domingo, 7 de dezembro de 2025
domingo, 30 de novembro de 2025
Depois do 25 de Abril, por exemplo, tornámo-nos todos democratas. tornámo-nos democratas por medo. e até ao fim da revolução, até 76, fomos indefectíveis democratas. Fomos democratas por cobardia, tínhamos pânico de que nos acusassem comos os pides
"
Sentado no banco incómodo do carro, com Ourique ao longe, o amontoado de casas de Ourique que o calor refractava, lembrei-me que nós, os psiquiatras, nos assemelhamos todos ao noivo, tão ridículos e apavorados como ele, arrastando uma mala repleta de pastilhas, de ampolas, de conceitos e de interpretações, o enxoval de uma ciência inútil no braço. Lembrei-me do nosso ridículo, do nosso pavor, da miséria da nossa pompa e comecei-me a rir. Ria um riso ao mesmo tempo podre e alegre, o riso podre e alegre dos carrascos. Ria dos que manejavam os aparelhos electrochoques nas clínicas da periferia de Lisboa destinadas aos ricos, em que as camisas de dormir cheiravam melhor e não havia pó nas secretárias, das clínicas rodeadas de jardins tristes da periferia de Lisboa, onde os quartos se aparentam a jazigos habitados por cadáveres sonâmbulos, nos quais os psiquiatras instalam a esperança postiça das pílulas. Ria-me dos médicos bem vestidos, bem alimentados, solenes, comedidos, competentes, majestosos, ria-me da sua falsa segurança, do seu falso interesse, da sua falsa ternura, e o riso soava desfigurado e humilde aos meus ouvidos, soava como a queixa dos bois doentes quando se aproximam deles para os matarem, os bois que levantam os olhos moles para o braço que os assassina, numa ternura insuportável. Ria com Ourique ao longe no sossego da tarde, na paz da tarde do Alentejo cheia de rolas bravas e silêncio, ria dos psicanalistas detentores da verdade a jogarem xadrez na cabeça das pessoas com o seio da mãe e o pénis do pai, e o seio do pai e o pénis da mãe, e o seio do pénis e a mãe do pai, e o peio do seis e o pãe do mai, ria dos que curam homossexuais com diapositivos de rapazes nus e descargas eléctricas, dos que tratam o receio das aranhas com aranhas de arame parecidas com insectos de carnaval, dos que se juntam em círculo para dissertar sobre a angústia e cujas mãos tremem como folhas de olaia, brandidas pela zanga do vento. Ria-me de pensar que éramos os modernos, os sofisticados polícias de agora, e também um pouco os padres, os confessores, o Santo Ofício de agora, ria-me de pensar nos oleosos psiquiatras obesos que impingiam sessões musicais aos seus pacientes em nome de técnicas obscuras, dos barrigudos, desonestos, assexuados psiquiatras obesos, dos budas repelentes seguidos de uma corte de feios discípulos extasiados, de barbicha de bode e de cabelo sujo, segregando-se na orelha inanidades convictas.
Depois do 25 de Abril, por exemplo, tornámo-nos todos democratas. Não nos tornámos democratas por acreditarmos na democracia, por odiarmos a guerra colonial, a polícia política, a censura, a simples proibição de raciocinar: tornámo-nos democratas por medo, medo dos doentes, do pessoal menor, dos enfermeiros, medo do nosso estatuto de carrascos, e até ao fim da revolução, até 76, fomos indefectíveis democratas, fomos socialistas, diminuímos o tempo de espera nas consultas, chegámos a horas, conversámos atenciosamente com as famílias, preocupámo-nos com os internados, protestámos contra a alimentação, os percevejos, a humidade, os sanitários, a falta de higiene. Fomos democratas, Joana, por cobardia, pensou ele vendo um bando de rolas poisar num olival, agitar a tranquilidade do olival com o reboliço do seu voo, tínhamos pânico de que nos acusassem comos os pides, nos prendessem, nos apontassem na rua, pusessem os nossos nomes no jornal. E demorámos a entender que mesmo em 74, em 75, em 76, as pessoas continuavam a respeitar-nos como respeitam os abades nas aldeias, continuam a ver em nós o único auxílio possível contra a solidão. E sossegámos. E passámos a trazer dobrados no sovaco jornais de direita. E sorríamos de sarcasmo ao escutar a palavra socialismo, a palavra democracia, a palavra povo. Sorríamos de sarcasmo, Joana, porque haviam abolido a guilhotina.
"
António Lobo Antunes em
Conhecimento do Inferno, pág 99 -- 101
edição Vega
sexta-feira, 28 de novembro de 2025
Manitas de Plata -- 3 songs from Guitares en Fete
sábado, 22 de novembro de 2025
Um livro para o dia
As Edições Mortas
acabam de editar
"Até que a morte nos separe" por Claudio Mur,
um livro de poemas dedicado a Sanea Vallis.
