domingo, 28 de julho de 2024

Tuíte discordiano

 «A disciple is an asshole looking for an human being to attach to», Robert Anton Wilson

sábado, 27 de julho de 2024

Clara Nunes e Sivuca - "Feira de Mangaio" (1978)

Fumo de rolo arreio de cangalha Eu tenho pra vender, quem quer comprar Bolo de milho broa e cocada Eu tenho pra vender, quem quer comprar Pé de moleque, alecrim, canela Moleque sai daqui me deixa trabalhar E Zé saiu correndo pra feira de pássaros E foi pássaro voando pra todo lugar Tinha uma vendinha no canto da rua Onde o mangaieiro ia se animar Tomar uma bicada com lambu assado E olhar pra Maria do Joá Tinha uma vendinha no canto da rua Onde o mangaiero ia se animar Tomar uma bicada com lambu assado E olhar pra Maria do Joá Cabresto de cavalo e rabichola Eu tenho pra vender, quem quer comprar Farinha, rapadura, e graviola Eu tenho pra vender, quem quer comprar Pavio de candeeiro, panela de barro Menino vou me embora tenho que voltar Xaxar o meu roçado que nem boi de carro Alpargata de arrasto não quer me levar Porque tem um sanfoneiro no canto da rua Fazendo floreio pra gente dançar Tem o Zefa de purcina fazendo renda E o ronco do fole sem parar Mas é que tem um sanfoneiro no canto da rua Fazendo floreio pra gente dançar Tem o Zefa de purcina fazendo renda E o ronco do fole sem parar


Núbia Lafayette - Quem Eu Quero Não Me Quer (Pseudo Video)

Quem eu quero não me quer
Quem me quer mandei embora
E por isso eu já nem sei
O que será de mim agora

Passo as noites recordando
Revivendo o meu castigo
No meu quarto de saudade
Solidão mora comigo

Por onde anda quem me quer
Quem não me quer onde andará
Que será de suas vidas
Dá minha vida o que será

Não sou capaz de ser feliz
Ao lado de um amor qualquer
Há se este fosse o outro
Que eu amo tanto e não me quer

Passo as noites recordando
Revivendo o meu castigo
No meu quarto de saudade
Solidão mora comigo

Por onde anda quem me quer
Quem não me quer onde andará
Que será de suas vidas
Dá minha vida o que será

Não sou capaz de ser feliz
múAo lado de um amor qualquer
Há se este fosse o outro
Que eu amo tanto e não me quer

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Empresas que vão ao charco

 Senhor Rogério, estou enervado, zangado mesmo, estou fora de mim! Você daí não vê, venha comigo lá fora. Está a ver ali ao fundo no semáforo? Passei agora por lá, e está lá um homem deitado no semáforo, várias pessoas por perto, disseram-me que chamaram o inem e eu vim-me embora. Mas o que me deixou irado foi que no momento em que eu parava para ver, um carro polícia parou no semáforo à beira do homem necessitado de ajuda, parou, olhou de dentro do carro e arrancou, não quis saber! Há uma lei que responsabiliza alguém por omissão de auxílio, mas a polícia também não quis saber, omitiu o auxílio, foi-se embora como nada tivesse acontecido. Se fosse um senhor engravatado que estivesse no chão... olhe, mas não é só a polícia, é quase toda a gente, julgamos muito pela aparência, vou-lhe contar uma história que se passou com o meu pai há uns anos: ele foi acompanhar um amigo empresário, dono de uma frota de camiões, a uma feira de camiões, com standes das empresas para apresentação, promoção e venda de camiões. Diz o meu pai que esse amigo seu é alguém que gosta de vestir informal, calças de ganga e t-shirt. Chegam a um stand e o empregado caga de alto neles, ignora-os e favorece os fatinhos e gravata de outros visitantes. O empresário vira-se para ele e pede para ele chamar o patrão do stand. Vem o patrão e o empresário diz ao patrão: -- Aqui o seu empregado fez-lhe perder a venda de quinze camiões, vou ali à Mercedes! Ora, estamos a falar de camiões de 200 mil euros cada um, veja lá, senhor Rogério, quanto não perdeu aquela empresa por um julgamento da aparência. E depois há empresas que por causa disso vão ao charco. É o que temos.


quarta-feira, 24 de julho de 2024

O indivíduo respondeu ao poder

O imperador Alexandre pousou a mão na parede, apoiou-se nela e inclinou-se para o mais pobre dos homens, que já não tinha sequer escudela para comer, nem malga para beber, que bebia simplesmente da concavidade fechada da sua palma, e disse-lhe:
-- Pede-me o que quiseres.
Diógenes ergueu o rosto e respondeu ao imperador ( o indivíduo respondeu ao poder ):
-- Não te ponhas à frente do meu sol.

