quinta-feira, 13 de junho de 2019

O Adaga e o Osvaldo e nós

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Ó meu filho, a concorrência é grande, tu perdes, «é isso que já pensei mas sei que no fundo gostas de mim», olha como ele é convencido, «porque eu faço por gostar de ti, se eu não gostasse de ti... já tive muitos motivos para rescindir a nossa amizade e não, eu voltei atrás, os amigos também se zangam mas não é por isso que...», mas tu sabes que és meu amigo, você é meu amigo, mas tem às vezes... segundas intenções, «eu queria transar», eita olha o palavrão, corta. «Quem é a morte?, se calhar sou eu» O outro diz que eu sou chave de cadeia, sou terrorista, e eu pensei, vem cá, mensageiro da morte, eu pensei: se eu sou terrorista, tanto mato como morro, eu não sou boa coisa, «ele te chama terrorista porque tu não és convencional, tu és diferente das mulheres com quem ele casou, as mulheres dele só não o mataram porque senão iam presas e tu és diferente», eu já aguentei muito, aiai lá vem eu «de pistola na mão» pois se toda a terrorista fosse como eu não havia morte, eu não mato ninguém coitada de mim, agora na hora da raiva acontece muita coisa e o que eu digo gosto de comprir, agora tenho de pensar duas ou três vezes, ah agora me fez lembrar o outro e a trança que o veado me fez, coitado do Osvaldo, aquilo é que foi um filme, eu vou te-matar, uuui aquilo é que foi um filme mesmo, coitado do Osvaldo, saíu, foi-se embora num disparo, parecia que ia perder o comboio, vê lá, eu só armo confusão, por isso é que prefiro estar em casa e não sair para lado nenhum. o Adaga me telefona e convida-me para jantar em casa dele, disse que o Osvaldo ia fazer o jantar para os três, o Adaga tratava do vinho e da cerveja, convidou também uma amiga dele, ele disse que ela estava curiosa para me conhecer, ele falava muito bem de mim para ela, até que lhe deu o meu número e ela até me telefonou, eu atendi e ela disse que estava curiosa por me conhecer, que o Adaga lhe falara muito bem de mim, falámos de outras coisas particulares e privadas do agora nosso amigo comum, e eu tudo bem, «na curiosidade ela te queria conhecer, faz-me lembrar o meu caso com o senhor falcão, um dia ainda te hei-de contar, ah ah os Xutos do início com o seu general Custer, sim mas tem respeito pelo atitude do «pequeno grande homem» quando se encontrou na tenda do general Custer na noite da batalha...», você ‘tá falando me’mo de quê mesmo ein?, «dum filme de Arthur Penn e do senhor Falcão e de mim, da curiosidade...» ah ok portanto, o Adaga convidou ela e eu disse: tem cerveja?, é que se não houver cerveja eu não vou.», ele disse que estava já resolvido esse assunto. Eu vou por fim jantar em casa dele, o Osvaldo está fazendo a janta, eu estou fumando, tenho o cabelo solto, até aí estava tudo bem, conversam um bocado comigo, dizem que eu desapareço e não ligo, não atendo o telemóvel nem respondo às mensagens e o mais... essa conversa e eu... olha pá, estou dando um tempo sozinha, quero estar no meu refúgio quietinha, falar com ninguém, ver ninguém... estava a dizer-lhes isto quando o Adaga... eu estou sentada, a janta está pronta, todo o mundo está já reunido para jantar, o Adaga vai e pega no meu cabelo e começa a penteá-lo, ele começa a pentear o meu cabelo e a fazer uma trança no cabelo, até aí tudo bem, o Osvaldo olha para ele, ele olha para o Osvaldo, aí de repente o veado manda uma boca, o Osvaldo olha para ele como se matasse oito, aí o veado se aproxima do Osvaldo que lhe dá um murro, o veado prensa o Osvaldo entre a porta e a pia de lavar a louça, pôe a mão no pescoço dele que fica ali fodido, sem respirar, prensado sem se poder mexer para um lado ou para o outro, tinha a porta né. Eu acabo por ir lá, atravesso-me no meio, e em vez de um ou outro tentar dar um soco, eu estou no meio e quem leva sou eu, aí, eu apartei a briga, e foi quando o Osvaldo saíu porta fora que parece que ia perder o comboio, nem jantou, ninguém jantou, bem... jantei eu, ah pois! eu fiz a festa, bebi o vinho pelos três, tomei a cerveja toda e dormi lá, não vou dizer que não porque sim dormi, nunca mais vi o Osvaldo porque roubaram o meu telemóvel, o Osvaldo saíu do meu «face» e eu perdi o contacto com ele, nunca mais me ligou, foi desde esse dia, fiquei lá em casa toda a noite e se calhar o Osvaldo ficou à espera que eu saísse também, não não não ficou nada à espera, eu não marquei de ir embora, eu fiquei lá para jantar, acabei de jantar, a conversa estava interessante, tinha vinho e tinha cerveja, fiquei na conversa, não havia mais transporte, fiquei lá, a amiga dele também ficou, dormimos os três na cama, eu fiquei na beira, eu só sei dormir na beira, ele ficou na outra beira, a amiga ficou no meio, mas a minha sorte é que ela não curte mulher, olha foi a minha sorte. o Adaga é muito esquisito, o Osvaldo pensava que ele queria comê-lo, o Osvaldo tinha às vezes receio quando lá ia a casa e afinal, o Adaga disse-me depois, eu gosto de dar nela e não de levar nela, ele é adaga e não agulha, compreendes?, e afinal o Osvaldo gostava de mim, nunca mais o vi, tenho pena. 
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anónim@s do século XXIII

9 comentários:

  1. Dass, esta espécie de conversas, tu desencanta-las onde?!

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  2. São transcrições autorizadas de conversas entre dois anónimos com nomes alterados. o meu papel na história é quase o de moderador e de produtor / escrevedor.
    O meu objectivo é dar voz. e eventualmente discutir o conteúdo das conversas.

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  3. "dizem que eu desapareço e não ligo, não atendo o telemóvel nem respondo às mensagens e o mais... essa conversa e eu... olha pá, estou dando um tempo sozinha, quero estar no meu refúgio quietinha, falar com ninguém, ver ninguém..." - Oui, c'est moi!
    ;9

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    1. :)
      é tão bom ver que o que a gente transcreve tem significado para a boa gente.

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    2. Admiro a capacidade de conseguir relatar sem contaminação de juízos.

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    3. estes textos debaixo do nome 'anonim@as do século xxiii' não são ficções embora eu nelas colabore, e eu quero dar voz às pessoas que me estão próximas e vivendo a sua solidão. não tento julgar, apresento as suas verdades que acredito que são partes das verdades de algumas gentes, como tu naquele pormenor que citaste. dar voz às mulheres que me estão próximas é um modo que eu tenho de delas gostar.

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    4. e penso que tu admiras a sinceridade da voz feminina que fala neste texto e que no fundo se pergunta porque a chamam de terrorista para acabar ela própria a não se achar boa coisa. ou não?

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    5. Aos batoteiros, como eu, a sinceridade encanta, o que é muito bem feito, portanto.

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    6. Até os batoteiros têm uma ou duas pessoas com as quais são sinceros.

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