Está disponível para já na livraria Utopia e livraria Térmita no Porto
ou contactando o grande Oliveira através do email: oliveiraeditor21@gmail.com
100 páginas, PVP 15
quinta-feira, 20 de novembro de 2025
sábado, 15 de novembro de 2025
Haitian Fight Song
Azul de terra (versão)
-- Olá, estás aí? Não te vi entrar...
-- Sou invisível!
-- És nada! O que vais tomar?
-- Um café.
As imagens que são pessoas vivas passam da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, em frente à porta do bar das oito pontas azuis. Eu observo e bebo o meu café. Um amigo entra e senta-se no balcão a meu lado. O seu discurso é um pouco mais incoerente que o meu. Tem problemas derivados do consumo de pastilhas e esteve em Lá. É meu amigo.
-- Nós lá... desenhávamos o tempo.
-- E caminhávamos como se fôssemos santos e víssemos a quimera.
-- Dá-me um cigarro. Para este peixinho.
-- Para seguir no comboio e ir ver as pirâmides?
-- E ver também os elefantes e as mulheres abelha e os cães danados de três cabeças e os pintaínhos azuis...
O dono do bar para quem nós não somos invisíveis, ri-se. O meu amigo sorri. Eu também.
Fumámos o peixinho a dois. Repetímos o pecado segunda vez. Somos sonhadores.
Agora, levanto-me e venho até à porta, sento-me na soleira. Começo a sentir arrepios de frio. Volto para dentro e sento-me novamente ao lado do amigo.
Agora, sinto-me uma imagem com o frio a subir-lhe à cabeça. Começo a sentir-me perto dum apagão. Se fechar os olhos apago-me. Ainda não paguei, tenho de pagar antes que me apague, antes que me transforme em estátua.
Olho em frente para o espelho e vejo-me a abrir a carteira e a tirar vinte euros para pagar. Pouso a nota no balcão, por baixo da carteira e com a mão por cima. Olho o dono.
Sinto o sangue a ferver e o frio a subir à cabeça e a dar voltas no estômago. Tento controlar e vejo no espelho a imagem a controlar. Baixo a mão à cintura e sinto tonturas e dificuldades em me conservar sentado neste banco de pé alto. Olho para o espelho e estou a controlar.
Os meus ouvidos num túnel, os meus olhos a apagarem-se. A casa a explodir.
(E nesta interrupção, as imagens surgem de dentro como um desejo de síntese.)
-- Olha, deixaste cair ao chão a...
Acordo do apagão e olho para terra. Azul. Vejo a nota no chão. Azul de terra. Apanho-a e agradeço. Volto a sentar-me. Era a última nota do mês. Faço sinal e pago.
Afinal, correu tudo bem e os amigos ajudaram. Levanto-me e venho sentar-me na esplanada.
Sou agora uma imagem fora de tela, sou ahah um unicórnio de um milhão que ia ficar a dever. Sou uma estátua com a cabeça encostada à parede e que olha para cima, para o céu e não pode fechar os olhos. Porque as imagens não deixam, elas querem ajudar.
Preciso agora de respirar pausadamente e bloquear a agonia do estômago. O pior já passou. A estátua respira e beija com carinho a imagem que ajudou a estátua.
O filme está a terminar e já só falta um pu. Mais um arroto. Já está.
A boa acção terminou. Cumprimentei um amigo de Lá e com ele fumei um intensificador de sonhos. E vi imagens que são pessoas vivas e estátuas que são pessoas mortas e agora vou desenhá-las.
Levanto-me agora da esplanada e vou para casa renovado. Vou pelo caminho dos pescadores. Um deles recolhe agora mesmo um robalo. Sorri de contente.
Eu sorrio com ele e digo: -- Olha, um dia vendi um quadro e nunca mais lá voltei. Disseram que era ciência rara. Que haja peixe, irmão, que haja peixe!
Ele ri-se achando tudo absurdo. Mas não faz mal. Ele não sabe que acabei de parafrasear Manuel da Fonseca. Estou em paz. Não preciso de mais nada hoje. Uma sopinha e dormir feliz ao ouvir a «haitian fight song» do Charles Mingus.
segunda-feira, 10 de novembro de 2025
sábado, 8 de novembro de 2025
quarta-feira, 5 de novembro de 2025
Uma imagem de há 30 anos
sábado, 1 de novembro de 2025
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
Sendo da experiência comum, tudo isto é ainda em mim complicado por qualquer tique particular.
"
Passara várias noites com mulheres. Ainda não passara um dia inteiro com uma. O dia correu-nos sem que o tempo se nos fizesse sentir. Demais, eu notara há muito tempo não possuir exacta noção do tempo. Direi melhor, dizendo que a minha medida do tempo é inconciliável com a vulgar. Momentos há em que saio de mim e ouço o tempo fluir como um sussurro de água. Este murmúrio do tempo confunde-se-me às vezes com o zumbido de um insecto, o uivo do vento ao longe, o tiquetaque dum relógio, o ranger de uma pena no papel, o apito abafado dum ouvido doente... E dizer que tais ruídos me fazem ouvir o silêncio ou sentir correr o tempo -- são-me expressões equivalentes. Ao fim de certas tardes, penso na manhã do próprio dia como se houvera sido há dias. E ao da semana, outras vezes, conservo só a impressão dum dia baço, incolor, chato... Nem falo já das cenas que decorreram há anos, e me são sempre de hoje; dos intervalos em que um sobressalto do coração sustém as horas; ds conversas que se arrastam eternidades; dos instantes imensos, petrificados; ou daqueles dias que súbito nos arrastam numa velocidade vertiginosa... Sendo da experiência comum, tudo isto é ainda em mim complicado por qualquer tique particular.