Pascal Quignard 
em Os desarçonados
Edição Cutelo 
Tradução de Diogo Paiva

segunda-feira, 22 de julho de 2024

Explicitamente hipócritas e covardes

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A verdade é que a minha história não é exactamente esta. Não tem tanto glamour nem tantas vítimas nem lolitas que nunca procurei. Tenho apenas a minha família à porta do hospital para me trazer de volta à casa onde nasci, devolvem-me a máquina fotográfica mas não as fotos do evento psicótico, não faço caso, são os únicos que me recolhem e também devo agradecer à minha vizinha que sem o querer provocará ciúmes em vallis, vivo numa extensão do hospital com a mesma cor de parede, sonho-me, escrevo-me lendo sobre este dia, a minha peça de teatro clandestina e imagino-me sozinho, como foi possível a peça ter sido levada à cena?, pensei que era único mas conheço já na vida real outros como eu, é preciso ver neles a semelhança de comportamentos para que caia na realidade de não ser único, sou um entre muitos iguais e isso também me salva embora a ingenuidade de contar aumenta a dose prescrita levando à produção de gaba, levando à moderação, à estabilização, à depressão, à hipertonia, à repressão emocional e ao ressabiamento. As palavras podiam ser outras e com mais definições mas são estas as que lembro de associar quando vejo outros como eu e projecto nas paredes as sombras e dou nomes aos frascos — fantasmas nos armários — e introjecto em mim toda a culpa dos males do mundo como se pelo meu

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próprio pensamento a culpa aconteça e seja minha.

A minha psicose é o mistério de não saber porque e como entro na frequência do vírus que zaine define nas suas leituras: «nós somos mágicos quando nos investimos nesse papel, senão a magia fica no guarda-fatos como uma camisa à espera de ser usada.» O medo, às vezes chego mesmo a reprimir pensar o que quer que seja, o medo desse vírus atacar no modo úlcera intestinal toda a família, babi yar, o fuzilamento dos errantes, de todos nós, eternos condenados a errar pelas avenidas do conhecimento traficando techno em timbuktu.

Da medicina nada há a esperar, apenas a droga legal usada como meio de repressão, vale a pena transcrever: anexus 51 quase nove da manhã, hoje o dia acorda às sete da manhã, hoje tenho de ir à médica, aquela que trata da minha cabecinha, além disso mal chego lá sou imediatamente atendido, fico até espantado, abro a porta e entro, está a doutora e uma assistente e já não sei o que ela diz primeiro, se o «você está com bom aspecto» ou se o «esta é uma assistente estagiária, importa-se que ela assista?», e eu falo do trabalho, depois ela faz uma pergunta com acentuação espanhola, ela é espanhola, eu não sei espanhol e não percebo, ela diz em português «então e o demais?», e eu falo de meu pai sempre a queixar-se a nós e não aos médicos «ele tem um parafuso na cervical e queixa-se de não conseguir engolir a comida, outras vezes queixa-se do peito», digo também que é uma pessoa antiga confiando a sua saúde e descanso mental aos comprimidos receitados, quero com isto dizer que se o médico lhes disser que está tudo bem, isso é a idade sabe?, a sina, vá lá vou-lhe receitar este medicamento mas sabe?, na sua idade…, então ela pergunta «e aquele relacionamento?»

Explico que desde aquela vez que estive aqui nós voltamos, agora já nem me recordo de anteriormente ter dito textualmente que já não namoro com ela mas falo que de um psicótico a gente às vezes ainda se ri mas de uma neurótica a gente diz qualquer coisa como «sai da frente», se não digo textualmente pretendo dizer: um psicótico faz rir com as suas parvoíces, uma neurótica faz desesperar com as suas desgraças, um psicótico a levar com uma neurótica é pior que uma neurótica levar com um psicótico, eu não quero ser junkie de comprimidos que só actuam como placebos e de efeitos secundários, ela diz quase soletrando que eu sou e s q u i z o f r é n i c o e que a medicação surte efeito, «você está melhor».

