*]!
Confesso-o, o efeito foi mágico -- qualquer um que estenha estado presente dir-te-á o mesmo. O cabelo de Tom fervilhava -- borbulhava -- espumava, e bebava como um cão louco! Fumegava e silvava, com furiosos jorros e esguichos! Num segundo, ficara maior e mais branco do que um pequeno monte de neve. Ondulava, e agitava-se, e borbotava, e transbordava, e cuspinhava -- lançava flocos plumosos como se saídos de um cisne baleado! A espuma escorreu, tapando o seu rosto, e caiu sobre os seus olhos. Foi a lavagem do cabelo mais blasfema da época!
Não consigo relatar a comoção que isto produziu, nem o faria se conseguisse. Quanto a Tom, pôs-se de pé com um salto e cambaleou para fora do edifício, tacteando o caminho por entre os bancos da igreja, soltando profanidades estranguladas e arfando como um peixe fora de água. Os outros candidatos ao baptismo também se levantaram, abanando as cabeças, como se para dizer «Não, não vais, meu querido» e deixaram, todo em conjunto o templo.
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* Nota do Tradutor: O pó Seidlitz era um laxante que provocava efervescência quando adicionado a água
[retirado do conto
"O batismo de Dobsho"]
Ambrose Bierce
in
"Os contos completos de Ambrose Bierce"
Tradução de João Reis
Edição Eucleia Edtora
Acabei de ler.
São 92 contos em 600 páginas com letra miúdinha.
Pena ter de levar com o acordês dos «espetadores» e outros.
Nestas minhas transcrições tenho teclado ignorando o AO.
Ambrose Bierce [1842-1914],
além de ter um sentido de humor refinado,
é também um escritor do outro mundo:
Mortos, vivos, fantasmas, assombrações,
casas abandonadas, guerras, naufrágios.