"
José Régio em Jogo da Cabra Cega, página 224 - 225
edição Opera Omnia
domingo, 19 de outubro de 2025
Maldade de um sem noção
sexta-feira, 17 de outubro de 2025
sexta-feira, 10 de outubro de 2025
É por causa de coisas como política externa
Na televisão, ouço Paulo Raimundo dizer a propósito do Nobel da Paz: -- Já se esperava uma golpada se o vencedor fosse o Trump. Não ganhou o Trump, ganhou uma trumpista.
O pcp prefere apoiar o Maduro e ignorar a posição do partido comunista venezuelano que está na oposição. Mas também leio que Corina Machado flerta com a extrema direita.
O pcp prefere compreender o Putin que não é comunista e ignorar a posição do partido comunista russo que está na oposição.
Eu poderia votar pcp mas não voto e, apesar de concordar com muito do que o partido diz, não voto por causa da puta da política externa! Se o ditador for de esquerda é bom para o pcp. Pois nenhum ditador devia ser bom.
terça-feira, 7 de outubro de 2025
Adenda ao tuíte anterior
domingo, 5 de outubro de 2025
Tuíte A fama é um berlinde
Eu pensava que tudo era mais que apenas vender mercadoria e transbordar glamour nas redes sociais. Pensava que era sobre trocar ideias e fazer ligações recíprocas.
Diz-me lá, por isso: deverei eu dar dinheiro a um crítico para ficar na história, mesmo que ninguém mostre interesse na pessoa?
Não. Prefiro que ele continue a escrever os seus poemas honestos onde dita ordens e imagina a vida do outro.
quinta-feira, 2 de outubro de 2025
sexta-feira, 26 de setembro de 2025
Um conterrâneo soldador a ler Walser
´´
O meu pai perguntou ao almoço se eu poderia levar a minha mãe, em vez dele, à cabeleireira às cinco da tarde e eu respondi:
-- Não posso, tenho de ir entregar a carta da mãe nos Correios e depois apanhar lá o autocarro para ir à Lapa comprar mortalhas.
Não disse que não chegava a tempo, completei a negação dizendo: -- Em Forno Town as mortalhas custam um euro e onde vou custam vinte cêntimos. Não vou ao Forno comprar mortalhas para fumar no fim-de-semana, eu quando vou à Lapa compro mortalhas para três semanas.
Quando tomei o café com os meus pais, entreguei o jornal para eles lerem, peguei na carta da minha mãe e desci as escadas até ao meu anexo. Estive a ouvir um cdr de Margarida Guia que havia comprado recentemente e a pensar que era do café em excesso os problemas no estômago nos últimos dias. Não sei nada sobre Margarida Guia, sei apenas que é portuguesa e vive em França, este trabalho tem field recordings, voz e alguns instrumentos, uma ou duas boas melodias, é um disco curto, pouco mais de meia hora, mas as boas obras não precisam de ser longas.
Pensei «É tempo de ir.» Meti no walkman uma cassete de Lieven Martens e fui pelo caminho dos Coriscos aos Correios. Cheguei, esperei a vez, e entreguei a carta de porte pré-pago ao balcão. Saí da estação e cheguei à paragem, o autocarro chegou em três ou quatro minutos. Entrei e sentei-me na cozinha do autocarro e carreguei no stop do walkman. Lieven Martens usa igualmente field recordings que exigem a máxima atenção e o barulho do autocarro, do motor e do ar condicionado impedem que se ouçam todos os sons.
Três paragens mais à frente, entra o Zezinho e ignoramo-nos mutuamente e olimpicamente ele sentou-se no outro lado da cozinha e os lugares entre nós dois foram ocupados por um outro passageiro que se sentou na paragem seguinte. Os seus fones são mais potentes que os meus mas o som que deles saía fez-me pensar «Ainda vive no tempo das raves e das pastilhas daquele sócio que mais ninguém viu.» Era só Tum tum a saír dos fones do Zezinho e a meterem-se no meio do som do trânsito, das portas a abrir, das validações do andante, do motor, das notificações do telemóvel da passageira à minha frente. Mas, olha, é o que temos, os conterrâneos de Carreiros City só ouvem techno e djs de rave.
Conformado mas pouco importado saí na minha paragem-destino e pus os meus fones retro nas orelhas e carreguei play no Lieven Martens e começei a ouvir sons de floresta com pinceladas de sintetizador, pareceu-me um clarinete sintetizado, misturado no barulho da passadeira e da rua abaixo.