Mas ó doutora!, o meu problema é mais sociológico, o problema é que os psiquiatras nem chegam realmente a fazer perguntas e nós ingénuos de tão sinceros às vezes damos-lhe pretexto para carregarem no

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gaba, eles fazem-nos assassinar o real. Eu, às vezes, sinto-me como aquele adepto arrebatado de emoção que entra pelo campo adentro para roubar a bola e marcar golo e sai de algum modo ou doutro acompanhado pelo oficial de segurança que, puxando-lhe as orelhas, lhe tira a ilusão de ser um membro reconhecido como participante no jogo enquanto a audiência se ri dele: eheh olha o palhaço!, aonde é que ele pensa que ia?, entrar pela baliza adentro?!, eheheh. Os malucos nem nas margens estão mas aonde quer que estejam nem sequer serão um jogador em fora de jogo, serão mais aquela mosca abelhuda que incomoda e todos amedronta pelo suposto ferrão. Ninguém me respeita, merda. Não percebe isso?

Ela volta a perguntar como vai a relação com o meu pai. Eu respondo que agora vai bem, pensando em quantas vezes o disse morto ou o suicidei numa prisão dentro dos meus escritos, no fundo incorporei-o dentro do meu Eu. Digo à doutora que, agora, a minha relação com ele corre bem, afinal parte da culpa que lhe incutia era minha. No fundo só quero conversar com ele num poleiro a seu lado e à sua altura. No fundo as ofensas que lhe fiz machucaram-no mas também o fizeram reflectir no porquê de tais verdades porque numa ofensa o resíduo, a verdade e parte da razão vem ao de cima. Eu aceitei o meu pai, doutora, e uma das minhas maiores felicidades seria o meu pai compreender o meu modo de vida mas não sei se vou a tempo de ele me aceitar.

Agora o que digo é que anda muita gente por aí a achar-se de saudável e acima das paranóias, obsessões e modos de qualquer um se fazer gente e de não sucumbir à miséria existencial.

Segundo eles, devia haver alguém que se passasse da cabeça e metralhasse toda a assembleia. Segundo eles, o seu instrumento é mais válido que o do Outro,

os outros, sabe, todos eles,

Outrem devia pegar num facalhão comprado na fnac e fazer o que eles explicitamente hipócritas e covardes não fazem talvez porque deixem isso para os algozes,

sabe os maluquinhos!

(vá lá eu dou-te vinte euros e tu atiras a pedra ok tone?,

a verdade é que eu, tone, posso dizer que sou perfeitamente capaz de me vender por nada a quem nunca me convidou…

bastar vir-me a vontade-objectivo, iludo-me facilmente),

aqueles paranóicos a quem eles tentam explicar qual o caminho «saudável» a seguir e juram mesmo saber qual o caminho que se não deve traçar,

chamam a este caminho último a condição essencial da besta,

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mas doutora eles da besta só sabem o que muitos escritores paranóicos escreveram sobre,

e fazem mesmo crónica disso, como que a dizer perto «apoio o teu acto»

mas escondem a vontade que eles próprios sentem,

a mesma que o tal maluquinho sente,

e depois do acto consumado dirão talvez semi-perto «estou solidário amigo»

e quando o amigo depois da jaula mendigar o comer, o tecto ou apenas o sorriso

dirá talvez já bastante longe «eis mais um levado literalmente à loucura»

[dêem-lhe dólares]

e ao que se seguirá um tratado hermenêutica-mente-epi-stemológico

falando do péssimo estado da saúde pública… ou seja,

se eles atravessam a ponte é no sentido para longe

e não estou certo de alguma vez se terem posto na nossa pele

(eles preferem ler em livros e escrever depois acerca do homem das seis mil barbies)

e se estão do lado de cá da embaixada do equador

acho que fica ali para os lados do meridiano de green-nordic-witch…

[mas obsessivo?,

só se for de vez em quando na interpretação do leitor porque o escritor,

esse é um que quase sempre põe as vírgulas certas no lugar certo,

nunca escreve mal,

bem educado como se sente e saudável acima de todo o Outro diz apenas que

o leitor não interpretou correctamente e repete um pouco irritado

explicando a sua solução.]

Então… bota erro na frase para lhes comer o caco.

