domingo, 2 de dezembro de 2018

Eu era ruim

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--... 
-- Eu tomo atenção... 
-- Ainda agora és bonita! 
-- Estás a brincar comigo ou quê?, pá, eu tenho espelho em minha casa, eu me vejo todo o santo dia... 
-- Estás temperada, sabes o que é temperada? é... ‘tou a ler... olha, estou a ler o Moby Dick 
-- Nem comece! 
-- Tou a ler o Moby Dick que é um livro de caça à baleia... 
-- Pronto lá tá tu. 
-- Uma coisa que hoje em dia já não se deve fazer porque é uma atrocidade e qualquer dia as baleias não existem... 
-- Estão a ficar extintas. 
-- E pronto, lá no livro eles falam de fabricar um arpão para arpoar a baleia, para matar a baleia e, então, explicam como o arpão é fabricado, na forja, está o ferreiro, está o carpinteiro a fazer o cabo... 
-- Ah mas eu não quero saber dessa história não, ela é muito comprida. 
-- Eles temperam o aço com sangue. 
-- Olha só, não queres que eu acabe a conversa? 
-- Prontos, fala. 
-- Eu ia dizer uma coisa, o meu oitavo namorado, era o Luciano, é... ele morreu tão triste pá quando eu acabei o namoro, praticamente eu fui a culpada... 
-- Oh a sério? 
-- É me’mo, ele se matou... numa festa na terra onde eu moro ‘tás a ver, eu fui para a puta da festa, e ele com raiva porque eu acabei o namoro... a gente, eu me chateei com ele, eu acabei o namoro, a gente se desentendeu... e aí eu acabei o namoro, como tinha muitos né? 
-- Claro... 
-- Eu tinha por onde escolher, se acabasse já tinha outro na agulha... 
-- É, é a lei do mercado eheheh. 
-- Nunca ficava sem! 
-- Um mercado de namorados... ehehehe. 
-- Um harém, era tipo um harém... 
-- Eheheh... 
-- E então portanto... ele nessa noite bebeu todas e mais algumas, foi para a puta da festa, chega na festa, e dá uma de doido pá! 
-- Urr! 
-- Muito bêbado começou a pensar na nossa situação, juntou... 
-- Tomé com bebé... 
-- ... tomé com bebé... e disse «eu vou acabar com a puta da festa, não estou feliz, ninguém vai ficar feliz», pois, subiu... atrepou-se no poste... é... comé que vocês chama aqui? 
-- Quê?, da luz? É um poste de iluminação, de alta tensão... 
-- Mas vocês chama de candeeiro... 
-- ... é... um candeiro de iluminação pública... 
-- É mas a gente chama de poste... então... ele pegou no fio de alta tensão, tásaver... e... 
-- Deu um choque nele próprio... 
-- ... e acabou com a festa toda... 
-- Pois, o curtocircuito... morreu no poste... 
-- Pendurado no fio... acabou com a puta da festa, faltou a energia na hora... e no outro dia... quando eu acordei foodasse levo logo com essa má notícia: «olha sabe quem morreu?, fulano, sabe aquele teu namorado e tu acabou o namoro, ele suicidou-se e tu és a culpada!» 
-- Urr... 
-- Tásaver... as pessoas me incriminavam... aí eu dizia: «eu não... eu nem sequer conheço!», sou culpada nada, quando uma história acaba acaba, tudo que tem começo tem fim, não é? 
-- Sim... 
-- As pessoas me apontavam o dedo e diziam que eu era culpada, quando não era... e depois, deixa eu ver... qual foi o último namorado que eu tive, tá no céu o meu nono namorado... 
-- ... urr, ele morreu da mesma maneira? 
-- Não, morreu de ataque cardíaco. 
-- Sei. Não tiveste também um coreano com quem estavas a falar pelo computador... e morreu de ataque cardíaco? 
-- Não. Eu tive um namorado coreano mas quem morreu de ataque cardíaco foi o Renato. 
-- Ah tábem, então eu confundi, uma vez falaste de um coreano, que queria casar contigo, tu disseste que sim, e ele teve um ataque cardíaco... 
-- Foi o Renato. 
-- Atão não era o coreano?, fooda-se disseste que sim e ele morreu?!
-- Porque é assim: eu quando conheci o Renato... ele era amigo do meu noivo. 
-- Ãh 
-- E houve um dia em que num jantar do meu namorado, comemorado em minha casa... e ele trouxe esse amigo dele que era o Renato, apresentou o Renato... 
-- Sim. 