Passei numa livraria e vi na montra um livro de Maria Velho da Costa, fiquei curioso, não dizia o preço, teria que ir levantar dinheiro e retornar aqui, «e depois quando iria eu ler este livro?», «não estou em alturas de acumular», sigo rua abaixo, vejo noutra livraria no caminho para a tabacaria outro livro, José Régio: Jogo da Cabra Cega, «que terá este livro de disruptor para estar aqui neste montra?», fico curioso mas sigo o meu plano: comprar mortalhas. Sigo em frente.
«Qual era o jogo da cabra cega?, não me lembro, havia o cavalinho, o pião, as caçadinhas, as escondidinhas, a macaca...», penso eu ao chegar à tabacaria.
Compro mortalhas e retorno o caminho a pensar no livro, «a livraria tem multibanco...», entro e peço para folhear, Vergílio Fereira diz na contracapa ser um dos três melhores livros portuguses a par com Húmus de Raul Brandão e a Confissão de Lúcio. Sorrio ao lembrar o Mário de Sá Carneiro ser aqui citado, já não o leio há quase trinta anos e nem sei se ainda tenho saudades. Compro o livro e venho para a paragem de autocarro.
Chego a casa às 17h30m. Os meus pais ainda não chegaram da cabeleireira e também tinham que ir a uma modista ali ao virar da esquina.
Dou mais uma audição à Margarida Guia. «She's growing on me». Decido ir tomar um café.
Saio do anexo com o livro que ando a ler e com intenção de subir a rua, mas vejo que os meus pais já chegaram e me olham pela janela. Digo:
-- Vou tomar um café. O meu pai responde:
-- A tua mãe quer que tu vás com ela ali abaixo buscar uns diospiros...
-- Ó, mas não precisa de ser agora, quando voltares. Diz a minha mãe.
-- Uns diospiros? Aonde?
-- Ali abaixo. E aponta. -- A senhora disse...
-- Na casa do João Filipe?
-- Sim.
-- Está bem, vamos lá.
Volto ao anexo para deixar o livro e depois desço a rua duas casas. A antiga casa da mãe do João Filipe foi vendida e o novo dono está a fazer obras e o diospireiro está carregado. E a nova dona anda a distribuí-los pelos vizinhos. Batemos ao portão. Eu digo:
-- A senhora da casa disse à minha mãe que podia vir buscar diospiros.
Chega o dono. Jovem com menos de trinta anos. Brasileiro. Desculpa-se de ter as mão sujas de andar a fazer as obras de remodelação e não nos apertar a mão e chama um dos rapazes que o está a ajudar e diz-lhe para ir buscar o cabaz com os diospiros que a sua mulher tinha posto de lado.
A minha mãe começa a encher a fruteira que havíamos trazido para recolher os frutos e começa a encher, a encher a fruteira. O dono diz qualquer coisa banal, a minha mãe diz que conhecia a antiga dona, eu digo que os diospiros fazem bem à saúde, o dono diz que ele não mas a mulher dele come, está sempre a comer mas olhe!, temos a árvore cheia, eu pergunto «mãe?, não é aos olhos que os diospiros fazem bem?», a minha mãe reflecte, vira-se para o dono e diz que os diospiros fazem mal aos diabetes e entretanto, acaba a comentar «vou acabar por os levar todos...»
-- Mãe, não achas que são demais? O senhor pode querer oferecer também a outras pessoas... digo eu a pensar se a minha mãe se lembra que tem diabetes. Também a minha mãe tem a sua droga que não sendo um vício, sempre que chega perto de uma fruta doce...
Ele diz: -- Temos tantos, pegue eles todos, minha senhora.
Obrigado e despedimo-nos, eu aperto-lhe a mão. Vimo-nos embora, subimos para a nossa porta, eu coloco a taça na mesa da cozinha e venho embora, passo no anexo e recolho o livro e vou ao café ao cimo da rua.
Entro, cumprimento e peço o meu café. Um rapaz olha para mim, eu olho para ele, ele sorri e eu sorrio, estendemos a mão e cumprimentamo-nos.
-- Não sei se te estás a recordar...
-- Não me lembro agora do teu nome mas já não te via há anos. E então, tátudo?
-- Tátudo!
Volto ao café e pego no telemóvel para ver a notificação. Olho à frente da mesa e vejo uma mão estendida para mim. Olho para cima e vejo um outro sócio que também já não via há anos. Ele mostra atenção pelo livro que tenho na mesa, pega nele, folheia as primeiras páginas, eu digo:
-- É um livro com a fala de um índio, o autor escreveu-o com a ajuda de um tradutor, o chefe índio conta a história da sua tribo, e o autor toma notas escritas do que ele diz pelo tradutor.
-- Sim, sim, um dos melhores livros que li foi o livro do Duchaussois...
-- Sim, conheço, li-o com vinte, vinte e um anos.
-- Eu tenho a edição dos anos setenta.
-- Sim, deve ser valiosa, trata bem desse livro...
-- Já o li para aí seis vezes.
-- Mas também podias ler outros...