Eu para sorrir ironicamente preciso aqui de fazer uma analogia, sem muita justificação objectiva, e invocar o mago gaspar da troika: eu cá por mim acho que a culpa foi do peres, o palhaço deitou o muro abaixo e construiu um condomínio de luxo para os senadores do banco verem os barcos ou as corridas.

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manuelle biezon, 

em «hobo em memória cache»

no volume «Várius: Contos morais»


quinta-feira, 18 de julho de 2024

Lixo a eliminar

 Não conheci o pai Tone nem a mãe Tone mas conheço três dos seus filhos, ou conheci, porque eu sou lento a conhecer as novidades aqui no subúrbio de Tintus Rius, além disso, fiquei hoje a saber, ainda existe a filha Tone, que é a única proletária da família, proletária no sentido de que ganha o sustento trabalhando, proletária e panfletária quando se trata de noticiar a desgraça dos irmãos.

O filho Tone que conheci primeiro foi o Tica Tone que ficou conhecido por Tone Malaiko, vendedor de bonecas insufláveis a troco de meio conto de kenga, num dos meus textos. Mas tudo isto era uma ficção. Tica Tone apareceu morto supostamente de atropelamento numa rua em São Roque há mais de dez anos. A gente supõe que ele iria ou viria do Cerco para abastecer. Todos os tones herdaram do pai Tone o prazer da bebida e todos se desgraçaram na branca na castanha.

O Mário Tone é o mais novo dos tones, actualmente vive com um novo pulmão, bebe ocasionalmente uma cerveja à porta do supermercado porque lá é mais barato e, às vezes, vejo-o no café a ler o JeNê. Está portanto rehabilitado. Guardo dele há mais de dez anos a lembrança de uma promessa de venda que nunca se concretizou de um rolo de tela para pintar. Já não sei porque não aconteceu.

Existe ou existia ainda o Nando Tone que era alcoólico e vivia no carro ou no contentor da obra onde era porteiro.

Vem tudo isto a propósito de a minha mãe que ouve mal ter ouvido uma história sobre terem dado um tiro ao Mário Tone numa obra.

Impossível, disse eu, inda ontem o vi à hora de almoço. Vou averiguar, vou ao café e pergunto ao empregado.

-- A quem deram um tiro foi ao Nando, mas isso já foi há uns tempos, um ano ou quê, mas nem foi tiro, isso foi o que a irmã disse, foi só ele que apanhou a borracheira e adormeceu dentro do contentor e asfixiou ou ardeu com o calor, apareceu morto no dia seguinte. Até houve uma vez que ele me disse: queres tijoleira?, anda buscá-la.

-- Atão o Mário está bem.

-- A irmã não se queixou ainda, sei lá, também se não estiver não se perde nada.

Cheguei a casa e disse ao meu pai:

-- Pai, vou-te dizer e depois tu contas à mãe, o funeral que a mãe viu ontem na igreja não tem a ver com o tone, e a quem deram o tiro foi ao irmão mas também dizem que não, que ele era bêbado e adormeceu e apareceu morto na obra. Tás tu preocupado com o Mário como nós nos preocupamos por um qualquer ser humano mas para o povo, o Mário é o árabe, é o judeu, é o cigano, é o africano, é o vagabundo de quem ninguém tem pena e de quem dizem que está a mais. Para o povo, o Mário Tone é lixo a eliminar.

Deixo apenas uma nota sobre o que eu sei sobre o pai Tone:

Polícia reformado e alcoólico e ciumento, foi preso por matar o vizinho por ciúmes. Amarrou uma faca à ponta de uma cana e sangrou em linha recta o traidor da testa aos colhões.


quarta-feira, 17 de julho de 2024

Flower Punk Power


 «Flower Punk Power»

óleo sobre papel, tamanho A2

2024 ZMB


(Note: The left and right channels are both Frank, just at different speeds):


