Não conheci o pai Tone nem a mãe Tone mas conheço três dos seus filhos, ou conheci, porque eu sou lento a conhecer as novidades aqui no subúrbio de Tintus Rius, além disso, fiquei hoje a saber, ainda existe a filha Tone, que é a única proletária da família, proletária no sentido de que ganha o sustento trabalhando, proletária e panfletária quando se trata de noticiar a desgraça dos irmãos.
O filho Tone que conheci primeiro foi o Tica Tone que ficou conhecido por Tone Malaiko, vendedor de bonecas insufláveis a troco de meio conto de kenga, num dos meus textos. Mas tudo isto era uma ficção. Tica Tone apareceu morto supostamente de atropelamento numa rua em São Roque há mais de dez anos. A gente supõe que ele iria ou viria do Cerco para abastecer. Todos os tones herdaram do pai Tone o prazer da bebida e todos se desgraçaram na branca na castanha.
O Mário Tone é o mais novo dos tones, actualmente vive com um novo pulmão, bebe ocasionalmente uma cerveja à porta do supermercado porque lá é mais barato e, às vezes, vejo-o no café a ler o JeNê. Está portanto rehabilitado. Guardo dele há mais de dez anos a lembrança de uma promessa de venda que nunca se concretizou de um rolo de tela para pintar. Já não sei porque não aconteceu.
Existe ou existia ainda o Nando Tone que era alcoólico e vivia no carro ou no contentor da obra onde era porteiro.
Vem tudo isto a propósito de a minha mãe que ouve mal ter ouvido uma história sobre terem dado um tiro ao Mário Tone numa obra.
Impossível, disse eu, inda ontem o vi à hora de almoço. Vou averiguar, vou ao café e pergunto ao empregado.
-- A quem deram um tiro foi ao Nando, mas isso já foi há uns tempos, um ano ou quê, mas nem foi tiro, isso foi o que a irmã disse, foi só ele que apanhou a borracheira e adormeceu dentro do contentor e asfixiou ou ardeu com o calor, apareceu morto no dia seguinte. Até houve uma vez que ele me disse: queres tijoleira?, anda buscá-la.
-- Atão o Mário está bem.
-- A irmã não se queixou ainda, sei lá, também se não estiver não se perde nada.
Cheguei a casa e disse ao meu pai:
-- Pai, vou-te dizer e depois tu contas à mãe, o funeral que a mãe viu ontem na igreja não tem a ver com o tone, e a quem deram o tiro foi ao irmão mas também dizem que não, que ele era bêbado e adormeceu e apareceu morto na obra. Tás tu preocupado com o Mário como nós nos preocupamos por um qualquer ser humano mas para o povo, o Mário é o árabe, é o judeu, é o cigano, é o africano, é o vagabundo de quem ninguém tem pena e de quem dizem que está a mais. Para o povo, o Mário Tone é lixo a eliminar.
Deixo apenas uma nota sobre o que eu sei sobre o pai Tone:
Polícia reformado e alcoólico e ciumento, foi preso por matar o vizinho por ciúmes. Amarrou uma faca à ponta de uma cana e sangrou em linha recta o traidor da testa aos colhões.
Sem comentários:
Enviar um comentário