Ele confirma e diz solene: -- Sim, tenho as Memórias de Adriano de Yourcenar...
-- Conheço o livro mas nunca li.
E depois pensa e pensando diz: -- Ualser...
E eu «Ualser... estará ele a pensar em, conhecerá ele?» e pergunto: -- Robert?
-- Sim, Robert Ualser, tenho um livro dele...
Eu completamente maravilhado pergunto: -- Tens um livro dele?
-- Sim, como se chama o livro?
E põe-se a pensar e tudo isto é ao milésimo de segundo e também eu me ponho a pensar em qual livro, e digo: -- O ajudante?
-- Ele diz: -- Sim! e dirige-se à casa de banho e no caminho eu digo um pouco para confirmar que ambos falamos do mesmo:
-- A mulher do patrão era a frau tobler. E sorrio. Ele sorri e entra no WC.
E eu maravilhado a pensar «um soldador a árgon... um operário a ler Walser, um conterrâneo meu a ler Walser!», a ler e a dizer Ualser, eu sempre pensei que se dizia Valser, mas ele tem arranjado trabalho como soldador por essa europa fora, até pode estar certo, se Walser for como Walter ou Wayne... o W lê-se como um U...
Quando chego a casa são horas de jantar.
Mas depois penso «nunca fiando, eu sei que há quem leia as minhas publicações, mas não tenho falado do Walser... ele também não se lembrou do nome do livro, fui eu que me antecipei, eu não dava para polícia de investigação, devia ter-lhe dado tempo para se lembrar do nome do livro, assim apenas criei uma hipótese de ficção... mas só o facto de ele ter, à partida, dito Ualser já é maravilhoso, não sendo um absurdo é algo que ressoa.»
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terça-feira, 23 de setembro de 2025
Carreiros com fome
Explicação do termo «Storm is ready here to go» aplicado a uma música de ZMB criada em 2007/2008 e reapresentada na sua versão longa em 2025 com o título «a tempestade e» e a qual foi embrulhada em poesia que eu disse fonética.
Esta poesia dita de fonética é na verdade uma poesia do absurdo. A gente lê Cros e Beckett e ri-se com a ilogicidade da situação que o texto conta. Rimo-nos com a loucura da personagem e com o seu absurdo. Mas se pedirmos uma explicação ao autor ele não a dá e remete-nos para o texto em si, ou seja, o texto absurdo é explicado, racionalizado, higienizado mas só fica como resíduo da história o riso, que é a versão romântica da loucura, «bora lá ser louco e rir e fazer rir até não parar» dirão alguns.
Mas a loucura é algo diferente e o texto da loucura na primeira pessoa é absurdo porque ininteligível, é uma fonética do caos, o absurdo é o caos, o texto está cheio de cliques, sequências de palavras que funcionam como cliques e remetem para situações que acontecem à volta do louco, pode ser uma personagem de filme, pode ser um verso musical, pode ser um evento futuro ou passado ou uma invocação de algo que se deseja que ocorra, alguém que apareça. É um discurso mágico no sentido em que se escreve a mensagem e se a enterra e anos depois ao voltar a ela anos mais tarde ela é incopreensível porque os segmentos desse discurso ficaram esquecidos e se ocorreram muitas vezes ocorreram apenas ao nível mental, ou seja, dentro da cabeça do louco que escreve.
Exemplo:
Legal informal pendular
vestem os humanos uma perna de cada
espanha españa spain 3 vezes
regional
irlandês finlandês nordland na tenda das
pme => louva-a-deus
diminuição nas chamadas com
custo de contexto =>
aquele caminho leva a algum lado
direccionado para os nichos
bichos de mercado, gerir os nichos
de pureza original =>
os anti non não nee a partir do
gabinete do pm =>
a vã glória de mandar
os anti non não nee a toda a opressão
das instituições públicas
mas não púdicas ou mesmo púbicas carnes
de porca...?
Resposta 1: península provoca o congelamento.
Resposta 2: estagnar e indemnizar os nonono
with a gun dillinger dean gangsters!
Holy shit shit cow chao holy shit shit
uma vaca pode ter três tomates (?!)
down town train and a glass of vodka,
let's get high high high!
Que pontes de contacto com a realidade?
Onde e como?
A receita é simples: those hives sff fodasse
-- ou então exemplo 2:
Carreiros com fome
Imediatismo ou coisa-isma doom
Criando ourobouros metal ooorrrg
Eternidade retornando
escatologicamente
Pinando pintar pintando pinar?
Hongos...
Depois pinar primeiro pintar?
Wolves...
Depois pintar primeiro pinar?
Gratinhas...
Roubar um beijo?
Isso sim vulva súcuba!
Ainda válido?
Chouriço sem cabeça!
Uma década valerá um número-porta?
Um cd, uma mãe, a shrine?
Sucking up my soul yr soul...
In a lair to feed the moon..
My dream of a moon as I bite yr breast?
My mother's milk would I like?
I would like to take a nap in your pot belly
but little jazz bop in yr mouth?