-- E aí pronto! Se axaiponou por mim e eu comecei a irritar-me com aquilo. Depois eu pensei e decidi ir a casa dele conversar sobre isso, e ele disse que um dia eu ainda ia ser namorada dele. 
-- eheheh 
-- Bom, namorada eu fui, isso ele não mentiu, eu fui com a cara dele, e um dia, também ele me pediu em noivado, aí eu disse: vou pensar no caso, ainda não estou preparada para casar. 
-- Mas quando disseste que estavas finalmente preparada ele... pumba! 
-- Ele tinha uma academia, só de homem, onde se fazia musculação. Ele um dia abriu a academia, tomava o pequeno-almoço, fazia o que tinha a fazer, ia para a academia, tásaver? 
-- Sim. 
-- E... depois que ele abriu a academia, ele sempre me ligava, e a gente em conversa, ele dizia assim: «Então minha resposta?, estou à espera, já pensou?», eu disse: «Ó, pensar eu já pensei, mas não sei se vais gostar da resposta...», 
-- urr... 
-- «vá lá eu sou forte!» 
-- Ei-iiií! 
-- «Eu sou forte, eu vou aguentar.» 
-- Fooda-se... 
-- E não é isso, ele continuou: «se for um não... eu vou aguentar, a gente vai ficar amigo na mesma, não vai alterar nada», tásaver era esta a nossa conversa, e eu disse «olha, não custa nada dar-te um oportunidade, mas tem calma comigo, porque eu sou assim e assim e assim assado.»
-- Iá. 
-- Eh... eu disse: «eu quebro o meu noivado, eu aceito», disse sim na cara podre, e o homem ficou tão animado, tão alegre, tão feliz... olha deu-lhe o peripato, abriu a academia mas ainda não tinha chegado ninguém, e ele estava morto ali dentro da academia sózinho, e quando os alunos começaram a chegar, para falar com ele e ele não responder... estava morto, eh pá, foda-se! 
-- Iá... 
-- O pai dele não fala comigo, ele diz que eu matei o filho dele, e o irmão dele também não, ele se abria com o irmão, era o confidente... enfrentar a família foi... 
-- Mas tu agora estás diferente... 
-- Mas eu fui a culpada, não fui? 
-- Foste a culpada tu? Não, tu não tens culpa se as pessoas se as pessoas têm ataques cardíacos, pensa assim, ele tinha uma academia de musculação, fazia tanto exercício físico... 
-- Ele não fazia, ele estava lá a gerir... 
-- Ah pronto ele não era treinador... 
-- Não, ele ensinava os alunos... 
-- Mas dizer que a culpa é tua? 
-- Eu estava lá, eu passei um fim-de-semana lá na casa dos pais, transei com ele, ia na academia, ele me levou lá, fizeram o jantar para os pais dele me conhecer... 
-- Tu falas do ataque cardíaco... mas tu até lhe disseste uma coisa boa... 
-- Olha ninguém pode ter alegria demais nem tristeza de mais, acaba por morrer. 
-- Mas que culpa, tu também foste uma vítima, tu até ias casar com ele, ele estava todo contente, iam ser os dois felizes... 
-- Ou eu ia ser muito feliz, ele me amava de uma tal maneira, ele esperou por mim. 
-- Lá está, vocês iam ser felizes, ele morreu e tu ficaste infeliz, que culpa tens tu que ele tenha ficado tão feliz e tenha tido um ataque?, não tens culpa! Foi uma desgraça, para a família dele, para ele e para ti, não é?, tu foste vítima dessa desgraça... e se formos a ver... também não tens culpa do primeiro que se suicidou no candeeiro público, não é?, esse quis vingar-se de toda a gente, que culpa tens tu que um gajo se queira vingar? 
-- Mas tirando a própria vida? 
-- Tábem mas... 
-- A vida é bonita mas as pessoas são feias... 
-- É, a vida é bonita mas as pessoas não conseguem gerir as rejeições, as pessoas não conseguem aceitar que os outros possam não gostar delas, de nós, de não nos querer para todo o sempre, os amores começam e os amores acabam. 
-- Acabam para quem morre... é... e depois o Geraldes quando eu acabei o namoro com ele, ele entrou para a polícia, é... dava para fazer um livro, eu era ruim. 
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Claudio Mur e Anónim@ do século 23

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