Left Channel: Punky! Punk! Hey punk! Punky! Go man, go! Go man, go! Golly, do I ever have a lot of soul! It's one of the most exciting thing that's ever happened to me! You know, every time I think about how lucky I am to be in the rock & roll industry! It's so exciting! You know, when I first got into the rock & roll business, I could barely even play the changes to this song on my, on my guitar, but now I'm very proficient at it! I can play the guitar, I can strum it rhythmically, I can sing along with my guitar as I strum! I can strum, sing, dance -- I can make merry fun all over the stage! And you know, it's so wonderful to -- it's wonderful to feel that I'm doing something for the kids, because I know that the kids and their music are where it's at! The youth of America today is so wonderful, and I'm proud to be a part of this gigantic mass deception! I hope she sees me twirling, yes! I hope she sees me dancing and twirling! I will say, "Hello, Dolly!" Is the song over? Right Channel: Hey Punk! Hey Punk! Hey Punk! Hey Punk! Hey Hey! Hey Hey! Now just a little bit softer! Punk, I think I love you! I wanna know for sure! Boy, this is really exciting, making a rock & roll record! I can't even wait until our record comes out and the teenagers start to buy it! We'll all be rich and famous! When my royalty check comes, I think I'm going to buy a Mustang! No, I think I'll -- I think I'll get a Corvette! No, I think I'll get a Harley-Davidson! No, I don't think I'll buy any of those cars, I think what I will do is I will buy a boat! No,that wouldn't be good either. I think that uh, I'll go into real estate. I think I would like to -- I think I'd like to buy La Cienega Boulevard. No, that wouldn't be any good. Gee, I wonder if they can see me up here, twirling my tambourine and dancing? Maybe after the show, one of the girls who sees me up here singing and twirling my tambourine and dancing will like me, and she will come over to me and I will walk -- I will walk up to her and I will smile at her, and I will impress her, and I will say, "Hello, baby, what's a girl like you doing in a place like this? I'm from a rock & roll band, I think we should--" Is the song over? Center Channel: Hey Punk! Hey! Hey Punk! Hey! Hey Punk! Hey Punk! Hey Punk! cough Come on, Roy! I wanna see you go Benga! Let me see that nose, Indian! What'd I do? Come on and leave his nose alone Leave my nose alone, please! What're You trying to do? Finish it! Stand over there! Finish it! Noonga! Eat it! Que rote! Pita! Wooh! Ayyyy! There she is! Ayyye! Que rote! When do we get paid for this? Fatty Papa! Bop, Bop rock & roll! Bop, Bop -- one more time! Bop, Bop rock & roll! Bop, Bop, Yaaayyyy!


sexta-feira, 12 de julho de 2024

Não propriamente

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Robert já vivia com Stella há cerca de duas semanas quando Brenda telefonou.

-- Sim, Brenda? -- respondeu ele.

-- Robert, não me tens telefonado.~

-- Ai, Brenda, tenho andado muitíssimo ocupado. Fui promovido a gerente de região e tenho que arrumar umas coisas no escritório.

-- É isso?

-- É.

-- Robert, passa-se alguma coisa...

-- Que queres tu dizer?

-- A tua voz diz-me que se passa alguma coisa. O que raio está a passar-se, Robert? Há outra mulher?

-- Não propriamente.

-- Que queres dizer com isso do não propriamente?

-- Oh, senhores!

-- Que é que se passa? Que se passa? Robert, há alguma coisa! Alguma coisa está a acontecer. Vou a tua casa falar contigo.

-- Não há nada, Brenda.

-- Seu filho da puta, estás a esconder-me qualquer coisa! Está-se a passar alguma coisa. Vou a tua casa falar contigo! E já.

Brenda desligou e Robert foi a correr pegar em Stella e pô-la no armário, mesmo no canto do fundo. Tirou o sobretudo do cabide, pendurou-o por cima de Stella. Depois voltou para trás, sentou-se e ficou à espera.

Brenda abriu a porta e entrou por ali dentro a correr.

-- Muito bem! Que raio se passa aqui? O que é?

-- Ouve lá, miúda -- respondeu ele -- Tá tudo ok, calminha aí!

Brenda era muito bem feita. Os seios já lhe caíam um bocado, mas tinha umas pernas muito giras e um cu maravilhoso. Tinha um olhar muito frenético e desorientado. Nunca conseguiu curar-lhe esse olhar. Por vezes, depois de fazerem amor, uma calma temporária vinha banhar os olhos da rapariga, mas era sol de pouca dura.

-- Ainda não me deste um beijo.

Robert levantou-se da cadeira e beijou Brenda.

-- Jesus Cristo, isso é algum beijo?! Que é que se passa? -- perguntou ela -- Que é que há?

-- Não é nada, não há nada... a sério...

-- Se não me dizes ponho-me a gritar!

-- Já te disse que não é nada.