Tu poderias queres que eu
te oferecesse uma lolipop...
Seria mais um segredo policial mente
mente poetisa.
A Amy poderá morrer aos 27
e ela teve um relapso dias depois.
[e ela infelizmente morreu mesmo aos 27]
As abelhas andam por perto
quando ponho Beequeen no leitor de cd.
--
se a literatura é a expressão escrita de uma voz, estes dois exemplos são de uma voz em ruínas.
A música Storm is ready here to go significa que a tempestade já cá está e está pronta a morrer. Foi musicada a partir do som de uma trovoada e da declamação de várias vozes de um texto em inglês que era basicamente a junção de frases de booklets de cds de bandas com títulos de bandas, músicas e filmes.
Na música a frase You must destroy to build a new form of beauty é a junção de um slogan de Einstuerzende Neubautem com um projecto musical de Virgin Prunes.
Hoje, depois do que acontece em Gaza e com os ministros israelitas a dizer que Gaza está na fase de demolição e que o Trump tem em cima da mesa um plano para build a new Gaza... hoje, dizia eu, a música soa tétrica e reveladora de que a tempestade tem de ir, tem de desaparecer, a tempestade é o fascismo nos EUA e Rússia e Israel e Sudão e um pouco por todo o lado e a ganhar força na europa e em Portugal.
We're here to go, dizia WS Burroughs
Are you ready to go?, disse John Balance no seu último concerto antes de se ir.
Storm is ready here to go é tudo isto, uma cápsula temporal que retornou e vai dar cabo do Ocidente.
A não ser que...
domingo, 21 de setembro de 2025
Sisters and brothers: dance! [repost]
Lyrics:
my sex waits for me
it's very often solo
some times it's automatic
and feel is acrobat
attention attention
do it yourself
do it yourself
quinta-feira, 18 de setembro de 2025
IRABCDJOL XVI
domingo, 14 de setembro de 2025
quinta-feira, 11 de setembro de 2025
Utopia
Estou com um cigarro na
mão esquerda
e penso nela,
na princesa de rá.
Estou com uma caneta na
mão direita
e penso nela,
na cigana de shiva.
ZhanXiPin de fato de trabalho
Azul como a cor da bandeira
(cosida à mão ah artesã!)
Um avião passa.
A bandeira com as cores de
ZhanXiPin,
há muito tempo
Transmutada em princesa de
baquelite...
Caiu da janela...
O gato levou-a ao vento.
O milho deu pombas às pessoas.
A guerra acabar — eis
a minha utopia.
terça-feira, 9 de setembro de 2025
Nunca mais comerei pão
domingo, 7 de setembro de 2025
Tuíte Quero lá saber do Proust
O dia de ontem? Memorável!
O doutor dá a sua consulta — a última
antes da reforma.
Pergunta como me sinto
agora
Com a redução da prescrição?
Eu digo-me bem e peço
ainda menos...
— Informe-me, faça a exegese,
o que está escrito acerca da
minha situação clínica?
Ele lê: agitação... mania da perseguição...
exaltação... verborreia...
Tento explicar os porquês:
‘o verão, o varão, o barão, a barona
e a baronesa, doutor...
a baronesa recusou a minha declaração,
ela contou, extrapolou,
submeti-me à chacota, zanguei-me
com o boss, doutor...’
Falo, principio a abordar o resíduo.
O doutor diz: tem problemas da adaptação.
Insisto: as minhas relações são frustrantes,
conflituosas.
Digo: os media transmitem propaganda.
induzem, tornam o meu pensamento verídico,
manifesto.
Ele analisa; é aí que começa a doença,
a inadaptação não é propriamente doença,
mais um modo de ser.
Quanto às mulheres, ele diz:
‘quem vai à guerra...’
Lentamente as palavras vão
fazendo sentido.
Negoceia-se uma redução de dose.
Ao fim de um ano... talvez 0mg.
Depois... um período de três anos
em vigilância.
Sei que o doutor faz um boa acção:
uma prenda com veneno antes da
sua reforma.
Só eu poderei descobrir o antídoto.
Ser auto-suficiente.
A celebração inclui Wilhelm Reich
na Amazon.
Consegui um cartão de crédito.
Exercito o meu inglês.
Leio: ser bilingue pode impedir
o alzheimer.
Ao jantar envio sms a dizer:
‘não trabalho segunda,
if I might be bold entre linhas
vamos querida para fora uns dias’
Confesso-me ousado, espero que
ela goste.
Lembro: apaixonar-me por email é
rotina minha.
Aguardo resposta.
Ouço Legendary Tiger Man em vinyl.
sexta-feira, 5 de setembro de 2025
A Revolução Não Vai Ser Um Tweet
segunda-feira, 1 de setembro de 2025
Tom Zé - Se (1976)
sexta-feira, 29 de agosto de 2025
Graffiti
terça-feira, 26 de agosto de 2025
Primeiras impressões de ZOV de Rui Manuel Amaral
domingo, 24 de agosto de 2025
quarta-feira, 20 de agosto de 2025
segunda-feira, 18 de agosto de 2025
Tuíte do fim do mundo
Heureka! O meu pai de quase quatro vintenas de anos aderiu ao facebook!
