" Dados auto-biográficos
Nasci em Vila do Conde, a 17 de Setembro de 1901, e recebi o nome de José Maria dos Reis Pereira. Posso dizer que nasci entre dois séculos, o que me parece confirmado pelas minhas coisas literárias. Meu pai -- José Maria -- era ourives, como seu pai. Minha mãe -- Maria da Conceição -- tratava dos filhos e da casa. Dantes, era trabalho mais que suficiente para encher a vida duma mulher. Os meus antepassados do lado da minha mãe eram gente do mar. Os do lado do meu pai, assim como duas ou três velhas criadas com quem me criei, gente muito religiosa. Talvez por isso, em criança, eu ora dizia que queria ser marinheiro, ora padre. Fiz os estudos liceais em Vila do Conde e no Porto. Ainda sonhei, por essa altura, matricular-me numa Escola de Belas Artes, porque tinha algum jeito para o desenho e um vivo gosto pela pintura. Desisti, por se me haver revelado mais firme a vocação literária. Meu irmão Júlio é que se desenvolveu na pintura e no desenho, além de vir, depois, a publicar livros de versos com o pseudónimo de Saul Dias. tirei em Coimbra a licenciatura em Letras e o estágio para professor efectivo. Também em Coimbra, que considero a minha segunda terra, me meti nas empresas da «presença». Lá ganhei amigos, vivi uns anos a meu gosto, e principiei a publicar livros. Depois, fui professor no Porto durante uns meses. Do Porto passei para Portalegre, onde me efectivei. Em Portalegre, que considero a minha terceira terra, vivo há uns trinta anos, entregue à minha profissão de professor, à minha produção literária e à minha mania das antiguidades. Eis porque me queixo de contínua falta de tempo. Vivo só em casa mas não me sinto desacompanhado. Tenho publicado livros de poesia, de romance, de novela, de teatro, de ensaio e de antologia. Também tenho feito um certo jornalismo, que gosto de fazer porque me põe em contacto imediato com leitores de várias classes. As minhas aventuras têm sido sobretudo interiores, -- ou são tão particulares ou banais que não podem vir a público. Não pertenço a nenhuma ortodoxia religiosa; mas creio que me seria impossível viver sem o sentimento e a ideia de Deus, que sempre me tem sustentado. Amo os espectáculos da Natureza e os da Arte. Não posso aceitar qualquer doutrina que simultaneamente não distingue a pessoa humana e não procura remediar as injustiças sociais que ainda afligem o mundo. Nunca, até hoje, falei em público, Ainda há pouco, sentia-me inibido ao tentar dizer versos meus. Agora ainda, os digo bastante mal, mas cá os vou dizendo: A proximidade da velhice faz-nos perder muitas inibições e até preconceitos. Deus continua a sustentar-me, e me deixe morrer em paz quando chegar a minha hora. A falar verdade, ainda não tenho pressa.
Vila do Conde, Setembro de 58
José Régio
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