O meu amigo Bagaço contou-me uma estória acerca do homem da empregada da caixa do talho que entretanto passou pelo café onde a mãe do Bagaço tomava o pequeno-almoço.
Disse-me ele assim: «A mulher disse: O meu home é bom home. Faz das tripas coração por mim e pela mãe. E tem um bom patrão. Ele sabe que tem um bom patrão. O patrão confia nele. Se provas forem precisas digo que o patrão readmitiu o meu home. Duas vezes, para que se note. Duas vezes. O meu home despediu-se duas vezes, deixou o patrão na mão. E seis meses depois, voltou a telefonar e duas vezes o meu home voltou para o trabalho e com melhores condições e menor horário. Tudo porque os substitutos que o patrão teve de arranjar quando num telefonema se viu sem o meu homem, esse substitutos eram desonestos e ladrões. O último deitou mão à caixa e roubou cinquenta euros. Nesse dia, o patrão voltou a ligar, o meu home não ligou mas pensou no caso, mandou uma mensagem reivindicativa, o patrão respondeu ligando: sr. Rogério, salve-me esta noite. O meu homem falou comigo, com o pai e com a mãe e disse: Logo volto ao trabalho. Tenho o melhor patrão do mundo, ele confia em mim.»
Então, eu perguntei ao Bagaço porque o Rogério se tinha despedido duas vezes, quer dizer, perguntou se a mãe o ouvira da mulher do Rogério. Bagaço continuou: «Segundo ela, da primeira vez ele despediu-se porque teve vontade de bater numa cliente romena que lhe andava há dias a dar água pelo cavanhaque, e esse sentimento mau -- bater numa cliente, associou-se ao seu sentido de dever, não se deve bater num cliente ponto. E demitiu-se. Mas demitiu-se omitindo a razão, ele não chegou a bater, nem sequer tentou, passou-lhe a ideia pela cabeça, disse, preparou tudo nessa noite, nessa última noite preparou tudo na sua cabeça e, quando acabou o turno e chegou a casa, ligou ao patrão e disse que não podia ir trabalhar mais porque o pai tinha tido um avc e tinha agora de se dedicar ao pai e a tratar dele, logo agora que haviam feito a paz entre eles. Disse com grande eloquência, quem o ouvisse e soubesse da marosca diria: grande actor de teatro radiofónico!, o patrão compreendeu. Seis meses mais tarde, voltou a ligar, e o Rogério aceitou e porquê? Porque como diz esse Pacheco que tu lês: viver com 50 contos sobrevive-se, mas se nos dão 200 ganhamos novos hábitos e novas necessidades, não é? Foi o que fez esse Rogério, voltou ao serviço. Mas nove meses mais tarde voltou a despedir-se, andava cada vez mais cansado, descontente com o horário de trabalho que não lhe davam outra vida, além disso a mãe acabou no hospital com uma colangite e internada e o Rogério pensou: o ano passado, inventei que o meu pai teve um avc e agora é a minha mãe que está internada, cuidado com o que desejas e com o que dizes e prevês, diz o verso, pois é!, mas tenho de cuidar da minha mãe, mas não posso dizer isso ao patrão, vou dizer simplesmente que o problema agora é comigo, que estou em risco de ser internado, não posso ir mais trabalhar.»
-- E o patrão aceitou?, pergunto eu estupefacto.
-- Não podia fazer outra coisa perante um facto consumado mas reclamou, disse que o devia ter avisado com antecedência para lhe dar tempo. o Rogério não quis saber. Mas o certo é que agora está lá de novo.
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