Brenda desatou a gritar. Foi à janela e começou a gritar. Ouvia-se em todo o quarteirão. Passado um bocado, parou.

-- Ai isso é que torno. Torno a fazer, sim senhor! Diz-me o que se passa , Robert, ou torno a fazer!

-- Tá bem -- disse ele -- espera aí.

Robert foi ao armário, tirou o sobretudo que cobria Stella e trouxe-a para fora.

-- que é isso? -- perguntou Brenda -- Que é isso?

-- É um manequim.

--Um manequim? Queres tu dizer que...?

-- Quero dizer que estou apaixonado por ela.

-- Ai, meu Deus! O quê? Por essa coisa? Por essa coisa?

-- Sim.

-- Gostas mais dessa coisa do que de mim? Esse pedaço de celulóide, ou lá que merda de que isso é feito? Queres tu dizer que gostas mais dessa coisa do que de mim?

-- Quero.

-- Devo imaginar que também a levas para a cama? Imagino que também coisas com esta coisa?

-- Coiso.

-- Oh...

Então é que Brenda gritou. Pôs-se a gritar com quantas forças tinha. Robert chegou a pensar que ela nunca mais acabaria com aquilo. Mas parou e atirou-se ao manequim e começou a arranhá-lo, a agatanhá-lo, a bater-lhe. O manequim vacilou e caiu contra a parede. Brenda saiu a correr pela porta fora, meteu-se no carro e arrancou a toda a velocidade, como louca. Foi bater com toda a força contra o lado de um carro estacionado, olhou em torno e seguiu viagem.

Robert pôs-se a olhar para Stella. A cabeça tinha-se partido e rolado para baixo de  uma cadeira. Havia pedaços de um material parecido com cal espalhados pelo chão fora. Um dos braços de Stella pendia, meio solto, partido, deixando ver dois arames que saíam para fora. Robert sentou-se numa cadeira. Deixou-se estar sentado. Mas logo se levantou e foi ao quarto de banho, demorou-se lá um minuto, e voltou para a sala. Deteve-se no corredor e lobrigou a cabeça de Stella debaixo de uma cadeira. Começou a soluçar. Era horrível, não sabia o que fazer, recordou-se do enterro da mãe e do pai. Mas isto era diferente. Era diferente. Deixou-se ficar no corredor, soluçando, à espera. Stella tinha ambos os olhos abertos, eram frios e belos. Estavam a olhá-lo fixamente.

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páginas 64 -- 66 de «Amor por 17,50 dólares»

Charles Bukowski em ''A sul de nenhum norte''

Tradução de Manuel Resende

Edição Relógio d'Água editores


quarta-feira, 10 de julho de 2024

Paga o que deves

Paga o que deves

 

O presidente tinha perdido o tino e já não era amado, o povo ria-se quando o via engasgar-se com as palavras em directo num qualquer canal de informação à hora do jantar, a mulher tinha-se dedicado às obras sociais da igreja e os filhos tinham morrido jovens numa viagem de finalistas do grupo de jovens da paróquia, a amante fugira com um pintor cheio de pinta e tostão e o gato fora atropelado pela trotinete da afilhada. O presidente não aguentara o desgosto e ficara senil, perdera o entendimento, e quem o seguia, quem o aconselhava, como vivia à sua custa, nada lhe dizia, deixavam andar, douravam a pílula, pintando-lhe um país cor-de-rosa cheio de ovelhas sorridentes e obedientes à sua voz de comando.

Mas havia um grupo de boémios, em minoria é certo, tocadores de violino e cavaquinho que o contestava e não queria esperar por novas eleições para o substituir. Era preciso deitá-lo abaixo, e para isso bastaria mostrar-lhe um espelho ou um jornal desportivo ou até o canal panda, orgãos com pouca audiência de facto, mas que já há alguns meses vinham fazendo tiras de banda desenhada e cartunes animados com a voz samplada e alterada no timbre do presidente, era preciso exponenciar uma revolução. Era preciso arranjar um filantropo bem parecido para financiar a operação, alguém que desse o nome e a pasta.

Decidiram-se pela Glória Filho de Cisne, hoje já avozinha mas bem conservada e dona de uma fortuna. Tratava o presidente por tu, tinham sido colegas na primária mas ele, já na altura, trocara-a por um pião. Ela seguira anos mais tarde para Hollywood, ele seguira para advogado e, após roubar legalmente as cotas de vários empresários, construíra uma multinacional e oferecera televisores e bolas de futebol, o que lhe valera a eleição.

