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Robert já vivia com Stella há cerca de duas semanas quando Brenda telefonou.
-- Sim, Brenda? -- respondeu ele.
-- Robert, não me tens telefonado.~
-- Ai, Brenda, tenho andado muitíssimo ocupado. Fui promovido a gerente de região e tenho que arrumar umas coisas no escritório.
-- É isso?
-- É.
-- Robert, passa-se alguma coisa...
-- Que queres tu dizer?
-- A tua voz diz-me que se passa alguma coisa. O que raio está a passar-se, Robert? Há outra mulher?
-- Não propriamente.
-- Que queres dizer com isso do não propriamente?
-- Oh, senhores!
-- Que é que se passa? Que se passa? Robert, há alguma coisa! Alguma coisa está a acontecer. Vou a tua casa falar contigo.
-- Não há nada, Brenda.
-- Seu filho da puta, estás a esconder-me qualquer coisa! Está-se a passar alguma coisa. Vou a tua casa falar contigo! E já.
Brenda desligou e Robert foi a correr pegar em Stella e pô-la no armário, mesmo no canto do fundo. Tirou o sobretudo do cabide, pendurou-o por cima de Stella. Depois voltou para trás, sentou-se e ficou à espera.
Brenda abriu a porta e entrou por ali dentro a correr.
-- Muito bem! Que raio se passa aqui? O que é?
-- Ouve lá, miúda -- respondeu ele -- Tá tudo ok, calminha aí!
Brenda era muito bem feita. Os seios já lhe caíam um bocado, mas tinha umas pernas muito giras e um cu maravilhoso. Tinha um olhar muito frenético e desorientado. Nunca conseguiu curar-lhe esse olhar. Por vezes, depois de fazerem amor, uma calma temporária vinha banhar os olhos da rapariga, mas era sol de pouca dura.
-- Ainda não me deste um beijo.
Robert levantou-se da cadeira e beijou Brenda.
-- Jesus Cristo, isso é algum beijo?! Que é que se passa? -- perguntou ela -- Que é que há?
-- Não é nada, não há nada... a sério...
-- Se não me dizes ponho-me a gritar!
-- Já te disse que não é nada.
Brenda desatou a gritar. Foi à janela e começou a gritar. Ouvia-se em todo o quarteirão. Passado um bocado, parou.
-- Ai isso é que torno. Torno a fazer, sim senhor! Diz-me o que se passa , Robert, ou torno a fazer!
-- Tá bem -- disse ele -- espera aí.
Robert foi ao armário, tirou o sobretudo que cobria Stella e trouxe-a para fora.
-- que é isso? -- perguntou Brenda -- Que é isso?
-- É um manequim.
--Um manequim? Queres tu dizer que...?
-- Quero dizer que estou apaixonado por ela.
-- Ai, meu Deus! O quê? Por essa coisa? Por essa coisa?
-- Sim.
-- Gostas mais dessa coisa do que de mim? Esse pedaço de celulóide, ou lá que merda de que isso é feito? Queres tu dizer que gostas mais dessa coisa do que de mim?
-- Quero.
-- Devo imaginar que também a levas para a cama? Imagino que também coisas com esta coisa?
-- Coiso.
-- Oh...
Então é que Brenda gritou. Pôs-se a gritar com quantas forças tinha. Robert chegou a pensar que ela nunca mais acabaria com aquilo. Mas parou e atirou-se ao manequim e começou a arranhá-lo, a agatanhá-lo, a bater-lhe. O manequim vacilou e caiu contra a parede. Brenda saiu a correr pela porta fora, meteu-se no carro e arrancou a toda a velocidade, como louca. Foi bater com toda a força contra o lado de um carro estacionado, olhou em torno e seguiu viagem.
Robert pôs-se a olhar para Stella. A cabeça tinha-se partido e rolado para baixo de uma cadeira. Havia pedaços de um material parecido com cal espalhados pelo chão fora. Um dos braços de Stella pendia, meio solto, partido, deixando ver dois arames que saíam para fora. Robert sentou-se numa cadeira. Deixou-se estar sentado. Mas logo se levantou e foi ao quarto de banho, demorou-se lá um minuto, e voltou para a sala. Deteve-se no corredor e lobrigou a cabeça de Stella debaixo de uma cadeira. Começou a soluçar. Era horrível, não sabia o que fazer, recordou-se do enterro da mãe e do pai. Mas isto era diferente. Era diferente. Deixou-se ficar no corredor, soluçando, à espera. Stella tinha ambos os olhos abertos, eram frios e belos. Estavam a olhá-lo fixamente.
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páginas 64 -- 66 de «Amor por 17,50 dólares»
Charles Bukowski em ''A sul de nenhum norte''
Tradução de Manuel Resende
Edição Relógio d'Água editores
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