Não sei se é o fim do mundo mas pediu-me para eu lho instalar no seu novo espertafone, está a ficar moderno.
Hoje, todo contente pediu-me para eu lhe tirar e colocar uma foto de perfil: ele e a minha mãe.
-- Mas ela não está bem perto de mim...
-- Também querias que ficasse em cima de ti?! Pelo menos, está a olhar para a camara e tu tens um olho que sim e o outro não!
O meu pai olha a foto no espertafone (ele não vê mãe ele não vê, aquilo é o novo brinquedo dele, filho) e responde: -- É dos óculos!
Agora, anda a ver as publicações dos sobrinhos, a dizer olha este é reaccionário, ou então este é o teu primo?, parece ele.
O meu pai inverteu a lógica. para ele um socialista ou um comunista é um reaccionário, já os de direita são Deixa-me comer em paz, deixa o Luís Trabalhar.
Sim pai, ainda bem que o Luis está a trabalhar, mas foi só por aquela senhora a quem ardeu a casa ter dito que o Luis estava na praia. Ainda bem que o Luis e a ministra da saúde estão a trabalhar, o que seria se não estivessem... quantos mais bebés tinham morrido se eles não tivessem a trabalhar.
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
quinta-feira, 14 de agosto de 2025
domingo, 10 de agosto de 2025
quinta-feira, 7 de agosto de 2025
Caniche desalmado
sábado, 2 de agosto de 2025
quinta-feira, 31 de julho de 2025
quarta-feira, 30 de julho de 2025
Fado Samba (1988): dedicado a um amigo que faz anos e é amigo dos livros das Edições Cassiber
segunda-feira, 28 de julho de 2025
Hipocrisia das gentes nacionais
quinta-feira, 24 de julho de 2025
domingo, 20 de julho de 2025
52
quarta-feira, 16 de julho de 2025
segunda-feira, 14 de julho de 2025
Anedota do almoço
Pai, estás a ouvir o jornalista?, o trampa está-se a preparar para pôr uma tarifa de 500%.
Ele está doente
domingo, 13 de julho de 2025
Para cansar o leitor uma última vez... até à próxima eheheh
The end
É claro k a história continuou.
Mas preferi vivê-la.
Dei um não definitivo a todas as k s tornaram musas,
até a própria deusa recebeu uma quase indiferença,
à falta de melhor termo, quando jogou na malicia
pensando talvez o passado em cristal,
pensando quando apareceu sem dizer uma palavra
que eu me lembraria do seu rosto nesse instante
e logo no instante seguinte
virou costas sentindo-se esquecida.
Nem me deu tempo de a reconhecer.
Fiz as malas,
avisei toda a gente,
fretei os colegas do novo trabalho
e a carrinha para transportar alguns móveis
e mudei-me para a cama de vallis,
ela de minha mãe recebeu uma camisa de noite azul
sinal de k a tratava com flores de laranjeira.
Se deixei musas e deusa foi
pk deixei d acreditar em ilusões e
fui viver a realidade de um amor proletário.
Amámo-nos tanto
e desejámos morrer e matar o outro tantas vezes
‘casámos’ duas vezes como Richard e Elisabeth
fomos rei e rainha de latão
não, não foi a morte que nos separou
isso seria trágico
mas talvez
se eu digo Solteiro e saltarico para sempre.
até tu hoje possas cantar como eu:
Liberda de liberda de!
sábado, 12 de julho de 2025
Poema agressivo doente e ideológico e mal-educado
café corin num rima con
pequim denxiaopin polpotin marine le pin
lenin estalin trotskin idi amin pin
hitlerin reaganin bushin obamin orbin pin
merkelin barrosin cavaquin coelhin pin
nem con Trumpin Putin Montenegin Venturin pin
pin pam pão pum mata pum
café corin rima con
mayakovskyn akhmatovin kropotkin e bakunin
no café corin u futuru num foi onte
quarta-feira, 9 de julho de 2025
Sopra Vento Sopra
Ok... não sei como escrever isto.
e o leitor já desconfia das actualidades,
Ando há dias a pensar,
tenho-me lembrado de algumas frases-conclusão
mas tenho adiado,
tenho dito a mim próprio:
escrever um livro em forma de diário... praquê?
Ok, para ordenar as ideias ok mas...
já sei!, encontraste nos cadernos pequenos fragmentos
com sentimentos como:
‘era bom que o telefone tocasse’
mas...
ele hoje até toca, ou melhor tocava
e tu retiraste o volume ao toque de chamada
porque te era insuportável ouvir tocar
cons tan te mente
houve um dia que ela telefonou oito vezes
desde a uma às oito da manhã
por isso imagina o não poderes dormir
e então desliguei o som
porque não suportava
houve muita coisa que não suportei
mesmo que algum paraíso alguma magia tenha havido
mas durou um mês
terminou quando lhe disse que tinha dela pena
o dinheiro escasseou
a paixão terminou
ficou o peso da responsabilidade
de ter alguma culpa se algo lhe acontecesse
os anos seguintes foram desatinos
empréstimos a fundo perdido
choros ameaças
e pouco sexo
mas nem tudo foi mau e a verdade:
ela salvou-me
sem o saber fez-me ver que
vivi o meu passado como uma ilusão e que
tinha de perder a ilusão, tinha de me ‘desiludir’
para viver uma realidade de verdade
mas esta?!