Glória Filho de Cisne nunca se esquecera que o presidente sempre a desconsiderara e a gota de água aconteceu quando ele a deixou debutante numa paragem de autocarro, sozinha sem dinheiro para o Andante, porque uma loiraça viera num uber e o levara e com ele acabara por casar. Glória nunca percebeu e talvez nem fosse de perceber, demorou anos a esquecê-lo com a ajuda dos ansiolíticos mas hoje queria vingança e juntou-se à conspiração logo que dela foi informada.

Tinha sido fácil convencê-lo a assistir a uma conferência numa universidade e ele lá fora. Ia nu mas o séquito nada dizia, os boémios tinham alguém próximo do presidente a trabalhar com eles. O evento foi designado Dia Aberto do Jovem Empreendedor. Montaram o palanque no jardim da associação de estudantes e de um dos lados havia uma mesa com comes-e-bebes desde frisumo a vinho pêra-manca, desde lavagante e rosbife, passando pelo abacate e a patanisca, até aos digestivos, fortimel, café e croft e brinde de chocolatinho prensado para os mais audazes. Na outra lateral da assistência, comodamente refastelada em pufes e cadeiras Maria Amélia, havia uma exposição de cartazes com serigrafias a quatro cores mostrando títulos de transporte público, senhas agente único, passes mensais Andante, títulos de multa por falta de validação. Tudo obras díspares com uma frase em comum: «paga o que deves!»

O presidente sempre desejoso de conhecer os jovens locais chegou à fala com uma jovem que lhe disse: -- Sim sr. presidente, trabalhamos na inclusão, não podemos simplesmente mandá-los para as câmeras de gás, nem transportá-los como escravos para as estufas de Odemira, e nem todos são elegíveis para exportação para fábricas de tecido no Bangla Desh, aí, para isso teríamos de ter apoio oficial... assim, por enquanto, fazemos o que podemos.

-- Excelente ideia, disse o presidente entregando-lhe um cartão que retirou do bolso da lapela, contacte este número, parece-me uma ideia elegível para financiamento.

O jardim estava já razoavelmente composto, com todos na expectativa, o presidente já estava a postos para discursar, levanta-se, ajeita o micro, tosse uma vez e começa a falar: -- Caríssimos infantes portugueses e portuguesas, menos jovens e mais jovens, em duas palavras aqui estamos reunidos...

E de repente, começam todos os telefones a vibrar e a tocar, dezenas, centenas deles a tocar, todos eles a chamar, uma voz feminina dizendo: «Paga o que deves, conho!, paga o que deves, conho!»

O presidente sentindo-se interrompido e incapaz de continuar o discurso, sentiu o bolso das calças a vibrar. O seu telemóvel tocava também. Tirou-o do bolso, não conheceu o número mas atendeu. Na audiência todos os besouros se calaram.

-- Tá lá? Quem fala? Daqui é o presidente...

-- ROGÉRIO!, SEU PELINTRA, paga o que deves, deves-me dois euros há setenta anos, nem imaginas o que eu passei por causa de ti!

O presidente, ao ouvir aquela voz, lembrou-se e teve uma síncope. Meia hora mais tarde, seria levado ao hospital e à baixa psiquiátrica e ao seu saneamento de funções oficiais e internamento compulsivo no sanatório. Mas naquele preciso momento, as palavras que os boémios lhe conseguiram arrancar, e gravar para ficheiro e que posteriormente editaram em single de sete polegadas, foram:

-- Glorinha, filha, desculpa-me, eu na altura não andava com dinheiro, era tudo por telemóvel com a aplicação do meu paizinho, não te podia safar. Glorinha glorinha...

 

Claudio Mur

 

A partir de um 7" de José Mário Branco

domingo, 7 de julho de 2024

quarta-feira, 3 de julho de 2024

-- E o patrão aceitou?

 O meu amigo Bagaço contou-me uma estória acerca do homem da empregada da caixa do talho que entretanto passou pelo café onde a mãe do Bagaço tomava o pequeno-almoço. 

