sábado, 6 de outubro de 2018

A barbárie em primeira mão

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Aconteceu há mais de vinte anos. Eu devia ter vinte e dois anos. Andava nesse microcosmos chamado universidade e que nos meus textos eu chamo de prisão. Estava a meio dos cinco anos de curso. Estava só, tentando ultrapassar o final da relação que mantivera. Estava aberto e disponível para conhecer novas mulheres. Mas como geralmente acontece quando uma relação longa temina, eu começava a sentir-me não integrado. Quando eu me chateio com uma mulher, chateio-me ou passo a ignorar os seus amigos e amigas, porque sei que eles ou elas a apoiam. Assim, a minha vida não só amorosa como social sofreu nessa altura um revés. Os amigos tornaram-se poucos, as amigas nem vê-las. Eu quando estou com uma namorada fico quase imune à beleza de outras mulheres que ficam candidatas a serem apenas irmãs por afinidade, como se nos adoptássemos mutuamente. Essas mulheres são apenas amigas da namorada, se eu ficar sem esta fico assim sem mulheres na minha vida. Foi o que aconteceu, fiquei sem companhia uns meses até encontrar alguém interessante. 
Ela tinha cabelo preto e liso, era da minha idade e altura, era muito calma e nunca se zangava, parecia ouvir todos, a sua cara era bonita, tinha toques de diva. Eu era um gajo que tinha ideias que chocavam com as suas no que toca a música e outras coisas. Foi alguns anos antes do meu colapso mental mas penso que muito do que depois experienciei, já nesta altura estava a germinar dentro de mim: o falar muito alto as minhas ideias, indignar-me com opiniões contrárias, sentir-me ignorado pensando eu ser um aprendiz de rei. E o certo é que ela me deu guarida, hoje não sei bem o que foi mas eu devia ter algo dentro de mim que a atraía e começámos a conversar, a ir tomar café e a ir ao cinema com o seu grupo de amigos, comecei a frequentar a sua casa, um t2 transformado em casa com três quartos, um para cada rapariga. O quarto dela era parte da sala antiga, tinha uma estante a fazer de divisória com o espaço onde o social se reunia, ou seja, a televisão, o leitor de cd e o sofá para todos nos sentarmos. Nesta altura, eu fumava haxixe apenas ocasionalmente e neste grupo ninguém o fazia, pelo que éramos todos um grupo de meninos e meninas «de bem» que estudam numa cidade longe da casa dos pais, que têm mesada para gerir, que têm ainda todo o futuro à sua frente, que vão conhecer as suas futuras mulheres ou maridos. 
A verdade é que eu me apaixonei por ela, ou pelo menos tive um forte desejo de estar sempre junto dela e arranjar motivos para com ela falar, não era tímido nessa altura, sentia-me viril e dizia-lho, «quero beijar-te estar contigo», sei lá as palavras que lhe disse, quiz fazer amor com ela, dizia-lho todas as vezes que com ela estava. Ela recusava mas não me mandava embora, calava-se e ficávamos calados até que eu percebesse que estava a fazer figura de parvo e me decidir a ir embora. Parecia que os dias passavam e o meu amor ou a minha fixação por ela aumentavam. Foi assim muitas vezes até que um dia, estando nós os dois sós, ela acedeu a fazer amor comigo. 
Fomos para o seu quarto, seriam umas sete da tarde, já noite, a luz acesa. não nos beijámos, não nos despimos, encostei-me à cama, e ela começa a desapertar-me as calças, mete o membro flácido na boca, não muito tempo é certo, eu não lho tinha pedido, o membro endurece e continuando nós friamente sem nos beijarmos, eu decido tomar a iniciativa de lhe tirar as calças e a penetrar na vagina, talvez devido à minha inexperiência eu a estar a magoar ou ela não querer já ser penetrada ou não querer de todo, lembro-me hoje que ela disse não, e disse-o alto de tal modo que um nosso amigo, que estava na sala com outras pessoas sem nós nos termos apercebido, entrou e terminou com a minha investida sobre ela. 
Na altura senti-me fodido com esse nosso amigo e também nunca cheguei a perceber se ela quiz ou não fazer amor comigo, se fui eu que estava a ser bruto e sem-jeito para o amor, hoje talvez fosse acusado de abuso sexual na forma tentada. Ela calou-se, eu acabei por vir para casa nessa noite confuso com tudo, com a minha atitude, com a dela e com a do nosso amigo. O certo é que não fui renegado, continuei a frequentar a casa dela, toda a gente podia ver que eu gostava dela, uma amiga que vivia com ela começou a ter afinidade musical comigo e sempre que ela me dizia que não outra vez eu vinha até ao quarto da sua amiga ouvir música.
Foi assim durante anos, durante anos ganhei uma fixação mórbida por uma mulher que me disse sempre não, foi preciso que ela tivesse a coragem de me expulsar de sua casa pela primeira vez e a última que nos vimos: aí eu ganhei vergonha na cara e disse «ela nunca gostou de mim».
Foi uma relação frustrada que me ensinou a desistir perante um «não» e a dizer que no fundo tem de ser só quando a mulher quer. Por muito que custe à virilidade do homem, é assim que deve ser, desistir da barbárie e regenerarmo-nos do erro e da pena.
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Claudio Mur

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