A verdade fica: ela disse que eu não lutei o suficiente
outra verdade: ou vai ou racha, tenho de
dar um passo em frente
ir morar de facto com ela
terminar o bacharelato: chama-lhe dispensa sabática
chama-lhe perversão de teres meio cérebro
ocupado por uma mulher invisível
e na verdade esta mulher real
(Vallis) quase me faz acreditar
num casamento sem aliança ou papel
mas fizeste esta relação temporária
porque depois de qualquer grave sempre discussão
sobre qualquer coisa comezinha
(aquilo que os poetas do sistema chamam a vidinha)
eu não suporto os teus olhos furibundos de polícia
espumando-se de raiva
então saio de casa para comprar pão
a dizer que era temporário
ou que será necessário utilizar
um plano de cinco anos soviéticos
para te fazer um upgrade à consciência e ao teu
‘environment’ em inglês
e tu hoje só sabes dizer ‘lol’
outras vezes dizias que eu queria liberdade
e eu te dizia que o amor não tem de ser uma prisão
mas tu ficas com ciúmes
deixei de gostar de te levar a sair
quando fizeste um recital inquisitório num espaço público
pareciam as galinhas a dar bicadas no garnisé
e para piorar
até o meu pai sustenta que o mau é o
garnisé porque dá bicadas no galo
que é ele.
sem muita paixão
reagindo bruscamente
desligando o ouvido quando ela acusava
encharcando-me de axn
aguentei reflecti: pareço um otário
o fim próximo mas mesmo nestes momentos pensava:
eu estou a abandonar todos os meus interesses
para me dedicar à causa de a ajudar
a ter mais estudos, mais cultura, mais trabalho,
mais comida, uma bifana, uma cerveja de vez em quando
e com todos os avisos em contrário
ou vai ou racha
vá lá faz as pazes faz amor
mas como pode haver amor?
até de cobarde me chamou, de velho
e passou-se quando eu disse:
deves pensar que és uma topmodel...
tudo correcto
ela nos momentos de fúria esquece
todo o bem que lhe fiz
e só se lembra do mal
e ataca-me
e pôe-me como culpado de todo o mal
que lhe fizeram na vida durante e antes de mim
até tive culpa de ter tido namoradas antes dela aparecer...
ufa que vai longo
vou-me anulando até ao limite
o superego chega finalmente no último domingo:
andor desampara-me a loja
estou farto de me obrigares a ser mau contigo
porque tu és uma burra que não quer perceber!
Passo a desligar o volume de toque de chamada
dezenas de chamadas por dia
mensagens de chantagem suicida
pensa que tenho outra
porque toda a gente pensa quando não sabe os pormenores
compro-lhe um aspirador
e o que recebo em troca são mais do mesmo
eu quase já sem pena o amor a ir-se
quem me dera poder tomar um café em paz e sossego...
andor!
mas ela finória recaptiva-me quando me diz
precisar de ajuda para um trabalho de pintura na escola
e eu escrevo-lhe um email catita
e nesta noite esqueço tudo
digo a mim mesmo:
vou morar com ela,
que se fodam as dívidas!
Vou a casa dela à noite, peço-lhe desculpa
aceita-me de volta
eu quero vir morar contigo de vez.
E ela diz-me que tem de pensar
e eu digo que compreendo
e sei no fundo que o ‘tem de pensar’
significa que falta faísca, falta paixão
mas no dia seguinte ela telefona
e pergunta se eu estou bem
dá uma de madre superiora e pergunta:
ficaste chateado comigo?
‘sopra vento sopra’
Eis como se passa de cabrão a cornudo:
ela que foi abandonada por um marido
que lhe levou as filhas e o sustento
abandona-me e faz o joguinho da
femme fatale do bairro e ainda assim
precisa de dinheiro!?
(para fazer uma pedicure a dedos com micose.)
Como leio numa tradução brasileira de Erving Goffman:
‘um psicótico é tolerado pela mulher,
até que esta encontre um namorado.’
Rachou
o nosso amor velho imolou-se menino no quintal
e ficou esquecido
mijaram até em cima das cinzas
mas todos os Verões no terreno e com rega suficiente
cresce um valente chuchuzeiro
cujo fruto eu aproveito para fazer sopa.
mas não te preocupes por isso
não morrerá ninguém
eu não tenho ciúmes
e digo-te adeus para sempre
ao dedicar-te o livro como se fosses uma musa
e dizer:
o meu coração é teu
‘até que a morte nos separe.’
https://www.youtube.com/watch?v=vh_-AVsgzAs