Disse-me ele assim: «A mulher disse: O meu home é bom home. Faz das tripas coração por mim e pela mãe. E tem um bom patrão. Ele sabe que tem um bom patrão. O patrão confia nele. Se provas forem precisas digo que o patrão readmitiu o meu home. Duas vezes, para que se note. Duas vezes. O meu home despediu-se duas vezes, deixou o patrão na mão. E seis meses depois, voltou a telefonar e duas vezes o meu home voltou para o trabalho e com melhores condições e menor horário. Tudo porque os substitutos que o patrão teve de arranjar quando num telefonema se viu sem o meu homem, esse substitutos eram desonestos e ladrões. O último deitou mão à caixa e roubou cinquenta euros. Nesse dia, o patrão voltou a ligar, o meu home não ligou mas pensou no caso, mandou uma mensagem reivindicativa, o patrão respondeu ligando: sr. Rogério, salve-me esta noite. O meu homem falou comigo, com o pai e com a mãe e disse: Logo volto ao trabalho. Tenho o melhor patrão do mundo, ele confia em mim.»

Então, eu perguntei ao Bagaço porque o Rogério se tinha despedido duas vezes, quer dizer, perguntou se a mãe o ouvira da mulher do Rogério. Bagaço continuou: «Segundo ela, da primeira vez ele despediu-se porque teve vontade de bater numa cliente romena que lhe andava há dias a dar água pelo cavanhaque, e esse sentimento mau -- bater numa cliente, associou-se ao seu sentido de dever, não se deve bater num cliente ponto. E demitiu-se. Mas demitiu-se omitindo a razão, ele não chegou a bater, nem sequer tentou, passou-lhe a ideia pela cabeça, disse, preparou tudo nessa noite, nessa última noite preparou tudo na sua cabeça e, quando acabou o turno e chegou a casa, ligou ao patrão e disse que não podia ir trabalhar mais porque o pai tinha tido um avc e tinha agora de se dedicar ao pai e a tratar dele, logo agora que haviam feito a paz entre eles. Disse com grande eloquência, quem o ouvisse e soubesse da marosca diria: grande actor de teatro radiofónico!, o patrão compreendeu. Seis meses mais tarde, voltou a ligar, e o Rogério aceitou e porquê? Porque como diz esse Pacheco que tu lês: viver com 50 contos sobrevive-se, mas se nos dão 200 ganhamos novos hábitos e novas necessidades, não é? Foi o que fez esse Rogério, voltou ao serviço. Mas nove meses mais tarde voltou a despedir-se, andava cada vez mais cansado, descontente com o horário de trabalho que não lhe davam outra vida, além disso a mãe acabou no hospital com uma colangite e internada e o Rogério pensou: o ano passado, inventei que o meu pai teve um avc e agora é a minha mãe que está internada, cuidado com o que desejas e com o que dizes e prevês, diz o verso, pois é!, mas tenho de cuidar da minha mãe, mas não posso dizer isso ao patrão, vou dizer simplesmente que o problema agora é comigo, que estou em risco de ser internado, não posso ir mais trabalhar.»

-- E o patrão aceitou?, pergunto eu estupefacto.

-- Não podia fazer outra coisa perante um facto consumado mas reclamou, disse que o devia ter avisado com antecedência para lhe dar tempo. o Rogério não quis saber. Mas o certo é que agora está lá de novo.

Na altura, convocou-se o povo; hoje, o Venturra convoca a bófia.

 O Venturra volta a aparecer no telejornal da tarde. Interrompo a garfada e digo ao meu pai:

-- Pois é, pai, dizes tu que em 75 os comunistas cercaram o parlamento para obrigar os deputados a aprovar as leis deles... e agora temos o Ventura a convidar os polícias a cercar o parlamento para aprovar as leis do Ventura que pensa que é governo... na altura, convocou-se o povo; hoje, o Venturra convoca a bófia.

-- Vá lá, deixa-me comer...

-- Pai, não estou contra ti, estou apenas a protestar contra o Ventura.

-- É, são os de esquerda que são bons!

-- Alguns de esquerda são maus, mas para ti e todos os de direita pensam que os de direita são todos bons. Houve os saneamentos em 75 e agora com este governo de direita os saneamentos voltaram 50 anos depois. E depois dão a mão e desculpam todos os de direita. Andamos oito anos a culpar os socialistas por causa dos escândalos em que os ministros se envolveram e este governo em poucos meses quantos casos já teve? Mas os corruptos são só os de esquerda, não é?