Cá por mim, são cerca das dez horas da manhã. Ele está tão só. Deseja ter uma voz ali perto, mas qual? Uma mão, mas e depois? Um corpo, mas para quê? Completamente perdido entre odores e véus brancos ali está o lago, enquadrado pelas montanhas monstruosas e fantásticas. Como isso fascina e inquieta. Toda a terra até à água é o perfeito jardim, enquanto pontes cheias de flores e terraços repletos de perfumes parecem fervilhar e ficar suspensos no ar cerúleo. Os pássaros cantam com tanta lassidão sob todo aquele sol, toda aquela luz. Estão felizes e ensonados. Kleist apoia a cabeça nos cotovelos, olha e torna a olhar e quer esquecer-se. Eleva-se-lhe a imagem da sua distante pátria nórdica, ele pode ver nitidamente o rosto da mãe, velhas vozes, amaldiçoa tudo -- levantou-se dum salto e desceu a correr para o jardim da casa. Aí sobe para uma barca e rema pelo lago ilimitado e matutino. O beijo do sol é um só, continuamente repetido. Não corre uma brisa. Mal se nota um movimento. As montanhas são como a arte de um cenógrafo competente, ou então é como se toda a região fosse um álbum e as montanhas tivessem sido desenhadas na página em branco por um subtil diletante para a dona do álbum, como recordação, como uma dedicatória em verso. O álbum tem uma capa em verde pálido, que fica bem. As elevações junto à margem do lago são tão iguais no seu verde e tão altas, tão estúpidas, tão vaporosas. La, la, la. Depois de despir deitou-se à água. Como isso é inexprimivelmente belo para ele. Vai nadando a ouvir risos de mulheres vindos da margem. O barco faz movimentos indolentes na água verde-azulada. A natureza é como uma única e grande carícia. Como isso anima e ao mesmo tempo pode doer.
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página 8-9
'Kleist em Thun'
Robert Walser em «O passeio e outras histórias»
Edição Granito Editores e Livreiros
Um livro comprado num alfarrabista amigo e com direito a desconto
na companhia de Italo Calvino, Jorge Luis Borges e Bioy Casares
Uma transcrição e postagem dedicada à Cuca e o seu blog de pirata desiludida.
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