terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Branca e os quatro anões


'Branca e os quatro anões'
óleo sobre tela
22cm por 16cm
2018
ZMB

Este trabalho tem como base um desenho de Bruno Schulz,
um desenho presente no livro 'as lojas de canela' editado pela Sistema Solar.
Este trabalho pisca o olho ao trabalho 'Saturno' de Goya 
transformando Saturno num Pregador da Cruz


Bruno Schulz


Goya


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A semana passada, apresentei este quadro aos meus vizinhos durante uma sessão de café de saco e brinde, e em especial à Bidente porque ela mencionara que gostava do amarelo de um outro quadro. Eu pensei: «Está a aproximar-se o Natal, se calhar, se ela gostar deste amarelo, é uma tela pequena, vendo-lha por vinte euros se ela quiser, num misto de prenda de bom vizinho e negócio de natal, ai o disco que eu não comprava se os vinte chovessem...» Dito e feito, pergunto:
-- Atão, que tal gostas deste amarelo, Bidente?
-- Ã...
-- São quatro anões, faltam três..., diz o Giu.
-- Os outros três são dissidentes eheheh, digo eu.
-- Eu estava a olhar para o espelho, parece mesmo uma cara de bruxa, gosto do vestido verde, costumas fazer telas pequenas como esta?. pergunta a Bidente.
-- É uma tela que eu tinha há algum tempo, pensei e porque não dar-lhe uso?
-- E todos a olhar como famintos para a Branca-de-Neve... parabéns, gosto da tua pintura. diz o Giu engraxando o meu chinelo, que eu dentro de casa uso chinelos. É aí que digo a ver se o peixe morde:
-- Estou a pensar vendê-lo, se me derem trinta euros, eu se calhar...
-- Ó trinta é pouco eu diria sessenta... diz o Dário.
-- Ó ninguém me dá sessenta..., acabei por dizer e, vendo que a Bidente não se pronunciava mais, acabei por lhe dar uma pequena brochura com poemas com títulos de flores, um livrinho que me deram na fnac quando lá fui comprar o lp 'Impressions' do John Coltrane.

Ontem, quando saí ao pátio da ilha, por volta das onze da manhã, para fotografar com luz natural e sem reflexos de sol o quadro, a Bidente aproximou-se e perguntou:
-- O que é? É o pai natal?
Eu já estava mal acordado e sonolentamente indisposto, pois passei-me com a pergunta, com a opinião dela, pensei que ela devia reforçar as lentes «vês mesmo mal com qu'então o pai natal! A ti não contarei eu nunca a anedota do pai natal, sua burra», não disse mas pensei, disse ao invés:
-- Não!, é a Branca-de-Neve e os quatro anões, são os que te aturam.
-- Ah já havias dito.
Eu, com trombas por a minha visão das coisas não ser perceptível às pessoas que me rodeiam, por elas não perceberem o conteúdo do que pinto, e por esse modo sentir que há uma fractura e um falhanço entre a compreensão que as pessoas e eu temos do mundo, vim-me embora a resmungar interiormente e a dizer entre dentes «ela é má, é bruxa, tem uma língua viperina, diz que a Cristina Ferreira é inteligente só porque subiu na vida, o que ela quer é ganhar um convite para o novo programa dela, é... faz-te ao Celito faz, de mim eu digo-te sou dissidente, fica-te com os quatro.»
É, por vezes a minha mente, se fotografassem a minha mente creditariam um Saturnino mau

O Giuliani veio à minha porta fumar uma cachimbada e oferecer-me 'Lisa' de Somerset Maugham. O Giu muitas vezes vem ter comigo, porque está no seu quarto sózinho e ou o Dário não está ou a Bidente não quer enrolar, e eu faço o favor, aceito e fumo com ele, falamos de livros, digo que em casa dos meus pais está lá uma edição do Círculo de Leitores de 'A servidão humana' mas que nunca li, falo-lhe do conto do anão do Fialho d'Almeida onde este morre defenestrado do alto da torre da igreja, trocamos ideias sobre a igreja católica e chegamos à conclusão que divergimos em quase tudo, mas o que nos une é a ideia da luta, de nunca desistir, ofereço-lhe café e as horas passam. Giu diz-me que a Bidente diz que não fala mais comigo.
Diz o pregador com a cruz: «Ó que pena! Ela não percebe as coisas que lhe dizem, um dia destes falou de tirar o passe do autocarro e eu disse-lhe que ela, como reformada, tem direito a desconto, e falei, comecei a explicar-lhe e ela olhava para mim, parecia vazia, sem interesse, acabei por me calar, eu acabo sempre por me calar sempre que vejo que estou a dar seca, mas a seca que dou às vezes é para ajudar, as pessoas andam mal-informadas, às vezes nem querem saber, ando a pensar, só vejo perdidas, onde andam as mulheres com testa?»
É o que digo para mim sempre «pintar pintar e não molhar o pincel de vez em quando não faz de mim um ser completo, ando lucidamente triste.»
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Claudio Mur, inspirado por ZMB e o seu quotidiano

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